Correio braziliense, n. 19437, 13/08/2016. Política, p. 2

Jogo de estica e puxa no Senado

Com o julgamento do impeachment marcado para começar no dia 25, defesa de Dilma tenta amarrar o andamento do processo, enquanto a acusação deseja dar a maior celeridade possível. Planalto pretende que tudo seja definido até o fim de agosto

Por: Julia Chaib

 

A menos de duas semanas do início da sessão que resolverá o desfecho político da presidente afastada, Dilma Rousseff, a defesa e a acusação da mandatária tentam impor ritmos diferentes ao processo. A petista recebeu ontem a notificação sobre a data do julgamento, marcado para começar no próximo dia 25, às 9h. O advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, entregou o último documento escrito pela defesa ao Senado, contrariando elementos da denúncia e indicando erros no relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), a três minutos do fim do prazo de 48 horas, às 13h37. A defesa quer ganhar tempo e analisa ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedir a nulidade do processo. Ao Palácio do Planalto, interessa e muito o impeachment aprovado até o fim de agosto, para que o presidente interino, Michel Temer, possa ser o mandatário efetivo do país durante reunião da cúpula do G-20, na China, em 4 e 5 de setembro.

No documento de 673 páginas, chamado de “contrariedade ao libelo acusatório”, entregue ontem, Cardozo indicou todas as seis testemunhas possíveis e requereu diligências no julgamento, além de acareações entre assistentes técnicos. A acusação, por sua vez, quer acelerar o processo e arrolou apenas três pessoas a serem ouvidas — e ainda pode abrir mão de alguma. A entrega do libelo acusatório feito pelos autores do pedido de impeachment — Janaína Paschoal, Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo —, com nove páginas, ocorreu menos de 12 horas após Dilma virar ré no Senado. O documento da acusação antecede a defesa e também poderia ser entregue em 48 horas após a análise do parecer do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) na madrugada de quarta-feira.

Embora cada parte tenha seu interesse, caberá ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, estabelecer o cronograma. O ministro definirá o ritmo do julgamento, como, por exemplo, se poderá ocorrer ao longo do fim de semana — dia 25 é uma quinta-feira —, na semana que vem. O presidente do STF participará de uma reunião de líderes com o presidente do Senado, Renan Calheiros, a ser realizada na próxima terça-feira ou quarta-feira, para definir o rito. A expectativa de senadores é de que o julgamento dure de três a quatro dias. Lewandowski precisará definir não só as datas das atividades, a exemplo da intimação de Dilma, mas se as sessões entrarão noite adentro.

Segundo Cardozo, não está definido se Dilma comparecerá ao julgamento para se defender. A presidente foi notificada, às 16h05 de ontem, sobre o início do processo, mas não em relação ao dia em que poderá comparecer. “Eu nem defendo nem não defendo (...) Não há tendência. Vamos dialogar para chegarmos à melhor data”, disse o advogado, sobre a presença de Dilma.

No documento entregue ontem, Cardozo pede a absolvição da presidente e a nulidade da sessão que aprovou o relatório de Anastasia por 59 votos favoráveis e 21 contrários. Segundo o advogado, além de ter falhas, o parecer do tucano acrescenta novos elementos de acusação, dos quais Dilma não teve a oportunidade de se defender. “O senador Anastasia inovou no relatório. Ele incluiu uma condenação que não estava antes. Isso significa uma mudança do libelo. Portanto, traz nulidade ao julgamento da pronúncia”, avaliou. Questionado se poderia recorrer ao STF, Cardozo respondeu: “É uma questão que pode ser impugnada”. Ainda não está batido o martelo sobre ir ao Supremo.

Dilma é acusada de ter praticado crime de responsabilidade pela prática das chamadas  “pedaladas fiscais” — edição de decretos orçamentários sem autorização do Congresso. Segundo Cardozo, Anastasia diz “indiretamente” que, desde 2008, se atrasa os pagamentos e que todos deveriam ter sido pagos em 2015. “Mostramos também falhas gritantes no parecer do senador Anastasia, porque provas foram trocadas, provas foram esquecidas. Tabelas erradas foram juntadas. Na perspectiva condenatória, fica claro que o relatório do senador Anastasia é de condenação, não é de julgamento”, afirmou.

Após entregar o documento no Senado, Cardozo disse que quer tempo para todas as etapas do julgamento. “Se a acusação quer rapidez, antes de provar, ela que faça isso. Nós estamos requerendo outras diligências, não apenas testemunhas”, disse.  Além de arrolar as seis testemunhas, Cardozo pede oitiva dos peritos e, se possível, acareação com assistentes técnicos. Foram indicados como testemunhas o professor da Universidade Federal de Campinas (Unicamp) Luiz Gonzaga Beluzzo; o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Geraldo Prado; o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa; o ex-secretário executivo do Ministério da Educação Luiz Cláudio Costa, a ex-secretária de Orçamento Federal Esther Dweck; e o ex-secretário do Planejamento Gilson Bittencourt.

 

Eduardo Cunha

Advogado da acusação, João Berchmans diz que a defesa tenta mais uma vez sobrestar o processo. “Acho que o fato de terem usado 670 páginas é um exagero. É mais uma prática recorrente da defesa”, disse. O advogado defende que há provas e não há necessidade de prolongar o processo. “Em relação às testemunhas, eles estão se valendo de um direito”, afirmou, completando que caberá a Lewandowski acatar ou não os pedidos de instrumentos de julgamento feitos por Cardozo.

Líder do DEM, o senador Ronaldo Caiado (GO) avalia que não há previsão na Lei do Impeachment, nem no Código de Processo Penal (CPP), para que sejam feitas novas acareações. “Acho que essa fase será indeferida porque já é extemporânea. As testemunhas falarão, mas a fase de acareação não é prevista”, disse. Caiado defende que o julgamento seja iniciado na quinta-feira e continue ao longo do fim de semana. Nesse caso, poderia haver interrupções das sessões durante a madrugada.

Cardozo questionou a demora para votação da cassação do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que renunciou à presidência da Câmara para tentar se salvar no processo. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcou para 12 de setembro a data para análise do processo por quebra de decoro parlamentar do peemedebista, com a justificativa de ter mais quórum. São necessários 257 votos para aprovar a cassação. “Há algo estranho no ar. Por que adiar tanto tempo? O que temem aqueles que defendem o impeachment?”, disse Cardozo.

 

Como será

As sessões que definirão o futuro político da presidente afastada, Dilma Rousseff, se assemelham ao Tribunal do Júri. Cada senador fará papel de julgador nesta última fase. As testemunhas de acusação são interrogadas antes das de defesa. Dilma pode falar, mas não está definido se ela vai. Um advogado pode representá-la.

 

Início da última fase

25 de agosto, às 9h

 

Previsão de duração

Três a quatro dias

 

Quem preside a sessão?

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski

 

O que será julgado?

Se Dilma é ou não culpada pelo crime de responsabilidade fiscal

 

E se for culpada?

A presidente é definitivamente afastada do cargo para o qual foi eleita e a suspensão dos direitos políticos, incluindo a elegibilidade, por oito anos

 

Quais são as acusações?

Atrasos de repasses do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil para pagamento do Plano Safra; edição de decretos de créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional

 

Testemunhas da acusação

» Julio Marcelo de Oliveira, representante do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU),

» Leonardo Rodrigues, auditor do TCU

» Antonio Carlos Costa d ‘Ávila Carvalho, auditor do TCU

 

Testemunhas da defesa

» Luiz Gonzaga Beluzzo, professor da Universidade Federal de Campinas (Unicamp)

» Geraldo Prado, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

» Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda

» Luiz Cláudio Costa, ex-secretário-executivo do Ministério da Educação

» Esther Dweck, ex-secretária de Orçamento Federal

» Gilson Bittencourt, ex-secretário do Planejamento