O globo, n. 30425, 24/11/2016. País, p. 7

Cabral pagava joias em dinheiro, dizem depoimentos

Funcionárias de joalherias ouvidas citam gastos de até R$ 100 mil

 

A Polícia Federal e o Ministério Público investigam se as cerca de 300 joias apreendidas na Operação Calicute foram compradas para lavar dinheiro desviado. Em depoimento, duas vendedoras de joias de grandes grifes contaram que o ex-governador Sérgio Cabral e a mulher dele, Adriana Ancelmo, faziam pagamentos em dinheiro vivo.

A diretora comercial da joalheria H.Stern, Maria Luiza Trotta, contou que as joias — de valor de até R$ 100 mil — eram vendidas na casa do casal no Leblon, Zona Sul do Rio. Ela não soube dizer se houve a emissão de notas fiscais. Já a joalheira Vera Lúcia Guerra, da Antonio Bernardo, também contou que vendeu uma joia em dinheiro vivo para o casal. A venda teria ocorrido há dois anos. Segundo o depoimento, foi um colar de ouro no valor de R$ 10 mil.

Na semana passada, quando a operação foi deflagrada, O GLOBO revelou a rotina de luxo do casal Cabral e Adriana Ancelmo, em reportagem que mostrou imagens de joias apreendidas. Também listou gastos que revelavam a vida de ostentação do casal, como os R$ 57 mil na compra de seis vestidos sob medida para Adriana e R$ 632 mil na aquisição de três carros.

 

PEÇAS ESCOLHIDAS PELO PRÓPRIO CABRAL

Segundo os procuradores, as joias são parte importante da investigação da Operação Calicute. Foram apreendidas peças de marcas internacionais de ouro, brilhantes e pérolas.

A diretora da H.Stern disse que as peças eram escolhidas pelo próprio Cabral ou pela mulher dele. Os atendimentos eram feitos pessoalmente por ela, que atendia o casal desde 2013. De acordo com o depoimento da diretora, o agendamento era feito por Carlos Miranda, preso na operação da semana passada, e por um outro assessor do ex-governador.

Os procuradores também querem saber que tipo de relação o ex-governador tinha com as joalherias brasileiras e se os incentivos fiscais que elas receberam do governo fazem parte de alguma vantagem indevida.

As investigações revelaram ainda uma expressiva quantidade de ligações feitas por Carlos Miranda para a diretora da joalheria da H.Stern (foram registradas 52 ligações) e Vera Lúcia Guerra (106 telefonemas).

 

JOIAS PASSARÃO POR PERÍCIA

No depoimento após ser preso, Cabral disse que não se recorda de ter pagado as joias em dinheiro vivo. Ele disse que conhece Maria Luiza Trotta e que acredita ter comprado joias uma ou duas vezes. O ex-governador disse ainda que não se lembra do valor das joias, nem mesmo da peça de R$ 100 mil.

Carlos Miranda também confirmou que conhece Maria Luiza Trotta; afirmou, no entanto, que não se lembra de ter comprado alguma joia na loja. As joias passarão por perícia e serão avaliadas. (Com G1)

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Gravações revelam que grupo do ex-governador sabia que operação estava prestes a ocorrer

‘A qualquer momento tá para estourar’, diz um dos operadores do esquema

 

Gravações telefônicas realizadas pela Polícia Federal e o Ministério Público mostram que o grupo do ex-governador Sérgio Cabral já sabia que estava sendo preparada uma operação para prender o peemedebista e outros envolvidos no esquema de cobrança de propinas em contratos de obras públicas no estado. Em conversa gravada com autorização da Justiça no último dia 14 — três dias antes da Operação Calicute que prendeu Cabral e mais nove pessoas —, Wagner Jordão Garcia, apontado como operador financeiro do esquema, e Luís Rogério Gonçalves Magalhães, ex-secretário de Anthony Garotinho, conversam em códigos para, segundo a Polícia Federal, falar sobre uma iminente prisão de Cabral.

Para os investigadores, quando falam do “homem” e do “rapaz do Rio”, eles estariam se referindo ao juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcelo Bretas. O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, seria o “chefe” e “o cara lá do Sul”. As informações foram antecipadas pelo Blog de Lauro Jardim.

Num dos diálogos, Jordão e Luís Rogério dizem que “a fatura do Leblon já foi feita”, o que, segundo os investigadores, seria a prisão do ex-governador Cabral, o “Leblon” do diálogo.

Wagner: “Meus Deus do céu, cara! É, vamos ver como é que vai ser isso aí, porque dizem que a qualquer momento tá para estourar, né?!”

Luís: “Não, o Leblon já foi para o vinagre!” Wagner: “É, mas até então tá em casa, né?!” Luís: “Não, estou dizendo, já estourou assim, falta...” Wagner: “É, falta só...” Luís: “Chegar a conta só, mandar entregar na casa dele a conta”. Wagner: “E dizem que esse rapaz do Rio é muito ruim. Se o cara lá do Sul é ruim esse aqui é pior ainda”. Luís: “Dizem que a fatura lá do Leblon já foi feita, já faturaram”. Wagner: “Entendi”. Luís: “Só falta emitir a nota e mandar entregar em casa”. Wagner: “Entendi, entendi! Meu Deus do céu! Junta com o cara lá do Leblon também, aquele lá do finalzinho do Leblon, do helicóptero”. (com G1)

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Nelma de Sá Saraca... uma charada?

A MULHER DA LINHA - O pseudônimo de Cabral no ‘hotline’ da corrupção suscita teoria

Por: MÁRVIO DOS ANJOS


 

A revelação de que um celular ligado a uma certa “Nelma de Sá Saraca” pertencia ao ex-governador Sérgio Cabral e servia como uma hotline para conversas com executivos da Andrade Gutierrez, como revelou José Casado, é divertida e pode ter uma charadinha por trás.

Na gênese do nome de mulher sem CPF e cuja linha era atendida pelo próprio Cabral, pelo menos dois elementos remetem a fatos da vida de Sérgio Cabral, o pai, fundador do lendário semanário alternativo “O Pasquim” em 1969 ao lado de Jaguar e Tarso de Castro.

Para quem conheceu a publicação que irritava a ditadura, o prenome remete diretamente a Nelma Quadros, a querida secretária do “O Pasquim”, publicação de humor corrosivo que desafiava a ditadura com cartuns e textos irreverentes de gente como Millôr, Ziraldo, Paulo Francis, Henfil e outros craques. Com frequência, a senhora se tornava personagem das páginas, sempre aludida como uma pessoa em quem se podia confiar. Morreu em 1991, ano em que a publicação foi às bancas pela última vez.

Já os sobrenomes do pseudônimo, de cara, são uma esfinge: “de Sá Saraca” é combinação que soa dura. Não quer dizer muita coisa. Mas e se disser? O desbravador de charadas põe “Saraca” no Google: acha uma leguminosa. Acha um sobrenome italiano. Parece um beco sem saída. Mas é quando escreve “Sassaraca”, tudo junto, que é devolvido a outro elemento da vida do patriarca dos Cabral. O Google devolve: “Sassarico”?

E recorda que Cabral pai foi, ao lado de Rosa Maria Araújo, um dos criadores do musical “Sassaricando —E o Rio inventou a marchinha”, de 2006. De enorme sucesso, foi hiperpremiado, com direito a um prêmio Shell especial, e era rebocado pela deliciosa marchinha:

“Sá-sassaricando/ todo mundo leva a vida no arame/ (...) Quem não tem seu sassarico/sassarica mesmo só/ Porque sem sassaricar/Essa vida é um nó”.