Recobrando o fôlego

 
29/10/2016
Rennan Setti
 

A enxurrada de rebaixamentos de empresas brasileiras promovidos por agências de risco foi, ao mesmo tempo, castigo e sintoma de uma crise que desidratou gerações de caixa e inflou dívidas corporativas. Mas, com a ligeira melhora registrada recentemente em alguns indicadores econômicos — como os de confiança —, a tendência de queda dos juros e o retorno das companhias ao mercado de crédito internacional, aquelas mesmas agências já enxergam sinais de estabilização da saúde financeira das companhias nacionais. Ou seja, a situação delas parece estar parando de piorar, e a expectativa agora é de melhora.

Isso resulta em rebaixamentos menos frequentes: a agência Standard&Poor´s (S&P), que cortara 62 notas de crédito no primeiro trimestre, rebaixou apenas seis empresas entre julho e setembro. As elevações de classificação, por sua vez, que haviam se tornando raras, começam a ocorrer aos poucos. Nos últimos 60 dias, houve pelo menos 17 upgrades pelas três principais agências — ainda que alguns tenham resultado de processos de renegociação de dívidas. Entre as empresas que viram suas notas melhorarem estão a Petrobras, a Energisa, a Usiminas e a Marfrig.

O analista Diego Ocampo, da S&P, citou a retomada da confiança, a melhora da produção industrial e as emissões de dívida no mercado internacional como as condições que propiciaram uma estabilização na situação das companhias nacionais.

O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), da FGV, atingiu 82,4 pontos em outubro, sua sexta alta seguida , chegando ao maior nível desde dezembro de 2014 (86,6 pontos). A indústria, por sua vez, registrou cinco altas mensais consecutivas entre março e julho — embora um tombo de 3,8% em agosto tenha apagado essa melhora.

No mercado de capitais, as empresas brasileiras já emitiram US$ 19 bilhões em dívida no exterior este ano, até agosto, contra US$ 7,6 bilhões em todo o ano passado. O número, porém, ainda está longe dos US$ 44,4 bilhões de 2014, quando a crise começava a se instalar.

— A alavancagem (relação entre a dívida e a geração de caixa) e a liquidez (disponibilidade de caixa) da média das empresas estão ficando estáveis ou demonstrando pequena melhora. O impacto da turbulência política e de questões como a Lava-Jato, por sua vez, já parecem ter exercido todo o seu peso sobre as companhias — disse Ocampo. — Claramente, a pressão negativa é menor agora do que há dois anos. Em 2017, por exemplo, esperamos avanço de 1,5% do PIB.

Na semana passada, a agência Moody’s foi a primeira a elevar a nota da Petrobras em anos, de B3 para B2 (ainda em grau considerado especulativo). As razões citadas foram a melhoria na liquidez da companhia, que vendeu US$ 9,2 bilhões em ativos este ano, e a provável mudança das regras de exploração do pré-sal. Um fator que também pesou foi a valorização do petróleo, que avançou 33% em 2016.

A recuperação das commodities, aliás, está ajudando as companhias brasileiras como um todo, segundo Marcos Schmidt, analista sênior da Moody’s. Ela também vai ajudar na redução dos defaults (calotes) das companhias analisadas pela agência na América Latina. A taxa de default, segundo Schmidt, atingiu seu pico na região em agosto, de 5,5% das empresas com grau especulativo. A Moody’s prevê melhora daqui para frente, caindo a 4,3% em setembro de 2017 — mesmo assim, acima da média global de 3,3%. Pela metodologia da agência, configuram calote desde o não pagamento de juros até, em alguns casos, a renegociação da dívida.

— Devagar, a situação está melhorando, com encarecimento das commodities e a estabilização política. Mas o ritmo está muito lento. O nível de desemprego ainda está alto demais, e os juros precisam ser reduzidos. A queda de 0,25 ponto percentual foi um começo, mas foi pequeno — disse Schmidt.

Por conta desses e de outros motivos, Ricardo Carvalho, chefe de Ratings Corporativos da agência de risco Fitch, não espera muitas elevações de notas corporativas até 2017.

— Hoje, 27% da nossa carteira de ratings nacionais têm perspectiva negativa. Apenas 5% são positivos. O que pode-se vislumbrar em 2017 é que, em vez de upgrades, as empresas com perspectiva negativa passem a ser positivas — disse Carvalho.

Reestruturações de dívida e renegociações bemsucedidas promovidas pelas empresas também foram essenciais para várias elevações de ratings promovidas pela Fitch recentemente, como da siderúrgica Usiminas, da firma de call centers Contax e da administradora de shoppings General Shopping, acrescenta Carvalho.

 

ACESSO A CRÉDITO AINDA É MUITO CONCENTRADO

Considerando apenas upgrades de empresas que não estavam em default, a Fitch elevou dez notas este ano em escala nacional, contra 11 em todo o ano de 2015. Já os rebaixamentos somaram 42 em 2016, ante 45 no ano passado. O último ano em que houve mais elevações do que rebaixamentos na Fitch foi 2013, com 33 contra 13.

Um dos motivos que impedem uma recuperação mais rápida das companhias é, segundo o diretor da Fitch, o crédito escasso. Em 12 meses, o saldo das operações de crédito bancário caiu 1,7%, para R$ 3,109 trilhões. Embora as emissões de dívida lá fora estejam voltando, praticamente todo o volume está sendo captado por empresas gigantes, como Petrobras, Vale, BRF e Marfrig — mesmo assim, a taxas de juros muito maiores do que no passado.

— O crédito precisa evoluir para que toda a melhora da confiança tenha efeito positivo nos balanços das empresas. Isso depende da aprovação de medidas fiscais importantes — explicou Carvalho. — O financiamento no Brasil é de prazo muito curto, e 2017 haverá um fluxo muito grande de vencimentos de dívidas. Então será preciso haver crédito para rolagens, senão teremos um nível de default muito grande. Quanto a este ano, os balanços continuarão muito cinzentos até o fim.

Marcelo Gomes, presidente da Alvarez & Marsal, especializada em reestruturação de empresas, afirma que parte importante desses vencimentos se referem a dívidas já renegociadas no começo da crise, em 2014. Por causa disso, segundo ele, os bancos já estão cientes dos problemas enfrentados pelas companhias e poderão ser mais ágeis em caso de problemas de pagamento. Por isso, ele não prevê uma grande quantidade de novas recuperações judiciais. Além disso, Gomes afirmou que a condução das renegociações, com alongamento de dívidas, carências e venda de ativos, deu fôlego para que algumas companhias voltassem a conseguir crédito. Apesar disso tudo, sua visão para os próximos dois anos não é otimista:

— A curva de melhoria será lenta, pois ainda temos um problema institucional no Brasil. A questão da Lava-Jato ainda é muito importante e vai provocar desequilíbrios. Isso impede que o Brasil usufrua de um “efeito mola", de um retorno rápido de crescimento.

 

O globo, n. 30399, 29/10/2016. Economia, p. 23