Declaração de ministro irrita Temer, que cobra explicações

Jailton de Carvalho, Isabel Braga e Luiza Souto

 27/09/2016

 

 

Moraes nega ter antecipado ação; PF diz que não repassou informações.

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- O presidente Michel Temer convocou o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para uma reunião hoje no Palácio do Planalto, na qual deverá cobrar do ministro explicações sobre suposto vazamento da Operação Omertà, da Polícia Federal, que resultou na prisão do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Num ato político em Ribeirão Preto, cidade de Palocci, no domingo, Moraes disse a militantes do MBL (Movimento Brasil Livre) que haveria uma operação da Polícia Federal esta semana. Disse ainda que, depois da operação, os militantes iriam se lembrar dele. As declarações irritaram Temer.

— Pode ficar sossegado, apoio total à Lava-Jato. Tanto que quinta teve uma (operação), sexta outra e esta semana vai ter mais. Podem ficar tranquilos. Vocês vão ver. Quando vocês virem esta semana, vão se lembrar de mim — disse Moraes aos militantes do MBL, que o abordaram preocupados com supostas medidas do governo para abortar a Lava-Jato.

ALINHAMENTO DE DISCURSO

O ministro fez a declaração durante um ato político ao lado do candidato do PSDB à prefeitura de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira, adversário de Palocci. Temer já tinha conversado com o ministro no domingo, depois que os comentários dele foram divulgados pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. Mas, como o caso teve repercussão ainda maior após a prisão de Palocci, o presidente decidiu chamar o ministro para uma conversa pessoal.

Temer está preocupado porque, com as declarações, segundo auxiliares, Moraes alimentou o discurso da oposição de que o governo tem acesso e usa informações de inquéritos com fins político. Para os auxiliares do presidente, o ministro terá que dar explicações e alinhar o discurso para evitar novos tropeços verbais.

Assessores de Temer se reuniram para avaliar os desdobramentos do caso depois que o próprio Ministério da Justiça divulgou o vídeo no qual Moraes faz as afirmações sobre a Lava-Jato. A conclusão foi que o ministro deu “mais um tiro no pé”, já que, segundo esses assessores, o vídeo desmente a vesão de que as declarações foram dadas em outro contexto, como alegou Moraes.

Ontem, em nota lida antes do início da entrevista convocada por delegados para falar da Omertà, a direção da Polícia Federal negou que tenha repassado a Moraes informações sigilosas sobre a operação. Segundo o texto, a PF adotou, desta vez, o mesmo padrão de conduta das outras operações. Pelo padrão, o ministro só é informado antecipadamente se tiver a necessidade de permanecer em Brasília.

“Como já foi amplamente demonstrado em ocasiões anteriores, o Ministério da Justiça não é avisado com antecedência sobre operações especiais”, diz a nota da PF, que proibiu perguntas sobre o assunto na entrevista de ontem em Curitiba. A Polícia Federal reafirma ainda que é uma instituição de Estado e atua “de acordo com o estado democrático de Direito”.

Em São Paulo, Moraes também negou que tenha sido informado previamente sobre a Omertà. O ministro alegou que fez comentários genéricos sobre o assunto e disse que suas declarações foram tiradas de contexto pela imprensa. Moraes falou também que soube da prisão de Palocci nas primeiras horas da manhã de ontem.

Em Brasília, parlamentares petistas protocolaram requerimento à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pedindo a convocação do ministro para explicar as declarações. O líder da oposição no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), e outros senadores encaminharam à Procuradoria-Geral da República representação pedindo que seja apurada a declaração.

— É um escândalo o que aconteceu. Um absurdo. Quem fez o pedido de prisão, desta vez, foi a Polícia Federal, e parece que o ministro sabia antes. Depois, veio com uma desculpa que subestima a inteligência das pessoas, que não tem nada a ver — disse Lindbergh.

Além de acionar o MP, os senadores petistas também encaminharão ao Conselho de Ética da Presidência da República representação baseada na Lei 8.429, denúncia de violação ao Código de Ética do Servidor Público e à Lei 8.112, por ferir norma sobre o sigilo funcional.

— Queremos apuração dos fatos e a suspensão do exercício de função de ministro, com base no artigo 319 do Código de Processo Penal. Ele não tem como continuar no cargo — disse a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

Em São Paulo, o ministro disse que teve sua conversa truncada, após afirmar que mais operações da Lava-Jato ocorreriam. Moraes afirmou que fica sabendo das ações da PF no dia em que elas acontecem, “entre 6h e 6h30m”:

— Não foi palpite. Foi uma afirmação. Ocorre que o jornalista truncou uma conversa de quase 20 minutos que tive com os movimentos e criou uma conversa que foi muito maior.

 

O globo, n. 30367, 27/09/2016. País, p.4