Valor econômico, v. 17, n. 4122, 29/10/2016. Política, p. A10

Com alta abstenção, Rio elege Crivella

Marcelo Crivella, prefeito eleito do Rio, após quatro candidaturas ao Executivo: “Não podemos cair na praga maldita da vingança. O processo eleitoral acabou aqui”
Por: Por Cristian Klein

Por Cristian Klein | Do Rio

 

Entre a ascensão de uma nova direita - religiosa e cristã - e de uma nova esquerda depois da derrocada do PT no país, os eleitores do Rio de Janeiro ungiram ontem o senador Marcelo Crivella (PRB), 59 anos, como o prefeito que administrará a cidade pelos próximos quatro anos a partir de 1º de janeiro. Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), Crivella recebeu 1.700.030 votos (59,36%) contra 1.163.662 votos (40,64%) do deputado estadual Marcelo Freixo (Psol).

O total de votos inválidos foi de 20,08% (719.402 eleitores) e cresceu quase 150% em relação aos segundos turnos de 2000 e de 2008: 15,9% anularam e 4,18% votaram em branco. A taxa de abstenção foi a maior entre as capitais e chegou a 26,85% - 1.314.950 de pessoas deixaram de comparecer às urnas. No total, 65% dos eleitores aptos do Rio não votaram no próximo prefeito.

A vitória de Crivella representa um marco - é o primeiro líder evangélico a ocupar o Executivo de um grande colégio eleitoral - e quebra um tabu. O senador já tinha perdido duas eleições para prefeito da capital, em 2004 e 2008, e duas para governador, em 2006 e 2014, em tentativas que esbarravam na alta rejeição à mistura de Estado com religião.

Com o resultado, o projeto político de setores evangélicos consegue sair do nicho das disputas proporcionais, onde experimenta crescimento gradual desde meados dos anos 1980.

O PRB, partido de Crivella, foi fundado em 2005 e é o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, liderada pelo bispo Edir Macedo - tio do prefeito eleito do Rio. Em maio de 1992, Macedo ficou preso por 12 dias e se livrou das acusações de charlatanismo e estelionato. Com a contribuição do dízimo de fiéis - a maioria pertencente às camadas mais pobres e de baixa escolaridade - Macedo construiu um império religioso com templos espalhados pelo Brasil e pelo mundo, midiático - é dono da TV Record, de editoras e portais na internet - e, agora, um dos representantes máximos da hierarquia da sua igreja comandará a segunda maior capital do país.

Em um vídeo que registrou encontro de pastores da Iurd, em maio de 2012, Crivella afirmava que "os evangélicos ainda vão eleger um presidente da República que vai trabalhar por nós e por nossas igrejas". Em 2002, quando se lançou a uma vaga do Senado por determinação do tio, Crivella era bispo e um bem-sucedido cantor gospel. Já gravou mais de 15 CDs, um deles teve mais de 1 milhão de cópias vendidas. Viveu por dez anos como missionário da igreja na África, experiência que relatou em livro com visões pejorativas sobre as demais religiões.

Ontem, no discurso de vitória, porém, Crivella fez agradecimentos ecumênicos. "Quero agradecer à toda Igreja Católica que nos apoiou, vencendo uma onda de preconceito", disse, incluindo ainda os espíritas, umbandistas, candomblecistas, agnósticos e ateus. Parabenizou Marcelo Freixo "por sua luta", ao prefeito Eduardo Paes (PMDB), por ter lhe telefonado, e pregou união. "Não podemos cair na praga maldita da vingança. O processo eleitoral acabou aqui", disse, no Bangu Atlético Clube, zona oeste da cidade.

Freixo, no entanto, num discurso para militantes na Cinelândia, evitou o costumeiro discurso protocolar de parabenizar adversários pela vitória. "Nada termina hoje. Hoje começa a luta. Marcamos numa praça pública e não num clube, pois nosso sonho não cabe e não é feito em sala fechada. É coletivo", disse.

Depois de quatro derrotas em eleições majoritárias, Crivella procurou dar uma nova roupagem à sua imagem, afastando-a da Universal e negando a influência do tio. Pediu perdão ou minimizou declarações que revelam suas crenças religiosas - como a de que as mulheres devem ser submissas aos homens. Ou de que os homossexuais são fruto de um aborto malsucedido. Ensaiou uma mudança do PRB para o PSB, vetada por Macedo em cima da hora. Também negou, durante a campanha, que seu governo terá o dedo do ex-governador Anthony Garotinho, do PR, que lhe deu a maior parte do tempo de propaganda em rádio e TV no primeiro turno.

Além da mudança de estratégia, Crivella foi favorecido por uma combinação de fatores como o alto recall - desde 2002 competiu em sete de oito eleições - e a alteração nas regras eleitorais. Com a redução do tempo de campanha e a proibição de doações de empresas, seu conhecimento prévio pelo eleitorado o deixou numa situação, na largada, em que foi pouco atacado pelos adversários. Muito à frente dos demais, seus concorrentes se digladiaram pela vaga no segundo turno sob o consenso de que era "Crivella e mais um".

O senador se beneficiou ainda da baixa aprovação de Paes e da insistência do prefeito em escolher um sucessor - o ex-secretário municipal e deputado federal Pedro Paulo - envolvido numa suspeita de agressão à ex-mulher. Aproveitou-se do desgaste do PMDB - cuja administração levou o Estado ao caos financeiro -, além do revés da esquerda com a debacle nacional do PT, contra quem Crivella votou no impeachment de Dilma Rousseff, apesar de ter sido ministro da Pesca da ex-presidente. (Colaboraram Cláudia Schüffner e Francisco Góes)