Correio braziliense, n. 19439, 15/08/2016. Cidades, p. 15

GDF busca distritais para socorrer Saúde

Serviços essenciais ficam ameaçados com a escassez de verbas para o setor. Rollemberg tenta articulação com a Câmara Legislativa para garantir R$ 288 milhões por meio de emendas parlamentares, mas ainda assim restariam despesas para o próximo ano

Por: Otávio Augusto

 

A Secretaria de Saúde precisa de R$ 600 milhões para fechar o ano. O custeio da compra de medicamentos, manutenção, limpeza, vigilância, alimentação hospitalar e leitos de unidade de terapia intensiva (UTI), serviços essenciais para o funcionamento dos hospitais, está comprometido. A Casa Civil e a Secretaria de Planejamento estudam possibilidades de suplementação. O Executivo tenta convencer os deputados distritais a destinarem R$ 12 milhões em emendas. Entretanto, a receita é insuficiente para cobrir o rombo. Mesmo que os 24 parlamentares contribuam, o montante total será de R$ 288 milhões — 48% do necessário. Além do cenário incerto deste ano, as contas degringoladas podem comprometer os recursos de 2017.

Nos últimos três anos, o desalinho é o mesmo: falta dinheiro para financiar a saúde no segundo semestre. As contas saíram do azul quando o governo teve de alavancar subsídio à saúde, o que acentuou a carestia no setor. Para se ter ideia do arrocho, o GDF, com recursos próprios, banca 53% do aporte para o setor (confira Financiamento). Em três anos, essa receita aumentou 8,1%.

A Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê R$ 4,42 bilhões para o pagamento dos 34 mil servidores da saúde e R$ 1,64 bilhão para custeio dos serviços. Há, ainda, R$ 128 milhões para investimentos. Mesmo assim, o valor é insuficiente. “Apenas para executar o mesmo valor de custeio de 2015, sem correção monetária, precisaremos de cerca de R$ 600 milhões a mais do que está disponível no orçamento deste ano”, calcula o secretário de Saúde, Humberto Fonseca.

Principal esperança do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), as emendas parlamentares ainda são uma incerteza. Nos bastidores do Palácio do Buriti, os interlocutores financeiros estudam quais órgãos sofrerão cortes para subsidiar a saúde, mas a escassez é uma constante. “Estamos buscando apoio para fazer frente às despesas dos próximos meses”, pontua Humberto, sem descartar a benevolência dos deputados. “Outras fontes de suplementação orçamentária são estudadas”, completa.

Nos últimos 15 dias, o deficit orçamentário virou pauta em encontros de Rollemberg. Primeiro numa reunião fechada com integrantes do Conselho de Saúde, na Residência Oficial de Águas Claras. “O assunto não repercutiu bem. Discutimos também sobre a implantação de organizações sociais (OSs) na gestão da saúde, e o assunto é indigesto”, disse uma fonte que participou da conversa. Na última semana, o socialista falou com deputados de oposição, entre eles a presidente da Câmara Legislativa, Celina Leão (PPS).

 

Negociação

Os parlamentares cobram explicações do chefe do Buriti para o pedido das emendas. O governo deve apresentar dados numa reunião nesta semana. Há dois meses, a Câmara destinou R$ 35 milhões para a saúde — recurso usado na oncologia. Nos bastidores, deputados aliados trabalharam para convencer os demais. Roosevelt Vilela (PSB), correligionário de Rollemberg, minimiza as resistências e aposta no otimismo. “O valor é considerável, e pode ajudar numa situação tão crítica. É preciso abaixar as armas e pensar no objetivo nobre”, pondera. Júlio César (PRB), líder do governo na Casa, assume a articulação assim que voltar de Chicago, nos Estados Unidos.

Helvécio Ferreira, presidente do Conselho de Saúde, critica o corte no orçamento da pasta. Segundo cálculos da entidade fiscalizadora, nos últimos três anos, a retração do valor aprovado pela Câmara chega a R$ 3,3 bilhões. “O governador segue tenso com a situação, apesar de estar determinado a melhorar o setor. Entretanto, a situação só vai mudar quando houver uma reorganização da rede”, explica. O Conselho vai auxiliar na negociação na Câmara, apesar dos entraves. “Falta diálogo institucional, amparado em dados que expliquem onde o dinheiro está aplicado e como está. Tentamos o realinhamento da LOA em julho e não conseguimos”, ressalta.

 

Financiamento

Veja como é custeada a saúde na capital federal

 

Fundo Constitucional 36%

Executivo local         53%

Ministério da Saúde 11%

 

Fonte: Secretaria de Saúde

 

Memória

Acordo pioneiro

No ano passado, pela primeira vez, o Executivo e o Legislativo acertaram uma colaboração desse tipo. Cada parlamentar destinou cerca de R$ 14 milhões. O montante de R$ 352 milhões foi alcançado por meio de acordo com todos os deputados distritais para destinar dois terços das verbas de suas emendas ao orçamento da pasta. O dinheiro beneficiou 14 áreas e ficou concentrado em manutenção de serviços administrativos gerais (R$ 46,4 milhões), aquisição de equipamentos (R$ 27 milhões), gestão de unidades de pronto atendimento (R$ 13,9 milhões), administração de pessoal (R$ 13,1 milhões), concessão de bolsas de estudo (R$ 12,49 milhões) e compra de medicamentos (R$ 12,4 milhões).  “Quase garante até o fim do ano a necessidade de custeio da saúde”, disse, à época, o chefe do Buriti, Rodrigo Rollemberg (PSB).

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Dívidas ficam para 2017

 

O orçamento da Secretaria de Saúde é composto por três fontes: o Fundo Constitucional, o Ministério da Saúde e os recursos próprios do Executivo local. O desequilíbrio aconteceu, segundo o Executivo local, em razão do aumento da demanda. O governo de Rodrigo Rollemberg, pressionado pelas contas, tem apenas uma opção: remanejar recursos entre órgãos e deixar dívidas para 2017, ou seja, comprar agora e pagar com o orçamento do ano que vem. O colapso financeiro é atribuído à baixa arrecadação de impostos e à crise econômica.

O diretor do Fundo de Saúde, Arthur Luís Pinho de Lima, avalia que as contas da pasta se tornaram uma “bola de neve negativa”. “Estamos tentando reverter a situação. A nossa demanda é maior que a capacidade de prestar o serviço à população”, admite. O que mais pressiona as contas, segundo Arthur, são os gastos com a folha de pagamento, despesa que cresceu 46,8% em cinco anos. Saiu de R$ 3,2 bilhões em 2011, para R$ 4,7 bilhões no ano passado. Para se ter ideia do impacto, a compra de medicamentos e insumos para cirurgias chegou a R$ 1,8 bilhão, em 2015.

As emendas parlamentares, caso sejam destinadas para a saúde, diminuem a diferença entre o que é necessário gastar e o que se tem em caixa. Entretanto, não são suficientes. O governo prevê débitos para o ano que vem. “Uma das formas é, no fim do ano, termos restos a pagar em 2017, o que desequilibra ainda mais o orçamento da pasta. A questão é apenas contábil”, revela.

Apesar do cenário pessimista, o diretor garante que não haverá calotes. “O nosso lema é: precisamos caber dentro do nosso orçamento. Para isso, temos realizado revisões de contratos e licitações de grandes volumes (medicamentos, alimentação e serviços de manutenção) para que consigamos reduzir nossas despesas”, completa ele, ao cogitar um alívio caso seja possível remanejar recursos dentro do próprio governo. “Discutimos isso, mas o cobertor é curto para todo mundo.” (OA)