Valor econômico, v. 17, n. 4082, 01/09/2016. Política, p. A4

Inabilitação abre crise na base aliada

Por: Fabio Graner, Murillo Camarotto, Vandson Lima, Thiago Resende e Andrea Jubé

 
A inesperada decisão de não inabilitar a ex-presidente Dilma Rousseff para funções públicas, penalidade prevista na Constituição para quem perde o mandato (artigo 52), abriu um princípio de crise política na base do recém efetivado governo Michel Temer. Em uma medida inédita e considerada inconstitucional por PSDB e DEM, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, aceitou o pedido do PT de fatiar a votação do impeachment, dividindo a cassação do mandato de Dilma e a pena de inabilitação para cargos públicos por oito anos. A confusão entre os aliados gera preocupações para um governo que precisa de unidade e alto número de senadores para aprovar reformas, como a PEC dos gastos.

Em ambas as votações eram necessários 54 votos. Mas, liderada pelo presidente Renan Calheiros (PMDB-AL), a bancada do PMDB rachou e, com 12 senadores, viabilizou a manutenção dos direitos políticos de Dilma, o que lhe permitirá, inclusive, candidatar-se nas próximas eleições, se o desejar. "Não direi adeus a vocês, posso dizer até daqui a pouco, ou eu ou outros assumirão este processo. A partir de agora, lutarei incansavelmente para continuar a construir um Brasil melhor", disse a ex-presidente em seu discurso de despedida.

A postura do partido de Temer ensejou uma reação inicial violenta de DEM e PSDB que ameaçaram recorrer ao STF contra o fatiamento e levantaram suspeitas de um "acordão" para beneficiar o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O próprio Temer, depois de empossado, advertiu os peemedebistas. "Hoje tivemos divisão na base. Isso é inadmissível. Se é governo, tem que ser governo", disse em pronunciamento na sua primeira reunião ministerial, manifestação que já havia feito por telefone aos demais partidos de sua aliança parlamentar. "O que não dá é divisão na base sem combinação", acrescentou.

Ao decidir pelo fatiamento da votação, Lewandowski chamou a atenção para o fato de que Dilma, com a inabilitação, não poderia ser sequer "merendeira de escola" pública. Calheiros, por sua vez, disse que os seus colegas de Senado não deveriam ser "desumanos" e não poderiam seguir a prática de "cortar e depois esquartejar", ambos trocando os argumentos técnicos sobre a penalidade para ressaltar os humanitários.

Após o placar mostrar que a inabilitação de Dilma tinha sido aprovada por apenas 42 senadores e rejeitada por 36 votos, com 3 abstenções, alguns senadores aliados saíram com declarações inflamadas.

Ronaldo Caiado, líder do DEM, de pronto anunciou que entraria com mandado de segurança no Supremo contra a decisão que ele chamou de "inadmissível". Vice-líder do governo no Senado, José Medeiros (PSD-MT), ameaçou deixar a base. "O PMDB ajudou a esfacelar a base de Temer", disse. "Quem se comporta como verme não pode reclamar se for pisado".

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves, tentou enfatizar a vitória política na cassação, mas também se mostrou contrariado e levantou "preocupações" com o futuro da parceria com o PMDB. "O país não comporta ambiguidades", disse Aécio. "Nos preocupou essa manifestação do PMDB. Quero crer que não tenha havido algum tipo de entendimento que não foi comunicado a outras forças da política nacional", argumentou.

Entre os petistas, a sensação era de que ao menos uma vitória havia sido conquistada em um dia de derrotas anunciadas. De acordo com eles, foi Calheiros que se ofereceu para fazer corpo a corpo com os senadores a fim de preservar os direitos políticos de Dilma.

Uma preocupação levantada pelos aliados era em relação a um possível benefício a Cunha. A nova jurisprudência que o Senado estabeleceu enseja a possibilidade de penas alternativas a Cunha.

Diante da crise que se instalava, senadores do PSDB e do próprio DEM, após reunião entre as ban-cadas, atuaram para tentar bai- xar a temperatura. Os senadores Aloysio Nunes Ferreira e Cássio Cunha Lima, respectivamente líderes do governo e do PSDB no Senado, defenderam que não se vá ao Supremo contra a decisão, para deixar claro que o julgamento no Senado é definitivo e "irrecorrível". A ideia seria, com isso, enfraquecer os recursos da defesa petista contra o impeachment. "Foi uma decisão mais piedosa do que política. Hoje é um dia de comemoração. Vamos focar no principal e não na pena acessória", disse Aloysio Nunes. "Esta não é uma questão central da governabilidade", minimizou.

Um dos mais indignados inicialmente, Cunha Lima disse que "esfriou a cabeça", depois da "surpresa" inicial. Para ele, não houve quebra de confiança, embora tenha dito que faltou aviso dos pemedebistas.

O senador José Agripino Maia (DEM-RN), também atuou e alertou para o risco de mais instabilidade política. "É preciso fazer uma avaliação detida. Isso pode judicializar o processo, trazer um inconveniente para o governo", disse. O senador acredita que o voto dos peemedebistas que favoreceu Dilma foi uma ação de "reciprocidade", espécie de "dízimo", pelos anos de aliança com o PT.