Valor econômico, v. 17, n. 4131, 14/11/2016. Política, p. A6

Relator irá corrigir 'erro' em parecer sobre pacote anticorrupção

Por: Raphael Di Cunto

 

Relator das "10 Medidas Contra a Corrupção" propostas pelo Ministério Público Federal, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) já decidiu por ajustes ao parecer que ampliou o escopo das propostas. A principal é incluir a forma que se dará o julgamento de magistrados e integrantes do Ministério Público por crime de responsabilidade.

Essa possibilidade não estava nas dez medidas originais, mas foi incluída pelo relator para dar "igualdade de tratamento" a todos. A tese é que um magistrado não pode ser pego vendendo sentenças judiciais e receber como punição a aposentadoria remunerada. "Não dá para duas categorias tão importantes ficarem sem responsabilização", disse.

Entidades que representam a magistratura e o Ministério Público protestaram, acusando o parecer de cercear o combate à corrupção, mas o relator manterá a penalização. A mudança ocorrerá apenas para corrigir um "erro", que foi não especificar no primeiro relatório como será o julgamento das denúncias.

O projeto, caso aprovado, vai alterar a Lei dos Crimes de Responsabilidade, de 1950, a mesma utilizada para embasar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Por essa lei, que também serve para apurar irregularidades na conduta de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do procurador-geral da República, além de chefes de tribunais do Judiciário, a denúncia é feita por qualquer cidadão ao Legislativo e cabe ao Senado avalia-la.

No parecer, Onyx alterou a lei para permitir que, em vez dos ministros do STF e do procurador-geral, qualquer juiz ou integrante do MP possa estar sujeito ao julgamento por crime de responsabilidade. Mas não mexeu nos artigos que definem como será o julgamento - dando margem para que, por analogia, a denúncia seja avaliada pelo Senado. O que, além de atribuir ao Legislativo o encargo de julgar milhares de pessoas - só os juízes são 16 mil no país -, abriria espaço para pressões políticas.

"Foi um erro causado pelo grande volume de informações, vamos consertar na complementação de voto", afirmou o relator. O parecer contém 50 páginas de relatório sobre as medidas, que se tornaram 18, além de 120 páginas de mudanças legislativas. "Fizemos três meses de audiências públicas, mas grande parte das sugestões só chegou nos últimos dias e não queríamos atrasar o cronograma para não dar margem a alguém dizer que, como passou do prazo, não era mais prioridade", afirmou. A Câmara quer votar o projeto até o dia 9 de dezembro, Dia Internacional de Combate à Corrupção.

Na quarta-feira, será apresentada complementação de voto para que o julgamento do crime de responsabilidade ocorra no órgão colegiado da jurisdição onde está o magistrado ou integrante do MP. Um juiz de primeira instância, por exemplo, teria a denúncia julgada pelo pleno do tribunal de Justiça de seu Estado. Os condenados perderão o cargo, com possibilidade de inabilitação por até cinco anos para qualquer função pública.

Outras mudanças no relatório serão adequações no direcionamento de verbas publicitárias para um fundo de combate à corrupção. A comissão também terá que mediar uma disputa de poder entre a Polícia Federal e o Ministério Público nos acordos de cooperação internacional - o projeto, sugerido pela PGR, coloca o MP como líder da equipe de investigação, o que causou críticas dos policiais federais sobre a subordinação a outro órgão.

Lorenzoni se reunirá hoje com o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, para tratar do assunto. O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba e um dos autores das 10 Medidas, também encontrará o relator. A previsão é votar o projeto esta semana na comissão especial e depois encaminha-lo para análise do plenário da Câmara.

Por enquanto, a avaliação do parecer é positiva entre os integrantes da comissão, embora todos ressaltem que, pelo volume de informações, ainda não foi possível avaliar todos os assuntos. Presidente da comissão, o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA) afirmou que as únicas reclamações partiram de juízes e MP, mas que há consenso no colegiado sobre permitir a responsabilização de integrantes dessas duas instituições e que não está prevista mudar a forma de denúncia. "Se não cometeu desvios, responde à denúncia e é inocentado. Todos estamos sujeitos a isso."

Vice-líder do PMDB, o deputado Carlos Marun (MS), que era um dos principais críticos das 10 Medidas, elogiou a iniciativa de excluir as alterações para reduzir o uso de habeas corpus, estabelecer novas possibilidades de prisão preventiva validar provas ilícitas obtidas de "boa-fé". "Vejo avanços, como criminalizar o enriquecimento ilícito e o caixa dois [eleitoral], sem os retrocessos da proposta original", disse.

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Magistratura reage contra proposta

Por: André Guilherme Vieira

 

Presidentes de entidades de classe do Judiciário e do Ministério Público classificaram parte dos ajustes feitos às 10 Medidas Contra a Corrupção como uma "vingança" orquestrada pelo Legislativo contra juízes, promotores e procuradores da República empenhados no combate à corrupção.

Isso tem o mesmo DNA do projeto da Lei da Mordaça proposta [em 2007] pelo deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), comparou José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Também conhecida como "Lei Maluf", a ideia, que não vingou, era punir autores de ações civis públicas, populares e de improbidade promovidas contra políticos quando o ajuizamento fosse considerado temerário, de má-fé, para promoção pessoal ou por perseguição política.

De acordo com Robalinho, o projeto de lei de abuso de autoridade defendido pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, seria menos danoso que a iniciativa colocada no pacote em análise na Câmara dos Deputados, porque a proposta dos senadores sujeita ao Ministério Público a decisão de se abrir ou não um procedimento judicial contra um magistrado.

Na avaliação de Robalinho, ao estabelecer que juízes e promotores fiquem sujeitos à Lei dos Crimes de Responsabilidade, o relator do projeto das 10 Medidas, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), os deixa "à mercê de atos de qualquer cidadão que se sentir prejudicado ou que buscar revanche à uma medida ou decisão".

Robalinho diz que não é contrário à discussão desse tema, desde que se considere a necessidade de reformar os dispositivos da legislação, que é de 1950.

"Ao contrário do que ele fez com outros aspectos das 10 Medidas, que foram discutidas por 100 dias, neste caso o deputado Onyx Lorenzoni está fazendo uma inclusão de afogadilho, sem discussão alguma e aos 50 minutos do segundo tempo", afirma.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, também não poupou críticas às mudanças no projeto das 10 Medidas.

"Está havendo uma clara campanha contra os juízes visando ao enfraquecimento do Judiciário", disparou.

"Esse tipo de proposta é absurda, desmedida. É o mesmo que punir o parlamentar pelo voto dele. Então, os 10 deputados que votaram contrariamente à cassação do Eduardo Cunha (PMDB-RJ) cometeram quebra de decoro parlamentar e terão de ser submetidos a julgamento pelo Conselho de Ética da Câmara?", ironiza Veloso.

Na opinião do presidente da Ajufe, está tomando corpo um movimento que visa a estancar a apuração da corrupção na administração pública.

"Eu só posso entender como uma retaliação. Por esse dispositivo, qualquer pessoa que perder uma causa pode representar criminalmente contra o juiz desse processo. E, veja, uma decisão de primeiro grau é provisória, está sujeita a recursos que podem chegar ao Supremo Tribunal Federal".

Para Veloso, a intenção é atingir diretamente os juízes de primeira instância, que na avaliação dele atuam diretamente no enfrentamento à corrupção.

"Somos nós, os juízes de primeiro grau, que estamos no principal front desse combate".