Valor econômico, v. 17, n. 4127, 08/11/2016. Brasil, p. A2

Temer adota cautela sobre retomada do crescimento

Setor privado sinaliza melhora da confiança na economia

Por: Alex Ribeiro, Murillo Camarotto e Daniel Rittner

 

O presidente Michel Temer disse ontem acreditar que o país poderá retomar a criação de empregos apenas no segundo semestre do ano que vem. O tom cauteloso foi adotado depois da divulgação de uma safra de dados desanimadores, que estão levando o governo a reavaliar as suas projeções sobre o retorno do crescimento da economia.

"Querem que o governo assuma e, dois meses depois, o céu esteja azul. Não é assim, leva tempo", disse Temer, que participou do seminário "Infraestrutura e Desenvolvimento no Brasil", realizado ontem pelo Valor e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). "Retomada do emprego demora, mas a nossa esperança é que no segundo semestre de 2017 já tenhamos emprego sendo retomado", afirmou o presidente.

Na mesma linha, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, destacou que o padrão da recessão atual é diferente dos anteriores, porque as medidas corretivas de ajuste nas contas públicas foram tomadas há poucos meses, em maio, quando Temer assumiu interinamente o Planalto.

"A boa notícia é que devemos crescer em 2017. Não será um crescimento exuberante, mas será sólido", disse Meirelles, que também participou do seminário. "Há vários indicadores antecedentes [da volta do crescimento]. É um processo que demora, mas vem", completou o ministro.

As declarações mais cautelosas sobre as perspectivas de retomada da economia ocorrem depois de uma série de dados econômicos divulgados nas últimas semanas - incluindo a queda nas vendas do comércio e no Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) - sugerirem que a atividade viveu um novo período de contração no terceiro trimestre, colocando dúvidas sobre a possibilidade de a recuperação começar ainda em 2016.

Ainda assim, Meirelles renovou a aposta na adoção de medidas fiscais de médio e longo prazos, como o teto para o crescimento dos gasto públicos e a reforma da Previdência, para recuperar de forma mais consistente os níveis de confiança na economia e a trajetória de retomada da atividade. "A causa central da crise que vivemos hoje é o crescimento das despesas primárias do governo central", disse ele.

Um dos principais conselheiros de Temer, o secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, também deixou claro durante o seminário que o governo colocou todos os seus ovos na cesta do ajuste fiscal proposto.

"A questão fiscal é central. É monótono, é repetitivo, mas só assim se resolve o problema", afirmou Moreira, que tem o desafio de repassar à iniciativa privada dezenas de empreendimentos de aeroportos, rodovias, ferrovias, portos, empresas de saneamento, blocos de petróleo, usinas e linhas de transmissão de energia elétrica, entre outros.

Segundo o secretário, somente o equilíbrio das contas públicas será capaz de proporcionar um ambiente com taxas de juros mais "civilizadas", no qual poderá prosperar o financiamento privado das obras de infraestrutura. "Estamos apostando tudo nisso [ajuste fiscal]. Economia é 80% confiança e é isso que estamos construindo", disse Moreira.

Num painel do seminário que discutiu financiamento à infraestrutura, o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, disse que a retomada da confiança é fundamental para a retomada do setor. "Na economia, temos pela primeira vez um horizonte de longo prazo. A ideia de um teto para o gasto público por 20 anos chega a ser brilhante porque oferece um horizonte de estabilidade que nunca tivemos."

Setúbal demonstrou otimismo com a condução da economia na gestão Temer. A seu ver, o governo acerta ao atacar não mais as consequências, mas as causas de problemas como a falta de investimentos. Ele se referia aos bilhões de reais injetados pelo governo no BNDES para a oferta de um crédito subsidiado que não se materializou em novos investimentos no setor produtivo.

Instantes depois, a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos, concordou com Setúbal. Historicamente, segundo ela, o banco nunca trabalhou com tamanho volume de recursos do Tesouro, o que não impediu que atuasse normalmente no financiamento dos projetos de investimento.

Na mesma linha de Temer e Meirelles, a presidente do BNDES afirmou que a prioridade do governo é o ajuste fiscal, motivo pelo qual ela defendeu enfaticamente a operação pela qual o banco quer devolver R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional. Os recursos serão utilizados para reduzir a dívida bruta do governo, que atualmente representa 70,7% do Produto Interno Bruto.

Maria Silvia garantiu que a devolução dos R$ 100 bilhões ao Tesouro não afeta o fluxo de operações do BNDES. Ela afirmou ainda que está discutindo com o governo uma mudança na política de dividendos da instituição.

Enquanto Temer e Meirelles optaram pela cautela, o CEO do Bank of America para a América Latina, Alexandre Bettamio, admitiu estar bastante otimista com a retomada do crescimento. Segundo ele, a volta da confiança na economia brasileira vai resultar na atração de investidores internacionais. "O Brasil voltou a ser atraente. Há hoje US$ 13 trilhões por aí recebendo juros negativos", afirmou o executivo.

Bettamio disse ter notado nos últimos meses uma mudança relevante no humor dos investidores em relação ao Brasil. Segundo ele, nesse período foram realizadas 17 operações de emissão de dívida por empresas brasileiras, que levantaram US$ 18 bilhões.

Também foram mencionadas pelo executivo do BofA cinco ofertas iniciais de ações de empresas brasileiras nos últimos dois meses, com captação de US$ 1,6 bilhão. "Boa parte dos recursos foi para infraestrutura", disse ele, citando abertura de capital da Energisa e da Taesa.

Bettamio mencionou ainda fusões e aquisições no setor de energia: a compra de usinas hidrelétricas e distribuidoras por investidores chineses, a aquisição de ativos da Petrobras pela norueguesa Statoil e pela australiana Karoon, além de investimentos da canadense Brookfield. "Isso demonstra que a infraestrutura está em pauta e atrai o investidor estrangeiro. Tudo começa com a credibilidade", afirmou o executivo do BofA.

O maior entrosamento entre Executivo e Legislativo, segundo ele, ajuda na construção de um cenário de maior confiança. "O governo está trabalhando em sintonia com o Congresso, o que leva a crer que as mudanças serão estruturais. Depois que a taxa de juros cair, ela continuará baixa", completou Bettamio.

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Presidente defende 'parceria' entre poder público e setor privado para recuperação

Por: Andrea Jubé, Bruno Peres e Edna Simão

 

O presidente Michel Temer defendeu ontem, no seminário "Infraestrutura e Desenvolvimento no Brasil", promovido pelo Valor com patrocínio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que o poder público e a iniciativa privada caminhem juntos em direção à retomada do crescimento. Ele disse ter "esperança" de que a economia volte a crescer no segundo semestre do próximo ano, junto com a reabertura de vagas de trabalho.

"Nossa esperança é que no segundo semestre de 2017 nós tenhamos um PIB que não será negativo, tenhamos já o emprego sendo retomado", exortou.

Temer reforçou que a expectativa do governo é concluir rapidamente a votação da PEC do teto dos gastos no Senado e, "sequencialmente, ou ao mesmo tempo", enviar ao Congresso a reforma da Previdência. "Nós temos que pôr o dedo nessa ferida", alertou, citando que o déficit do setor previsto para este ano é de R$ 150 bilhões.

Na primeira crítica pública às ocupações das escolas públicas pelos estudantes contrários à PEC do teto dos gastos e à reforma do ensino médio, Temer defendeu o respeito às instituições, criticou a desinformação e defendeu a opção da medida provisória como caminho para a revisão do currículo escolar.

"O que menos se faz hoje é exatamente respeitar as instituições", criticou. Temer observou que apesar das críticas à escolha da MP, o governo conseguiu pautar o debate sobre mudanças no ensino médio. E lamentou a falta de informação dos estudantes sobre o tema.

"Estão discutindo, estão até usando argumentos físicos. Porque eu vi uma entrevista desses que ocupam: "Você sabe o que é uma PEC?", "PEC é Proposta de Ensino Comercial", criticou o presidente. "Quer dizer, as pessoas não leem um texto. E não estou dizendo dos que ocupam ou não ocupam, estou dizendo no geral. A vida é assim: as pessoas debatem sem discutir, sem sequer ler o texto."

Temer enfatizou que a medida é "quase uma consequência" da PEC do teto dos gastos, e que será logo enviada ao Legislativo. "Aprovado o teto de gastos, é fundamental que se faça uma reforma previdenciária no país", comprometeu-se. Ele ressalvou que não se trata de "perseguir aposentado". O problema, disse o presidente, é que segundo dados do governo, em 2024 o déficit previdenciário será de 100% do PIB se nada for feito.

Citando iniciativas do governo, como a retomada de obras paralisadas, o "cartão-reforma", que será lançado hoje, a aprovação de matérias voltadas para o crescimento da economia no Congresso, o presidente frisou que o governo está empenhado em que o país volte a crescer. "É 'reformar para crescer', essa é a ideia", prosseguiu. "É a reforma da Previdência, é a reforma do teto, não é? Mais adiante é a reforma trabalhista", completou.

Mas Temer pediu crédito ao governo. "É preciso confiança, fundamental para fenômeno ate psicológico para investir, não importa o que aconteça, o país é uma instituição, se todos trabalharmos pelo país, ele vai ganhando força", concluiu.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, disse que o programa de Programa de Parceria de Investimentos (PPI), voltado para obras de infraestrutura, ajudará a restabelecer essa confiança em investir em projetos com o governo.

"Não temos dúvidas de que o caminho para recuperação da infraestrutura passa por maior participação do ponto de vista de iniciativa privada", afirmou, ao discursar na abertura do evento.

Andrade destacou que é preciso aproveitar a infraestrutura no país como nas áreas de rodovias, ferrovias, portos e saneamento básico. O presidente da CNI frisou que apoia projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional que dá maior autonomia financeira às agencias reguladoras, assim como a PEC 241 (no Senado virou PEC 55) que estabelece um limite para o crescimento dos gastos públicos e a modernização da legislação de exploração dos blocos de petróleo e gás.

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Os riscos da aposta na volta do emprego no ano que vem

Por: Alex Ribeiro

 

O presidente Michel Temer fez uma previsão otimista e um tanto arriscada de uma possível retomada do emprego no segundo semestre de 2017, durante seminário do Valor e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Os analistas econômicos revisaram para baixo, de 1,3% para 1,2%, as suas projeções para o crescimento da economia em 2017, depois de um conjunto de indicadores mais fracos.

Os empregos costumam reagir com alguma defasagem à recuperação da economia, e é bem provável que seja necessário um crescimento mais forte do que apenas 1,2% para fazer as empresas voltarem a contratar.

O que a teoria econômica diz é que, depois de uma recessão, os empregos são criados apenas se economia crescer algum tempo acima do Produto Interno Bruto (PIB) potencial para preencher os níveis de ociosidade.

Como a economia está operando com um alto nível de ociosidade, que alguns economistas do próprio governo chegaram a calcular em cerca de 4%, teoricamente é possível que a economia cresça por um bom período sem a criação significativa de empregos.

Há indicações de que, nesse final do ano, o nível de ociosidade aumenta, já que as estimativas entre os mais otimistas apontam apenas a estabilização da atividade econômica.

Existe uma chance de o emprego reagir rápido, como citado por Temer? Sim, e uma das hipóteses é uma recuperação mais forte da economia, em formato de "V", cenário que o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, disse recentemente não ser o mais provável - mas, se vier a ocorrer, para ele seria uma espécie de bônus.

Outra hipótese é que tenha se alterado a relação entre crescimento e empregos. É algo que vem ocorrendo nos Estados Unidos, em que o emprego tem se recuperado de forma mais forte do que a atividade econômica, algo que intriga os economistas.

Também ocorreu algo parecido no Brasil, com um sinal inverso. O menor crescimento da economia entre 2011 e 2014 não levou, num primeiro momento, ao aumento do desemprego.