Ataque contra defesa

 

29/10/2016
Fernanda Krakovics
Gustavo Schmitt
Miguel Caballero
Marco Grillo
Ruben Berta

 

No último debate do segundo turno, na TV Globo, candidatos do PSOL e do PRB adotam estratégias diferentes para convencer eleitor na reta final Depois de quatro semanas de campanha no segundo turno, Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL) se enfrentaram ontem em debate final na TV Globo com estratégias distintas para conquistar, amanhã, a prefeitura do Rio. Líder nas pesquisas do começo ao fim da campanha, Crivella tentou evitar o confronto direto com o adversário. Já Freixo partiu para o ataque e confrontou Crivella, que se esquivou dos temas mais polêmicos. Além do Rio, outras 17 capitais terão segundo turno amanhã. O PSDB é o partido que lidera no maior número de capitais: Porto Alegre, Porto Velho, Manaus e Maceió. Já o PMDB está à frente em Cuiabá, Goiânia e Florianópolis. Ato final de uma campanha que será lembrada pela intensa troca de acusações entre os candidatos, o debate da TV Globo, na noite de ontem, serviu de palco para que Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL) adotassem estratégias distintas. Enquanto o candidato do PSOL buscou confrontar o adversário com temas incômodos, o senador, que tem 17 pontos percentuais de vantagem nas intenções de voto, de acordo com a pesquisa Ibope mais recente, escapou das questões e trocou de assunto abordando propostas para áreas diversas.

Frente a frente. Freixo e Crivella se confrontam no último debate das eleições no Rio: o candidato do PSOL fez acusações, respondidas com ironia pelo senador do PRB

Logo na primeira questão, Freixo lembrou uma frase de Crivella em que ele afirmou que as mulheres deveriam obedecer mais aos homens. O candidato do PRB citou o longo casamento na resposta e, se dirigindo às mulheres, citou sua proposta para a construção de creches, por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Em outro momento, Freixo afirmou que o adversário era “herdeiro político da Igreja Universal” e pediu a ele que explicasse o “projeto político” da igreja. Crivella afirmou que o oponente tinha “obsessão” pelo tema e, falando aos eleitores da Zona Oeste, listou problemas como a falta de saneamento, o transporte de má qualidade e a fila para exames nos hospitais. Na réplica, Freixo voltou a tratar de religião:

— Não consegui te perguntar isso porque você faltou a todos os debates, Sua igreja tem projeto de poder. Quase todos os deputados são bispos. Você desconsidera outras religiões, disse que católicos eram demoníacos — afirmou Freixo, em referência a um livro escrito por Crivella.

 

O candidato do PRB falou rapidamente do assunto e mudou o tema.

— Não existe nenhum projeto de poder de igreja nenhuma. Quero voltar ao tema que interessa. Você (telespectador) não quer saber de religião, quer saber de emprego.

No fim do primeiro bloco, Crivella perguntou a Freixo sobre política de defesa para animais, tema que passou ao largo de toda campanha. Após a resposta, o candidato do PRB alfinetou o oponente.

— Olha só, quando o Freixo trata de propostas, ele fica encantador. Falou tudo que tem que ser feito no Rio de Janeiro. Foi tão brilhante, sem ofensas. E cuidando dos animais. Freixo rebateu: — Agora, você vem com essa voz mansa, cordial, mas você não é quem quer aparentar no debate. Sua campanha nesse segundo turno foi suja.

Segundo a pesquisa Ibope mais recente, divulgada na quinta-feira, Crivella tem 46% das intenções de voto, enquanto Freixo aparece com 29%.

No segundo bloco, Freixo lembrou da proximidade do adversário com Rodrigo Bethlem, afastado do cargo de secretário municipal de Assistência Social, no governo de Eduardo Paes, após denúncias de corrupção. Crivella ironizou:

— O Freixo implica com o Bethlem. Quer que ele fique preso dentro de casa, ele não pode sair mais? A praça é pública.

 

Freixo procurou manter o debate quente, voltando a atacar o adversário:

— Crivella, quem promove o ódio é você. Você foi preso quando invadiu uma casa. Você é violento há muito tempo. Entrou com uma tropa armada para tirar aquela família — disse, referindo-se à prisão de Crivella em 1990, quando tentou despejar ocupante de um imóvel da Igreja Universal.

Ao rebater uma acusação de que já teria sido titular de contas em paraísos fiscais — a investigação foi arquivada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) —, Crivella provocou risos na plateia:

— O Freixo quer ser meu biógrafo. A única coisa de que você pode me acusar, eu vou te dar: empobrecimento ilícito. Doei R$ 20 milhões dos meus direitos autorais para os pobres do sertão.

Após o debate, Crivella disse que adotou tom conciliador porque as pessoas estão cansadas.

— As pesquisas são desfavoráveis para ele (Freixo). É natural que ele tente essas estratégias próprias dos inconformados — disse Crivella.

Já Freixo, em desvantagem nas pesquisas, disse apostar no convencimento dos que pretendem anular o voto.

— Há um grande número de votos nulos. Esse percentual vai definir a eleição. Se a gente virar esses votos, e é possível — disse Freixo.

 

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Debate não deve mudar panorama

 
29/10/2016
Alan Gripp

 

Debate dificilmente mudará cenário no Rio. Aciência política é pródiga em teorias, muitas delas sobre como os debates são percebidos. O fato é que cada cabeça (de eleitor) é uma sentença. Onde um vê firmeza, outro enxerga arrogância. Uma postura tranquila é também interpretada como passividade.

Dito isso, como o debate de ontem vai influenciar o voto dos cariocas? Não foram poucos os que dedicaram a noite de sexta-feira para assistir ao embate final. Segundo a TV Globo, o confronto teve média de 26 pontos de audiência, chegando a pouco mais de um milhão de domicílios.

O debate teve a ofensiva esperada de Marcelo Freixo, 17 pontos atrás na última pesquisa Ibope. A surpresa foi o comportamento olímpico de Marcelo Crivella. Enquanto o candidato do PSOL tentava encaixar golpes, seu adversário se esquivava dos temas polêmicos trocando de assunto.

Freixo pareceu ansioso. Crivella, ao contrário, seguro. Enquanto o candidato do PSOL buscava os pontos fracos do inimigo, o senador estava mais preocupado em falar ao eleitor. “Você não quer saber de religião, quer saber de emprego”, disse Crivella.

Essa é, claro, apenas uma leitura. De todo modo, ainda que possa ter gerado percepções diferentes, elas dificilmente representarão uma diferença significativa entre o desempenho dos candidatos. Portanto, num ambiente em que 88% dos eleitores já se decidiram, segundo o Datafolha, o debate dificilmente será capaz de mudar o rumo da eleição.

 

O globo, n. 30399, 29/10/2016. País, p. 3