Procuradoria: teto de gastos é inconstitucional

Carolina Brígido e Júnia Gama

08/10/2016

 

 

Planalto afirma que proposta cria limite em ‘igual proporção’ e não fere a independência dos Poderes

 

A Procuradoria Geral da República pediu arquivamento da proposta que limita as despesas públicas. Mal foi aprovada pela comissão especial encarregada de analisar o tema, na última quinta-feira, a proposta de emenda constitucional (PEC) que limita os gastos federais passou a ser bombardeada por todos os lados. Ontem, o dia começou com a falta de quórum para a sessão de debates na Câmara que contaria como prazo para que a PEC pudesse ser apreciada já na segunda-feira. Em seguida, a proposta foi criticada pela presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, que disse estar preocupada com o orçamento do Judiciário. Depois, a Procuradoria-Geral da República (PGR), que chamou a PEC de “inconstitucional” e pediu ao Congresso seu arquivamento, sob o argumento de que ela fere a independência do Judiciário e do Legislativo. Para piorar o quadro, a oposição entrou com um mandado de segurança contra a limitação dos gastos públicos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Orçamento. A presidente do STJ disse que pediu a Meirelles a liberação de parte do que foi contingenciado do Tribunal

“A PEC 241 institui o Novo Regime Fiscal pelos próximos 20 anos, prazo longo o suficiente para limitar, prejudicar, enfraquecer o desempenho do Poder Judiciário e demais instituições do Sistema de Justiça e, nesse alcance, diminuir a atuação estatal no combate às demandas de que necessita a sociedade, entre as quais o combate à corrupção, o combate ao crime, a atuação na tutela coletiva, a defesa do interesse público”, afirmou a nota da PGR.

Segundo o texto, as alterações pretendidas são “flagrantemente inconstitucionais”, por ofenderem a independência e autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário, a autonomia do Ministério Público e demais instituições do Sistema de Justiça “e, por consequência, o princípio constitucional da separação dos Poderes, o que justifica o seu arquivamento ou a alteração do texto”.

 

PARA FMI, TETO DARÁ IMPULSO À CONFIANÇA

Em resposta à PGR, o Palácio do Planalto divulgou nota argumentando que a PEC cria o mesmo critério de limite de gastos para todos os Poderes e para o Ministério Público, “em igual proporção e dimensão de valor, não havendo qualquer tratamento discriminatório que possa configurar violação ao princípio da separação dos Poderes.” A nota lembra que a Constituição já impõe limites “à autonomia administrativa e financeira dos Poderes e do Ministério Público”, pois estabelece que seus orçamentos seguirão os limites da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

A PEC ainda recebeu amplo apoio de diversas entidades empresariais, que publicaram um anúncio ontem nos jornais sob o título “Em defesa de limite para os gastos públicos”. Para o setor empresarial brasileiro, o Brasil está entrando em uma fase decisiva. “Depois da superação da crise política que paralisou o país por mais de um ano, é hora de concentrar todas as atenções nas reformas essenciais à retomada do crescimento econômico e à melhora nas condições de vida dos brasileiros.”

A PEC também representa um fator de peso para a avaliação do Brasil pelos organismos multilaterais. O Fundo Monetário Internacional (FMI) informou ontem, em Washington, que suas previsões para a economia do país levam em conta que a PEC do teto dos gastos será aprovada e que haverá algum tipo de reforma da Previdência. O Fundo prevê que o Brasil terá uma recessão de 3,3% neste ano e crescerá 0,5% no ano que vem.

— Se essas reformas passarem, acreditamos que o recente incremento na confiança ganhará um novo impulso, que, por sua vez, catalisará mais investimento estrangeiro e crescimento — afirmou Krishna Srinivasan, diretor-assistente do Hemisfério Ocidental do FMI.

A presidente do STJ afirmou que a PEC “vai engessar muito o Judiciário”. Laurita Vaz relatou ter conversado esta semana com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a quem pediu a liberação de R$ 25 milhões dos R$ 81 milhões contingenciados do orçamento do STJ. O dinheiro bloqueado seria usado com manutenção e despesas. Se Meirelles ceder ao apelo de Laurita, R$ 8 milhões desse total serão gastos com a renovação de contratos de licenciamento com a Microsoft.

No caso da sessão da Câmara que não aconteceu, para que a medida possa ser votada em plenário, é preciso cumprir o prazo de duas sessões após a aprovação do relatório da PEC na comissão especial, de acordo com o regimento interno da Câmara. Como o relatório passou na quinta-feira pela comissão, a Casa deveria realizar sessões ontem e na manhã de segunda-feira para permitir o início da votação em plenário ainda no primeiro dia da semana que vem.

 

VOTAÇÃO PREVISTA PARA SEGUNDA-FEIRA

Líderes aliados ao governo já avisaram que apresentarão requerimento de quebra de interstício. Se este for aprovado, torna-se viável começar a votação ainda na segunda-feira. Em nota, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, reafirmou que a votação da PEC ocorrerá no dia 10 e se comprometeu a colocar em votação o requerimento para a quebra do prazo de duas sessões.

— O governo está com uma base sólida e ampla, e isso pode tê-lo deixado numa zona de conforto que é muito ruim, porque acaba deixando as coisas meio soltas. Somado a isso, temos os parlamentares exaustos das eleições municipais. Mesmo que dê para começar a votação na segunda-feira, muito tempo será perdido para se aprovar o requerimento de quebra de interstício antes — afirmou o líder de um partido da base aliada.

Já a liminar para suspender a PEC é de autoria dos líderes do PT, Afonso Florence (BA); do PCdoB, Daniel Almeida (BA); e da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Eles pedem que a PEC só seja apreciada no plenário da Câmara após julgamento do mandado pelo Supremo. O argumento utilizado é que a proposta interfere na autonomia administrativa e financeira dos poderes Judiciário e Legislativo, além de violar o direito dos próximos cinco presidentes de dispor sobre gastos públicos, já que o teto valeria por 20 anos.

— O governo Temer resolveu engessar, colocar na Constituição Federal os limites de recursos para as políticas públicas — afirmou Jandira.

Colaborou Henrique Gomes Batista, correspondente

 

 

O globo, n. 30378, 08/10/2016. Mercado, p. 21.