O isolamento do ex-todo-poderoso da Câmara

EVANDRO ÉBOLI E LETICIA FERNANDES

13/09/2016

Durante toda a sessão que cassou seu mandato, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) repetiu um comportamento que marcou sua gestão na presidência da Casa: virou de costas para todos que o criticavam. Passou o tempo inteiro em pé no plenário lotado, a maior parte do tempo sozinho. Falou algumas vezes no celular, foi cumprimentado por poucos colegas e teve quase exclusivamente como interlocutor seu maior defensor, Carlos Marun (PMDB-MS).

Durante os debates, Cunha chegou a orientar Marun na apresentação de manobras regimentais, numa tentativa de protelar a votação. Entre os poucos deputados que conversaram e falaram com Cunha estavam Jozi Araújo (PTN-AP), Roberto de Lucena (PV-SP) e Nelson Meurer (PP-PR) — também envolvido na Lava-Jato.

No final, o já ex-deputado conversou numa roda com Bruna Furlan (PSDBSP) e Mara Gabrilli (PSDB-SP), que foi uma de suas principais críticas.

— Ele está ciente de que a situação é difícil. Mas está aí suportando isso tudo — disse Lucena.

Quando chegou ao plenário, Cunha ficou perto da bancada do PT. Chamado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para se defender, ouviu vaias e gritos de “Fora, Cunha”.

No discurso, quando citava o “esquema de corrupção do PT”, era xingado pelos adversários.

— Ladrão! — gritou um dos parlamentares.

Instantes antes da divulgação do resultado da votação, a apreensão era grande no plenário, mas já havia um clima de “já ganhou” entre adversários de Cunha, que riam e se abraçavam. Nesse momento, aliados do peemedebista, antes ausentes do plenário, chegaram para votar. Longe dos holofotes, o líder do governo Temer, André Moura (PSC-SE), ria e dava um abraço apertado em Sílvio Costa (PTdoB-PE), que foi líder do governo Dilma Rousseff.

Para registrar o momento histórico, deputados e seus parentes gravavam vídeos endereçados a internautas e eleitores. Um parlamentar levou o filho e gravou uma inserção ao lado dele.

Além do discurso inflamado de Sílvio Costa contra Cunha, o trabalho de incendiar o plenário ficou mas mãos de Clarissa Garotinho (PR-RJ), ex-aliada do peemedebista, chamado por ela de “bandido” e “mafioso”. Desconcertado, Rodrigo Maia, também ex-aliado de Cunha, pediu que as notas taquigráficas desconsiderassem as palavras duras de Clarissa.

Quando Maia anunciou que encerraria a votação, Cunha olhou para o painel e só lhe restou balançar a cabeça, com um sorriso irônico. Em seguida, fez questão de olhar fixamente para Maia enquanto ele anunciava o resultado. Ex-todo-poderoso da Câmara, Cunha deixou o plenário pela porta lateral, sob gritos de seus adversários. Deu uma entrevista coletiva no Salão Verde, atacando adversários e o governo, e passou pela última vez pelo corredor que leva à presidência da Câmara, onde trabalhou por pouco mais de um ano.

 

GALERIAS FECHADAS

A votação transcorreu com as galerias do plenário fechadas, por determinação de Maia. Assim, antes que a sessão começasse, os primeiros protestos contra Cunha ocorreram no Salão Verde, onde parlamentares do PSOL organizaram a “Expo Fora Cunha”, com cartazes como o “Chega de protelação”. Num painel com o título “Compromisso”, líderes de dez partidos assinaram um termo para assegurar que suas bancadas votariam unidas.

— Chegou a hora do Cunha. É o que desejam 99,9% da população. Que perca seu mandato e, possivelmente, seja preso e condenado — disse o líder do PSOL, Ivan Valente (SP).

Uma nova versão do pixuleco, com a roupa de presidiário e o rosto de Cunha, fez sucesso entre parlamentares. O boneco circulou de mão em mão e foi disputado para fotos. 

 

O globo, n. 30353, 13/09/2016. País, p. 5