Correio braziliense, n. 19536, 20/11/2016. Política, p. 2

Geddel sob intensa pressão

 

Eduardo Militão

 

O pedido de “acompanhamento” do ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Geddel Vieira Lima, para liberação de uma obra em um imóvel de luxo levou o político do PMDB da Bahia para o centro do turbilhão político. Enquanto a oposição cobra a saída do cargo, a Comissão de Ética da Presidência vai analisar o caso já amanhã. Em entrevista ao Correio, Geddel admitiu que pediu, “duas ou três vezes”, ao então ministro da Cultura, Marcelo Calero, para “acompanhar” a obra, mas negou ter feito pressão e disse que atuação como dono de um imóvel não o constrange. “Pelo contrário, me legitima porque eu estou a par do que estava acontecendo”, garantiu.

O prédio está em construção e Geddel adquiriu uma cota em 2015. Ele afirma que declarou o novo patrimônio, um imóvel no 23º andar, à Receita Federal e ao governo, quando assumiu o cargo de ministro. Corretores ouvidos pela reportagem disseram que um apartamento naquele andar, de 259 metros quadrados, custa R$ 3,4 milhões aproximadamente. No primeiro andar, são R$ 2,5 milhões. Na cobertura, R$ 4,9 milhões. O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) embargou obras acima do 13º andar por entender que elas ferem o tombamento. Segundo o ministro, até a semana passada, ninguém sabia dessa restrição e a obra estava liberada para quem comprou o imóvel.

Calero deixou o cargo e afirmou que pressões de Geddel inviabilizaram sua permanência no cargo. O Iphan da Bahia permitiu a construção, mas o caso estava com o órgão nacional, que abriu prazo para a defesa da empresa se manifestar. Enquanto isso, Geddel pedia para a decisão de Brasília confirmar a de Salvador: “E aí, como é que eu fico nessa história?”, teria dito o ministro da Secretaria de Governo. Calero narra uma suposta ameaça: “Não quero ser surpreendido com uma decisão e ter que pedir a cabeça da presidente do Iphan. Se for o caso eu falo até com o presidente da República.”

Geddel nega ter feito a afirmação e o pedido de demissão a Temer. “Isso é uma inverdade”, assegurou ao Correio. “Acho fantástica essa história de uma memória maravilhosa de saber frases aspeadas ditas por mim.”

De acordo com Geddel, não há nenhum problema ético com sua atuação. “Não me constrange porque eu não pedi nenhuma imoralidade. Pelo contrário, me legitima porque eu estou a par do que estava acontecendo.” Para o ministro, o caso poderia ser tratado por ele mesmo, e não por outras pessoas. “Eu trabalharia de forma camuflada um tema? Tem que tratar com transparência com um colega de ministério, sem nenhuma pressão indevida, abordando um tema polêmico do meu estado.”

Na visão de Geddel, o fato de o Iphan nacional ter contrariado seus argumentos prova que ele não fez pressões. “Que pressão é essa do poderoso ministro do governo?” Geddel disse que comprou o imóvel em 2015. Como ministro, ele deve informar seu patrimônio ao assumir o cargo, de acordo com a Lei nº 8.730.

 

Presidente

Ele disse que conversou com o presidente Michel Temer, que pediu para responder às perguntas e esclarecer os fatos. O ministro afirmou estar despreocupado com os trabalhos da Comissão de Ética e do Congresso sobre o tema. “Nada me preocupa nisso.”

Calero afirma que pensou em procurar o Ministério Público e a Polícia Federal. “Gente, esse cara é louco, pode estar grampeado e vai me envolver em rolo, pelo amor de Deus.” O ex-ministro da Cultura diz ter feito a denúncia quando entendeu que estava sendo “fritado” por espalharem que ele saía devido à organização de um evento que custou R$ 500 mil.

 

Ação judicial

O projeto do La Vue tem 30 andares de 24 unidades residenciais, com vista para a Baía de Todos os Santos. Para o Iphan, edificações acima do 13º andar comprometem o tombamento histórico da área de Salvador. As obras se iniciaram em 2015 e a previsão de entrega é julho de 2018. Não são aceitos financiamentos bancários. Quem optar pelo apartamento mais barato deve dar uma entrada de R$ 1,1 milhão e arcar com as demais mensalidades para bancar a obra, em regime de condomínio.

Uma ação civil pública do Ministério Público Federal na Bahia foi aberta no dia 10 e pede a suspensão das obras do edifício La Vue. A Procuradoria entende que o prédio “comprometeria a visibilidade dos bens tombados”.