O Estado de São Paulo, n. 44964, 25/11/2016. Economia, p.B3

 

Câmara vai vetar repatriação a parentes, diz Maia

Isadora Peron e Isabela Bonfim

 

 

Depois da manobra no Senado, deputados de situação e oposição afirmam que inclusão de parentes não deve ser aceita em votação. 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse acreditar que os deputados não vão aprovar a participação de parentes de políticos na nova rodada da repatriação de recursos. A possibilidade foi aprovada no Senado após uma manobra do relator do texto, Romero Jucá (PMDB-RR), que passou despercebida pelos integrantes da oposição. Agora, o projeto será avaliado pelos deputados.

O deputado Bruno Covas (PSDB-SP), autor da emenda que proibiu a aceitação de parentes de políticos no primeiro projeto, disse desconfiar que a nova proposta foi iniciada no Senado já com esse objetivo.

“Como a Câmara deve barrar, o Senado, com a palavra final, poderá reintroduzir o texto”, afirmou.

Pelas regras do Congresso, se uma Casa modificar o projeto que teve origem em outra, o texto terá de ser novamente apreciado e poderá ser modificado antes de ir à sanção presidencial.

Outros líderes da Câmara ouvidos pelo Estado também afirmaram acreditar que a proposta enfrentará resistência na Casa.

“O novo projeto de repatriação é necessário, mas não acredito que a inclusão de parentes de políticos como beneficiários será aceito pela Câmara”, disse o líder do PSD, Rogério Rosso (DF). O líder do DEM, Pauderney Avelino (PB), também tem a mesma avaliação.

“Essa era uma demanda do Senado”, disse.

Para o líder do PT, deputado Afonso Florence (BA), a tentativa de incluir essa questão na lei “cheira mal”, especialmente após a prisão do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tem familiares investigados por possuírem contas no exterior.

“Claro que é inoportuno, depois de Eduardo Cunha, todo mundo suspeita de que estão fazendo um acordo para que ele não faça delação premiada”, afirmou. 

Recurso. A oposição no Senado passou a manhã buscando uma forma de reverter a manobra do líder do governo, mas a avaliação da assessoria técnica da Casa é que não haveria maneira regimental de modificar o que já havia sido votado. “A maioria do Senado Federal foi enganada e saiu daqui com a compreensão de que estava proibida a possibilidade de repatriação por parte de parentes de políticos. Isso foi um golpe”, disse Vanessa Grazziotin (PcdoBAM), que tentou fazer uma questão de ordem à Mesa Diretora, mas não foi atendida. Ela argumentou que o regimento prevê que a vontade da maioria do plenário deve se sobrepor a questões técnicas. Dessa forma, se uma redação foi aprovada por engano, deveria poder ser corrigida.

Vanessa também denunciou que Jucá teria agido de má-fé durante o acordo que fez com a oposição. “Eu vim a este microfone várias vezes e perguntei, inclusive, ao senador Romero Jucá: ‘Quer dizer que esse encaminhamento retira a possibilidade de repatriação também por parentes?’ E ele respondeu ao microfone: ‘Sim’. O Brasil inteiro ouviu, não fomos somente nós”, relatou a senadora. 

Pessoas concretas. O líder da oposição, Lindbergh Farias (PT-RJ), questionou a quem interessava a manobra. “Com certeza é para beneficiar pessoas concretas”, disse. Quando a autorização para que parentes de políticos pudessem participar da repatriação foi incluída no texto pela primeira vez, o dispositivo ficou conhecido como “emenda Cláudia Cruz”, em referência à mulher do deputado cassado Eduardo Cunha.

Apesar dos esforços, o senador José Pimentel (PT-CE) informou em plenário que não seria possível fazer um recurso da votação, mas que a oposição irá buscar a derrubada do dispositivo na votação da Câmara.

A proposta aprovada pelo Senado é uma retomada do primeiro projeto de repatriação, que terminou em 31 de outubro, mas com algumas modificações.

Nessa nova versão do programa, o prazo será reaberto por 120 dias após o decorrer de um mês da publicação da lei. A proposta determina alíquotas de 17,5% de Imposto de Renda mais 17,5% de multa sobre o valor repatriado. Na primeira fase, as alíquotas foram de 15%.

A data de referência também mudou em relação ao primeiro programa. Agora, será possível repatriar recursos comprovados até 30 de julho de 2016. Da mesma forma, vale a cotação do dólar para essa data, que segunda Jucá era de R$ 3,20. Anteriormente, a referência era 31 de dezembro de 2014. 

PARA LEMBRAR

Como foi a 1ª fase

De acordo com dados do Ministério da Fazenda, a primeira fase da repatriação arrecadou R$ 46,8 bilhões, dos quais R$ 4,026 ficaram com os Estados – o correspondente a 21,5% do Imposto de Renda, divididos na mesma proporção do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Outros 24,5% são repassados para os municípios, por meio do Fundo de Participações dos Municípios (FPM), o correspondente a R$ 4,214 bilhões. Foram mais de 25 mil declarações no programa, a maior parte de pessoas físicas, com 25.011 contribuintes.

Bate-boca. Para a senadora Vanessa Grazziotin, Jucá ‘agiu de má-fé no acordo com oposição.