O Brasil que vai às urnas

 
02/10/2016
Paulo de Tarso Lyra
Patrícia Rodrigues

 

O Brasil que vai hoje às urnas nos 5.568 municípios brasileiros tem 144 milhões de eleitores, 12 milhões de desempregados e enfrenta uma recessão que já dura dois anos. São quase 700 mil analfabetos a menos em um país que viu recentemente uma presidente sofrer um processo de impeachment e enfrenta uma crise política devastadora, decorrente da Operação Lava-Jato, que aniquila diversas figuras nacionais, sobretudo do PT. Para aumentar o nível de complexidade, a disputa deste ano não teve financiamento eleitoral, foi a mais curta da história, concorreu com outros eventos de grande porte. Resultado: a maioria das capitais e dos grandes centros urbanos só saberá quem será o novo prefeito no segundo turno, marcado para 30 de outubro.

“É uma campanha completamente atípica, com um sentimento muito forte de antipolítica e uma fórmula que jamais havia sido testada antes”, afirmou o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap. Prova disso é que há uma pulverização de candidaturas em todas as principais cidades e, na maioria delas — como em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo —, a passagem para o segundo turno está completamente indefinida.

Seja pela quantidade enorme de nomes que disputam o mesmo espaço, seja pelo fato de que boa parte dos eleitores — em alguns casos, esse percentual passa dos 30% — ainda não decidiu em quem votará. “Eu acredito que esse patamar recuará para os níveis históricos de 20%. O brasileiro gosta de votar. Prova disso é que a multa para quem não comparece às urnas é baixíssima e, ainda sim, o comparecimento nas seções eleitorais é grande”, disse a vice-presidente da Ideia Inteligência, Cila Schulmann.

Em um cenário de contração econômica, juros altos, desemprego e inflação de dois dígitos, é inevitável que a recessão tenha força no debate eleitoral e influencie a decisão do eleitor no momento em que ele apertar o botão da urna eletrônica. A maior parte do eleitorado brasileiro, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), está situado na faixa etária entre 30 e 34 anos (11% do eleitorado).

 

Desemprego

Mas os dados do TSE precisam ser cruzados com os do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), os dados mostram que as faixas etárias mais afetadas pelo desemprego estão situadas entre aqueles com mais de 59 anos e os situados entre os 14 e 24 anos. Os mais velhos, segundo o TSE, representam 17,87% do eleitorado, incluindo aqueles para quem o voto é facultativo por terem mais de 70 anos. Já os mais jovens são 17.16% dos eleitores brasileiros, incluindo a população entre 16 e 18 anos, para quem não há obrigatoriedade de comparecer às urnas neste domingo. Apesar de 52% do eleitorado ser do sexo feminino, apenas 31,60% (155,5 mil) das candidaturas são de mulheres.

Para Cila Schulmann, o tempo curto de campanha, especialmente na televisão, fez com que o voto nas grandes cidades se transformasse em um ato de fé. Não no sentido religioso, explica ela, mas no sentimento de “eu acredito que essa pessoa poderá fazer algo de bom”. É diferente da realidade das pequenas cidades, onde existe um conhecimento maior dos candidatos, muitos deles vindos de disputas familiares. “Nas capitais e grandes centros houve pouquíssimos debates de projetos e ideias”, lamentou.

Ainda existe um outro componente que não pode ser menosprezado nas disputas municipais. A realidade local fala muito alto na hora de o eleitor escolher. Mais do que a questão da segurança, ou a crise ética e econômica, o eleitorado quer saber qual candidato que vai resolver os problemas mais próximos da realidade dele, como o buraco da rua ou o poste queimado. Os especialistas brincam que os prefeitos estão mais para síndicos de prédio do que para grande administrador. “É esse perfil que sempre vai sobressair na cabeça do eleitor quando ele for decidir o voto”, reforçou o professor de ciência política do Insper, Carlos Melo.

 

Nove horas de votação

A votação hoje começa às 8h e termina às 17h. Os municípios do Acre têm um fuso horário atrasado em duas horas em relação ao Distrito Federal, o que significa dizer que, lá, quando a votação se encerrar, os relógios do Brasil marcarão 19h. Como o horário de verão só entrará em vigor a partir de 16 de outubro, apenas no segundo turno, essa diferença será de três horas. Esse atraso esteve presente em todas as eleições recentes da história brasileira. Como a urna eletrônica permite uma velocidade na apuração, a expectativa é de que as cidades, na sua grande maioria, tenham concluído a apuração até as 21h.

 

Correio braziliense, n. 19487, 02/10/2016. Política, p. 2