O globo, n. 30462, 31/12/2016. País, p. 4

Delações premiadas provocam divergências entre PF e MPF

Procurador recorre à Justiça contra acordo fechado só por delegados

 

RENATA MARIZ

renata.mariz@bsb.oglobo.com.br

 

A aparente sintonia entre Polícia Federal e Ministério Público Federal na Operação Lava-Jato não se repete em outras investigações de grande repercussão. Um dos atuais campos de disputa entre os órgãos envolve as delações premiadas. O Ministério Público, que por lei é o titular da ação penal, alega que os acordos de colaboração não podem ocorrer sem a sua anuência. Já a PF argumenta que a da Lei de Organizações Criminosas dá a delegados essa possibilidade e que, caso a prerrogativa seja retirada, isso prejudicará inúmeros inquéritos e ações em curso.

A mais nova investida nessa briga foi do vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada. Em recurso ao qual o GLOBO teve acesso, ele questiona a decisão do ministro Herman Benjamin, relator das investigações no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. Benjamin homologou a colaboração da publicitária Danielle Fonteles, dona da Pepper Interativa, tida como fundamental para o sucesso das investigações sobre o governador.

Danielle fechou o acordo de delação com policiais federais, no âmbito da Operação Acrônimo. Mas Andrada sustenta que delações não podem ocorrer “sem o MP”, ainda que homologadas pela Justiça. O recurso, que corre sob sigilo, pede que Benjamin volte atrás na homologação da delação de Danielle ou submeta o caso à Corte Especial do STJ.

A apelação abre mais uma frente de batalha entre os órgãos. No início do ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido semelhante: que a Corte considere apenas o MP parte legítima para negociar colaborações premiadas.

Mais do que uma queda de braço pelo protagonismo nas operações, a disputa entre as instituições tem reflexo direto em investigações estaduais importantes para o combate ao crime violento. É o caso de delações firmadas com integrantes de quadrilhas de roubo de cargas, assalto a caixas eletrônicos e tráfico de drogas. Parte dessas colaborações é fechada no modelo questionado pela PGR. O delegado de polícia, que tem contato direto com os possíveis delatores após prisões em flagrante ou durante investigações, acaba fechando o acordo, que depois é submetido ao MP estadual e enviado à Justiça, que pode ou não homologá-lo.

 

EM BRASÍLIA, 11 CASOS

No Distrito Federal, a Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos fez 11 acordos de delação recentes. Nem todos foram negociados com a participação direta do MP, embora tenham recebido parecer favorável do órgão. Para o delegado Fernando César Costa, a disputa provoca uma insegurança jurídica que acaba dificultando os acordos.:

— Lidamos com a criminalidade violenta. O colaborador sabe que sua vida corre risco, e não vai falar caso haja incerteza sobre a validade do acordo. Somos estritamente criteriosos para propor uma delação, já que o acusado, em geral, tem um histórico de crimes.

Por meio de delações, a polícia conseguiu desbaratar uma quadrilha que explodia caixas eletrônicos no DF. Em todos os casos, o Ministério Público concordou com as delações. Mas Costa considera absolutamente legal que os delegados negociem delações, mesmo que o MP se manifeste de forma contrária:

— A previsão de a polícia propor acordos está na lei, que em geral visa o interesse público, enquanto essa discussão é uma questão corporativista. Nunca iremos prometer não denunciar a pessoa, porque só o MP denuncia. Mas podemos oferecer outros benefícios que, ao fim, é a Justiça que dará.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, contesta e diz que as leis colocam o MP, e não o delegado de polícia, como titular da ação penal. Segundo ele, o juiz não pode conceder um benefício que não foi pedido pelo MP:

— O juiz só pode definir benefícios, como pena mais baixa ou determinado regime de cumprimento de pena, se o MP pedir. Na minha avaliação, a Justiça não pode nem avaliar um acordo de delação se não há concordância do MP. Não se trata de hierarquia entre instituições, mas da função atribuída a cada uma.

 

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‘Votos de um 2017 menos infeliz’

Deputado visita aliado na cadeia e ouve até pitacos políticos

 

ISABEL BRAGA

isabraga@bsb.oglobo.com.br

 

Amigo fiel até o último minuto, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) fez ontem uma “visita de caráter natalino” ao ex-deputado e presidente da Câmara Eduardo Cunha, que está preso no Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná. Os dois conversaram durante quase meia hora, separados por vidros. Marun encontrou Cunha “triste, mas não desesperado”, e ainda atento ao noticiário político.

Marun contou que deu de presente para Cunha um exemplar do livro “Ditadura Acabada”, do jornalista Elio Gaspari, e expressou ao exdeputado “votos de um 2017 menos infeliz”.

O ex-presidente da Câmara fez comentários sobre a desunião do centrão na disputa pela presidência da Câmara. O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que sucedeu Cunha no mandato tampão, é candidato à reeleição e o centrão já tem Rogério Rosso (PSD) e Jovair Arantes (PTB) na disputa.

— Falei para ele que a candidatura do Rodrigo está forte e que, se nada acontecer, ele pode ganhar. Ele comentou: “E o centrão não se une”. Não chegou a dizer que isso é ruim, fez um comentário resignado. Eu sinto que ele sabe que está fora do processo decisório, consciente de que não pode interferir — disse Marun.

Segundo ele, Cunha mostrou-se inconformado com a prisão preventiva, lamentou ter passado o Natal longe da família, mas parece esperançoso com a possibilidade de mudar a situação e se defender em liberdade das acusações da Lava-jato.

— Ele não se queixou do tratamento que recebe na cadeia. Só reclamou da preventiva. Disse: “Tive que passar o Natal longe da minha família. Qual o risco de eu fugir? Tivessem pedido meu passaporte”.

Marun contou que Cunha estava de barba feita e vestia uma camiseta branca e uma calça escura de moleton. Não parecia mais magro. Cunha comentou que está agora em local com mais estrutura do que a carceragem da Polícia Federal, mas muito mais isolado.

— Pelo que entendi, ele está sozinho numa cela. Só reclamou da convivência, no sentido de estarem no mesmo espaço pessoas já condenados por crimes graves e pessoas, como ele, sequer condenadas. Ele expressou opinião de que deveria haver separação entre prisões provisórias e definitivas — disse o deputado.

Na conversa, Cunha fez um comentário que, para Marun, sinalizou que não fará delação premiada:

— Entendi é que ele não vai (delatar), até porque nesse espaço onde está não é onde ficam os que estão negociando delação. Ele comentou que ali não é lugar das pessoas que estão negociando delação, que é a carceragem da PF.