FI-FGTS direto para os bancos

 

02/08/2016
Geralda Doca
Martha Beck

 

O governo quer repassar recursos do Fundo de Investimentos em Infraestrutura do FGTS (FI-FGTS) diretamente aos bancos para financiar novas concessões. A ideia, que faz parte do plano de estímulo ao crescimento que o presidente interino, Michel Temer, quer lançar nas próximas semanas, é uma forma de injetar dinheiro no setor de infraestrutura em um momento de retração da oferta de crédito do mercado. A medida será direcionada tanto aos bancos privados quanto ao BNDES — que chegou a pedir R$ 10 bilhões ao FGTS no ano passado, verba que não foi liberada por uma restrição do Tribunal de Contas da União (TCU). A equipe econômica quer, ainda, usar dinheiro do FI para conceder empréstimos-ponte a concessionárias, para que estas iniciem as obras até a obtenção de um financiamento de longo prazo. Atualmente, o Fundo tem disponíveis R$ 7 bilhões para aplicar em projetos de infraestrutura.

Para poder repassar recursos aos bancos, os técnicos estudam alterar a legislação que criou o Fundo de Investimentos, para que ele possa comprar papéis (letras financeiras) emitidos por essas instituições. Com o dinheiro, os bancos financiariam os projetos, assumindo o risco das obras. Para viabilizar o negócio, o Executivo também pretende mexer na meta de rentabilidade do FI — fixada em 6% ao ano mais a Taxa Referencial (TR) —, admitindo um retorno menor.

Caso vingue a proposta de usar o FI como financiador de longo prazo para as novas concessões, o FGTS poderá aportar mais recursos no Fundo. Enquanto se aguarda a liberação dos desembolsos, os recursos estão aplicados, com rendimento pela Taxa Selic, de 14,25% ao ano. No caso de concessão de empréstimos-ponte, o tomador terá de apresentar fiança bancária.

 

TRABALHADORES PODEM RESISTIR À IDEIA

Atualmente, para efetuar esse tipo de operação, o FI cobraria a rentabilidade de uma NTN-B (título do Tesouro Nacional ligado à inflação), algo entre 17% e 16% ao ano. Pela proposta em análise, a remuneração para o Fundo cairia para 10% ou 10,5% ao ano — podendo chegar a 14% e 15% para o tomador final, incluindo o spread da instituição financeira (diferença entre o custo de captação e o cobrado do tomador final).

Segundo um técnico a par das discussões, a questão é polêmica e poderá enfrentar resistência dos trabalhadores. Ele lembrou que o FI registrou prejuízo no ano passado por causa de aplicações na Sete Brasil. Essa foi uma das razões pelas quais os membros do Conselho Curador do FGTS se recusaram a aprovar o balanço do Fundo. Os conselheiros também foram influenciados pela investigação em curso na Polícia Federal sobre pagamento de propina para liberar projetos. Esse esquema foi revelado na delação premiada do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto, que era membro do comitê de investimentos do FI.

— Os trabalhadores podem acusar o governo de usar dinheiro do FI para ajudar banco privado. Mas há o argumento de que a remuneração para o FGTS está assegurada e, mais do que isso, que o país precisa de investimentos em infraestrutura — afirmou um técnico.

No ano passado, o FI registrou prejuízo de quase R$ 1 bilhão (rentabilidade negativa de 3%). O resultado foi influenciado pela baixa de R$ 1,87 bilhão, referente a investimentos na Sete Brasil. Em 2014, o Fundo já havia feito uma provisão de calote de R$ 188,2 milhões relativa a essa empresa.

 

R$ 4 BI EM EMPRESAS ENVOLVIDAS NA LAVA-JATO

Outros prejuízos se referem à Energimp, geradora de energia eólica controlada pelo grupo argentino Impsa, que está em recuperação judicial. Também houve baixas com queda dos ativos de empresas nas quais o FI tem participação, como a Brado Logística, sócia da transportadora de contêineres América Latina Logística (ALL).

De acordo com o balanço do FI, o patrimônio líquido do Fundo caiu de R$ 31,8 bilhões em 2014 para R$ 30,9 bilhões em 2015. Do montante total de investimentos de R$ 21,6 bilhões, R$ 4,118 bilhões estão em empresas envolvidas em investigação pela Polícia Federal, na Operação Lava-Jato.

Em 2008, em plena crise financeira internacional, com forte restrição ao crédito, o governo usou o FI para emprestar R$ 7 bilhões ao BNDES, mas com garantia do Tesouro e compromisso de o banco devolver os recursos ao Fundo assim que recebesse das empresas. Do total, quase 50% já foram liquidados. Ainda assim, na ocasião, a Controladoria-Geral da União (CGU) apontou problemas na operação, alertando que a baixa remuneração das debêntures (de 6% ao ano, mais a TR) puxaria o rendimento do Fundo para baixo.

Na época, a operação foi tratada como uma excepcionalidade. Além disso, o FI ainda estava sendo estruturado e não tinha uma carteira de projetos, o que poderia justificar o empréstimo. Atualmente, o Fundo está em plena operação, aguardando o retorno com a maturação de alguns projetos de longo prazo.

O FI-FGTS foi criado em 2007, no bojo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com a missão de investir em infraestrutura — portos, rodovias, ferrovias, setor elétrico, hidrovias e saneamento — e, ao mesmo tempo, gerar um retorno para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. No período, foram investidos R$ 22 bilhões do lucro do FGTS nesses setores. Esses valores são separados das contas individuais dos trabalhadores, remuneradas pela TR mais 3% ao ano.

Administrado pela Caixa Econômica Federal, o FI atua no mercado em duas frentes: compra de dívidas (debêntures) e operações de equity (participações em empresas, tornando-se sócio dos projetos). Cabe à Caixa, como gestora, identificar projetos de infraestrutura no mercado e submeter as propostas ao comitê de investimento do FI — formado por representantes do governo, dos empregadores e dos trabalhadores, com um total de 12 membros.

 

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Possibilidade de calotes não preocupa BNDES

 
02/08/2016
Ana Paula Ribeiro

 

A presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, afirmou que os calotes por parte das grandes empresas não preocupam a instituição, apesar dos pedidos de recuperação judicial bilionários, como o da empresa de telefonia Oi, que chegou a R$ 65 bilhões, o maior da história do país.

— A inadimplência é uma preocupação do sistema financeiro. A Oi tem um crédito de R$ 3 bilhões com o BNDES, que também é seu acionista. De qualquer forma, a inadimplência no banco é muito pequena, porque sempre operamos com garantias, mas essa situação (de aumento das recuperações judiciais) é preocupante para o país — disse Maria Silvia ontem, após participar de evento da Fundação Estudar, criada pelo empresário Jorge Paulo Lemann, em São Paulo.

 

DEMANDA POR CRÉDITO EM QUEDA

A executiva afirmou que todos os bancos estão fazendo algo para lidar com os casos de recuperação judicial, mas evitou falar da situação do BNDES, que ainda não divulgou o balanço do primeiro semestre. Para Maria Silvia, a queda nos desembolsos da instituição (cerca de 50% nos seis primeiros meses do ano) irá permanecer até 2017, dada a falta de demanda por crédito no país.

— Estamos em um período de decadência na procura por crédito. Começamos a ver alguns sinais de melhora nessa situação, mas ainda não consideramos ter uma mudança até o ano que vem — avaliou.

Maria Silvia negou que o banco busque “um tamanho menor”, oferecendo menos financiamentos. Ela disse que o BNDES deseja, sim, a participação de outros investidores nos grandes projetos do país:

— Nunca disse qual seria o tamanho ideal para o banco. O que nós dissemos é que o banco não pode bancar sozinho os projetos de longo prazo. Há muito capital no mundo que nunca participou (dessas iniciativas no Brasil).

Uma participação mais efetiva de outros investidores nos projetos de infraestrutura e concessões depende, de acordo com a executiva, de projetos bem elaborados, contratos bem feitos e agências reguladoras que, de fato, fiscalizem:

— São formas de mitigar os riscos da operação. Temos que dar confiança aos investidores. São projetos de 20, 30 anos.

Com relação a uma possível influência de Luiz Inácio Lula da Silva no BNDES e ao fato de o ex-presidente do banco Luciano Coutinho ter sido citado por investigados na Operação Lava-Jato, Maria Silvia disse que questões pessoais não devem ser confundidas com a instituição.

— O mais importante é preservar a instituição, já que as pessoas são passageiras. As questões que surgirem, vamos enfrentar e endereçar a quem é de direito — frisou.

Para Maria Silvia, a Olimpíada será um sucesso e deixará para o Rio um forte legado de mobilidade urbana. Sobre a autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN) para um empréstimo do BNDES à Prefeitura do Rio no valor de até R$ 800 milhões, ela informou que esses recursos ainda não foram liberados:

— Ainda estamos conversando sobre essa liberação. Mas o legado já está aí, e os Jogos Olímpicos vão ser um sucesso.

 

O globo, n. 30311, 02/08/2016. Economia, p. 15