O globo, n. 30458 , 27/12/2016. Economia, p. 18

Déficit do governo central em novembro é o maior em 20 anos

Rombo nas contas foi de R$ 38,4 bi, mas receita tem 1ª alta do ano

GABRIELA VALENTE

valente@bsb.oglobo.com.br

Colaborou Marcello Corrêa

 

-BRASÍLIA E RIO- As contas públicas voltaram a ficar no vermelho e fecharam novembro com o pior resultado dos últimos 20 anos. No mês, o governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registrou déficit primário de R$ 38,4 bilhões. Isso significa que, novamente, as receitas do governo foram insuficientes para cobrir todas as despesas. No ano, o saldo negativo foi de R$ 94,2 bilhões, o que também é um recorde para a série histórica.

Mesmo assim, o governo já vê uma melhora no quadro fiscal à frente. Isso porque novembro foi o primeiro mês de 2016 em que as receitas apresentaram aumento real. De acordo com a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, esse é um sinal positivo, embora ainda não seja possível dizer que esse cenário vai se manter:

— Vamos ver se é confirmada uma tendência quando vierem os próximos números.

Segundo relatório divulgado ontem pelo Tesouro Nacional, as despesas subiram mais que as receitas em novembro. Enquanto os gastos tiveram aumento real de 9,7% em relação a 2015, a receita total subiu 1,9%. Já no acumulado do ano, os desembolsos do governo subiram 1%, enquanto a arrecadação caiu 2,7%.

A economista Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ, pondera que é cedo para falar em recuperação da arrecadação:

— Houve alta de 12,7% na arrecadação não administrada pela Receita Federal. É receita não recorrente, que não veio para ficar, como concessões e dividendos de estatais. Não dá para dizer que estamos tendo uma recuperação.

Os dados de despesas ainda mostram cenário desafiador. Ana Paula, do Tesouro, ressaltou que a Previdência Social terá um déficit de R$ 151,9 bilhões neste ano. O crescimento do rombo é acelerado. Nos onze primeiros meses deste ano, o saldo negativo é de R$ 144,9 bilhões, um aumento real de 192% em relação o mesmo período de 2015.

— Nós temos uma conta realmente preocupante. De fato, a agenda previdenciária é urgente para a consolidação fiscal do Brasil — ressaltou ela.

 

ESTADOS RECEBERÃO R$ 10 BI

Segundo Ana Paula, o governo usará parte dos recursos arrecadados com o programa de repatriação para compensar uma frustração no resultado fiscal de empresas estatais e estados e municípios em 2016. Isso significa que, na prática, o governo central registrará um rombo menor que o previsto para o ano, a fim de garantir a meta do setor público consolidado, de déficit de R$ 163,9 bilhões.

Embora a meta fiscal do governo central seja de um déficit primário de R$ 170,5 bilhões, a projeção é que ela termine o ano em R$ 167,7 bilhões. Em outubro, Ana Paula havia informado que o rombo do governo central seria de R$ 166,7 bilhões, mas este acabou subindo porque houve uma reavaliação nas receitas e despesas para o ano.

Com a revisão do cenário fiscal, a equipe econômica elevou suas estimativas para o comportamento do Imposto de Importação, da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e ainda das receitas com Cota-Parte das Compensações Financeiras, Concessões e Permissões.

Graças a essa revisão e ao reforço dado ao caixa pelo programa de repatriação, o governo tem nas mãos uma reserva de R$ 20 bilhões. Segundo Ana Paula, parte desses recursos — cerca de R$ 10 bilhões — será repartida com estados e municípios. Já o restante será usado para a quitação de restos a pagar (despesas de anos anteriores).

Em entrevista ao GLOBO no sábado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que o governo gostaria de usar toda a sobra de R$ 20 bilhões para reduzir o estoque de restos a pagar, mas que isso não será possível devido à divisão dos recursos com governadores e prefeitos.

Após uma queda de braço com estados e municípios, a equipe econômica teve de dividir a multa arrecadada com o programa de regularização de ativos mantidos no exterior. Originalmente, seria dividida apenas a parcela arrecadada com o Imposto de Renda (IR), e a multa iria toda para a União. A pressão política e a crise fiscal dos estados, no entanto, levaram a uma mudança. Foi editada uma medida provisória (MP) autorizando essa divisão e o repasse dos recursos ainda em 2016.

Durante a entrevista coletiva, a secretária foi perguntada se equipe econômica teria tido alguma dúvida sobre o que fazer com a folga fiscal de R$ 20 bilhões, se os técnicos teriam cogitado anunciar um resultado fiscal melhor este ano. Ana Paula negou.

— A gente priorizou organizar. O que nós nos organizamos a fazer durante o ano é cumprir a meta — explicou.

Os valores de restos a pagar têm crescido nos últimos anos. Em 2008, eram de R$ 62,5 bilhões. No ano passado, chegaram a R$ 228 bilhões. Em 2016, foram R$ 185,8 bilhões. Desse dinheiro, segundo o Tesouro, R$ 99 bilhões foram pagos e R$ 19,3 bilhões, cancelados.