Valor econômico, v. 17, n. 4082, 01/09/2016. Política, p. A5

Para advogados, Senado errou ao separar votação final

Por: Ricardo Mendonça

 
 

Advogados especializados em direito eleitoral ouvidos pelo Valor concordam que o Senado, sob a condução do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, errou ao fatiar a votação do impeachment de Dilma Rousseff. Entendem ainda que, prevalecendo a decisão dos senadores, a petista não deve ser enquadrada na Lei da Ficha Limpa.

A confusão surgiu a partir de uma decisão tomada nos momentos finais do julgamento. Um destaque da bancada do PT aprovado por Lewandowski levou os senadores a concluírem o julgamento com duas votações.

Na primeira, por 61 votos a 20, decidiu-se pelo afastamento definitivo de Dilma. Na segunda foi avaliada a questão da pena de inabilitação para função pública por oito anos. Como os opositores de Dilma não conseguiram o mínimo de 54 votos nessa segunda votação, ela ficou livre dessa pena. A consequência disso é que poderá se candidatar a cargo eletivo já em 2018, por exemplo.

Para o advogado Ricardo Penteado, a decisão final do Senado, tal qual foi proclamada, é "uma decisão impossível", pois a perda da função pública, diz, é "inexorável" à inabilitação por oito anos.

O tema aparece no parágrafo único do artigo 52 da Constituição. Esse dispositivo diz que, atingidos os dois terços dos votos do Senado pela condenação do presidente, há "perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública".

"O Senado não precisa, após a condenação, decidir pela aplicação da pena. Porque a pena já está prevista na Constituição. Não tem dosimetria", diz Penteado.

O advogado Eduardo Maffia Queiroz Nobre tem opinião semelhante. "Perda do cargo e inabilitação são penas independentes, mas de aplicação conjunta", afirma. "Repare que o texto da Constituição usa a preposição 'com' inabilitação", completa.

Para fazer valer o destaque de votação separada no Senado, os defensores de Dilma recorreram ao precedente do julgamento do impeachment do ex-presidente Fernando Collor em 1992, hoje senador (PTC-AL).

Naquele ano, na véspera da votação final pelo Senado, Collor renunciou ao cargo de presidente. Seu objetivo era forçar o cancelamento do julgamento e, assim, evitar a inabilitação por oito anos. Os senadores decidiram, porém, que ele não poderia evitar o processo de cassação e, no dia 30 de dezembro, por 76 votos a 3, aprovaram o impeachment. Como Collor já estava fora da Presidência desde a véspera, a votação, na prática, foi apenas para declará-lo inabilitado por oito anos.

Para alguns, esse é o precedente que agora, 24 anos depois, permite votação específica a respeito da inabilitação de Dilma.

Mas Nobre lembra que em 1993, ao reconhecer como regular o julgamento de Collor após a renúncia, o STF analisou e recusou a hipótese da pena separada.

O então ministro relator do caso, Carlos Velloso, lembrou que no sistema legal anterior à lei do impeachment, de 1950, "era possível a aplicação tão-somente da pena de perda do cargo, podendo esta ser agravada com a pena de inabilitação". Mas no sistema atual, assinalou, a Constituição e o direito comum falam em duas penas: perda do cargo e inabilitação por oito anos. "Fica claro que não cabe afastamento sem pena de inabilitação", diz Nobre.

Outro que discorda da via adotada pelo Senado é o advogado e ex-juiz Márlon Reis. "Entendo que não é possível o fracionamento das decisões ante a clareza do texto constitucional", diz.

Reis afirma, porém, que Dilma não poderá ser enquadrada na Lei da Ficha Limpa, caso prevaleça a decisão do Senado. Isso porque a norma não prevê a inelegibilidade dos que sofrerem impeachment. "Um dispositivo prevê a cassação de governadores e prefeitos. Mas essa norma omite a referência ao presidente. Por isso não é aplicável [a Dilma]. E por que omite? É porque a Constituição já prevê uma consequência para o caso de presidente", diz.

Penteado usa o mesmo argumento de Reis. "Ficha Limpa cita apenas governadores e prefeitos", diz. Para Nobre, é uma situação "bem delicada": "Como trata-se de direito político, a interpretação não pode ser elástica."