Correio braziliense, n. 19517, 01/11/2016. Política, p.5

 

Enem jamais poderia ser palco de politização

Denise Rothenburg, Leonardo Cavalcanti e Paulo de Tarso Lyra

 

 

ENTREVISTA - MENDONÇA FILHO

O ministro da Educação afirma não haver argumentos para sustentar uma posição contrária às mudanças no ensino médio.

A uma semana de um dos maiores dramas enfrentados por qualquer ministro da Educação – a realização das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) –, o titular da pasta, Mendonça Filho, ainda precisa lidar com outro problema, que agrava ainda mais o primeiro: a ocupação de aproximadamente 1.000 escolas em todo o país por estudantes secundaristas. Deputado federal eleito pelo DEM, Mendonça Filho afirma que o direito de livre manifestação é garantido pelo regime democrático. Mas o de ir e vir e o de fazer provas também. “O Enem jamais poderia ser palco de uma politização”, criticou o ministro.

O Ministério da Educação terá de elaborar uma outra prova voltadas para os alunos que fariam os exames  nas escolas ocupadas. Mendonça lembra que, em muitos casos, as invasões são potencializadas por não envolver apenas os alunos, mas também sindicatos filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e partidos políticos, que orbitam em torno deles, como o PT e o PSol. Segundo ele, isso acontece de maneira mais clara no Paraná, onde o governador Beto Richa (PSDB) tem um histórico de atrito com os professores estaduais.

Mendonça também compra briga em relação à medida provisória que promove alterações no Ensino Médio. “Não há argumentos para sustentar uma posição contrária às mudanças”, retrucou. O ministro afirmou que o Brasil está atrasado em relação à outros países e que não é válida a tese de que as alterações não podem ser feitas por MP.  Afirma que existe um projeto de lei sobre o mesmo tema parado na Câmara há quatro anos. “É preciso desmistificar o instituto da medida provisória. Os governos Lula e Dilma editaram MPs para o Prouni, Mais Médicos e Fies”, lembrou. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida ontem ao Correio.

O governo Temer está preparado para seu primeiro Enem?

Está preparado. A gente adotou todas as medidas de segurança e transparência. Temos algumas inovações, como a coleta de digitais e a possibilidade de você detectar uma tentativa de fraude na hora de alguém substituir outro que esteja inscrito para fazer a prova. Ou mesmo posteriormente ao exame, você poder fazer verificações das digitais. As medidas foram adotadas para que a gente possa ter um Enem atendendo às necessidades da população. 

Ter dado um ultimato para os estudantes que estão ocupando as escolas não foi um erro estratégico?

Em primeiro lugar, eu não coloco como ultimato, coloco como uma definição de governo, responsável. Você teria algumas alternativas. Os locais ocupados em alguns estados, especificamente, são locais, em sua grande maioria, cuja gestão é estadual. Segundo, há um componente, em alguns casos, contencioso, que a gente deve levar em consideração. O caso, por exemplo, do Paraná, que compõe mais de 80% do universo total dos locais ocupados. Você tem um quadro que tem um componente local muito forte. 

Para além da política, quando o senhor fala em contencioso?

É um contencioso sindical, de disputa salarial, em que os sindicatos reivindicam benefícios dentro de uma disputa normal entre governo e sindicato e que muitas vezes utiliza a força do sindicato para influenciar. 

Em algum outro estado vocês identificam algo semelhante?

De uma forma geral, há uma ação sindical forte até da própria CUT, além de partidos políticos que normalmente orbitam no entorno desses sindicatos, como o PT, PSol etc. A outra alternativa seria um caminho de buscar a retirada dos estudantes e eu creio, sinceramente, que não é o caso. 

Qual seria a solução efetiva?

A solução dada. A realização de uma nova prova. Eu respeito o direito à livre manifestação. Só que eu acho que a livre manifestação tem que levar em consideração um outro princípio constitucional, que é o direito de ir e vir das pessoas e o direito a acesso à educação. Essa é a questão. Você não pode impedir as pessoas de se submeterem ao Enem. 

O que o senhor achou daquela situação de Tocantins, onde teve a desocupação e dois alunos

saíram algemados?

Eu não vou entrar no mérito. Cada autoridade local deve agir de acordo com a legislação, respeitando os direitos individuais e as garantias de, inclusive, jovens e pessoas envolvidas.

O fato de esse governo estar em lado oposto aos sindicatos e partidos políticos de esquerda torna esse Enem mais tenso do que os anteriores?

O Enem jamais poderia ser palco de uma politização. Ele é um ativo importante, relevante, para o jovem acessar uma universidade; o Sisu, que é um mecanismo de acesso a universidades públicas; o Fies, que é um mecanismo de financiamento que permite ter direito a uma faculdade privada.

Qual avaliação do Ministério herdado da gestão anterior?

É um ministério que tinha como característica, ao longo das gestões petistas, de extrema pulverização de programas e projetos. Nós tivemos a multiplicação por três do orçamento, de R$ 42 bilhões para R$ 130 bilhões, mas isso não se traduziu em qualidade. Isso mostra o fracasso da política educacional nos últimos anos. Como é que você consegue triplicar um orçamento em valores reais e não consegue a mesma eficácia?

O Orçamento da Educação para o ano que vem vai diminuir?

Diferentemente do que foi propagado, ele vai crescer. Primeiro porque nós assumimos com um orçamento de R$ 129 bilhões para este ano, mas o governo Dilma tinha definido um contingenciamento de R$ 6,4 bilhões. Quando o presidente Temer assumiu, ele decidiu repor R$ 4,7 bilhões. Foi o que nos permitiu retomar diversas obras. Tínhamos 700 obras paralisadas só nos institutos federais e universidades federais. Você tem um canteiro de obras inacabadas e que foram retomadas. Desde 2014 nós não executávamos 100% do custeio para universidades e institutos federais. Este ano, estamos disponibilizando a plenitude desses recursos. O que mostra, claramente, uma prioridade. No próximo ano, teremos mais R$ 9 bilhões, um aumento da ordem de 7%. 

A PEC 241 (que limita o teto de gastos) não vai atrapalhar?

Não. Se levarmos em consideração o que foi liberado, descontingenciado pelo presidente Temer, dá uma correção para o orçamento de 2017 por volta de uns 7%. Se considerarmos o orçamento que estava contingenciado e limitado pelo governo da presidente Dilma, dá um acréscimo de mais de 10% daquele que era o orçamento contingenciado pelo governo Temer. 

Fazer a reforma do ensino médio por Medida Provisória não é sinal de intransigência?

Acredito que não. Temos que desmistificar o instituto da medida provisória. O governo do PT utilizou MPs como instrumentos de mudanças relevantes na área de educação e saúde. Para ficar de exemplo: Pnaic (Pacto Nacional de Educação na Idade Certa), Prouni,  Mais Médicos e modificações no Fies foram viabilizados por medidas provisórias. Isso nos governos Lula e Dilma. A reação se deu pelo PT e pelo pessoal que não possui argumento para sustentar uma posição contrária à mudança do ensino médio. 

Por que não há argumentos?

Porque é uma mudança que vem de 1998, quase vinte anos. Passou pela modificação do Fundeb em 2007, no governo Lula, que sucedeu o Fundef do governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2010, tivemos um primeiro seminário, o Fórum Nacional de Secretários de Educação, do Consed. Em 2013, uma proposta de um projeto de lei tratando da matéria começou a tramitar. Em 2014, O Plano Nacional de Educação (PNE) fixou a flexibilidade do ensino médio com uma meta.  Estamos entrando em 2017 e nada saiu do papel.

Mas MPs não servem apenas para matérias urgentes e relevantes?

Qualquer matéria no campo da educação para mim é relevante. A urgência está determinada por um jovem que perde um ano de estudo no ensino médio fracassado como o nosso, ele está comprometendo o futuro.  Um ano perdido em educação representa muito para os mais pobres, que são os mais sacrificados e que mais perdem com o modelo de ensino médio atual. 

A reforma do ensino médio pode ser uma das marcas do governo Temer?

Será uma grande marca.  Mais do que uma marca, um legado histórico. Todos os países do mundo evoluíram para um ensino médio mais flexível, no qual o protagonismo da decisão do jovem se mostra mais relevante. Os países da Europa têm a base nacional comum curricular única, menor que aquela que estamos propondo, de um ano. Isso ocorre também nos Estados Unidos, no Canadá e na Ásia. O Brasil está muito atrasado em relação ao modelo de ensino médio.  Todo o modelo de ensino médio no Brasil põe o ensino técnico em uma posição secundária. Assim, você não pode casar a educação técnica com o ensino médio, como ocorre na maior parte dos países do mundo. 

O senhor acha que precisam ser feitas alterações nas políticas de cotas?

Não. Esse é um assunto que não está em discussão.  

O PFL (hoje DEM) errou ao entrar no Supremo Tribunal Federal contra a política de cotas?

Foi um momento específico. A discussão foi muito mais na defesa das cotas sociais do que uma questão racial, de cor de pele. 

DEM vai apoiar um candidato tucano em 2018 ou lançará nome próprio?

Acho cedo. Defendo sempre que meu partido possa apresentar uma candidatura presidencial. Temos dois grandes nomes, o senador Ronaldo Caiado (GO) e o prefeito de Salvador, ACM Neto. Mas a antecipação do debate presidencial é contra o interesse geral do país, que vive um momento delicado e tem que consolidar as reformas que estão no Parlamento. O foco agora é fazer o governo avançar e consolidar um programa de mudanças estruturais sob a liderança do presidente Temer. 

O governo consegue aprovar a Reforma da Previdência?

Tudo na vida tem um processo natural de maturidade. Você não poderia imaginar que uma PEC que estabelece um teto para os gastos públicos pudesse ser aprovada com a margem que foi. E sem que houvessem sido feitas as mudanças que as pessoas imaginavam que seriam feitas. O mais difícil, a PEC do Teto, nós conseguimos. A Reforma da Previdência é imperativa que seja aprovada.