Correio braziliense, n. 19536, 20/11/2016. Política, p. 4

De Garotinho a Cabral, Cunha cresce no PMDB

 

Paulo de Tarso Lyra

 

Eduardo Cunha (PMDB-RJ) era um calouro em Brasília. Mas chegava ao Congresso Nacional acompanhado de um político experiente, que já estava acostumado com o ar seco da capital federal. Anthony Garotinho acabara de concorrer à presidência da República pelo PSB, obtendo pouco mais de 15 milhões de votos. Por pouco não fora para o segundo turno. Acabou sendo fundamental nas negociações para compor o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, como sempre fazia, Garotinho brigou com a cúpula socialista, comandada por Miguel Arraes e seu neto, Eduardo Campos, e deixou a legenda.

Garotinho entra para o PMDB e leva Cunha junto. A legenda estava rachada na época. Uma parte defendia a aproximação com o novo governo – especialmente o PMDB do Senado, chefiado pelo novo presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). Os peemedebistas da Câmara, liderados por Geddel Vieira Lima, defendiam a permanência na oposição. O presidente nacional da legenda, Michel Temer, chegou a negociar com o chefe da Casa Civil petista, José Dirceu, a entrada no governo. Mas Lula nomeou Dilma Rousseff para o Ministério de Minas e Energia e conteve a sanha peemedebista.

Cunha passou a operar na bancada, tornando-se o braço político de Garotinho. Atuava intensamente junto à bancada dos evangélicos, uma seara na qual ambos transitavam com desenvoltura. Estudioso, ardiloso e competente, Cunha começava a mapear o terreno e o jogo de interesses, fidelidades e conchavos que, mais de dez anos depois, o levaria ao cargo de presidente da Câmara. Por enquanto, ele era mais um na multidão peemedebista.

Antenado com Garotinho, que costuma dar as cartas onde passa para garantir espaço para as próprias ações, Cunha começou a se tornar um dos deputados que questionavam as lideranças da bancada. Foi uma época em que era comum, com a simples circulação de uma lista de apoiamentos, destitituir o líder de ocasião para colocar outro nome no lugar. Internamente, o neopeemebista começou também a buscar conexões que lhe dessem um mínimo de sustentabilidade. Mesmo ainda devedor de Garotinho, Cunha queria um voo solo, caso o seu padrinho fosse abatido.

Duas pontes foram construídas para buscar a estabilidade. Na primeira, Cunha começou a aproximar-se dos peemedebistas do Rio Grande do Norte, especialmente o decano da Câmara, Henrique Eduardo Alves. Primo do senador Garibaldi Alves, Henrique era uma figura importante nas ambições de Cunha, pois tinha uma boa ligação com Temer e o grupo que comandava o partido. É verdade que o deputado potiguar não tinha o mesmo trânsito que Eunício Oliveira, Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha. Mas, diferentemente do grupo do Senado, composto por Renan Calheiros, José Sarney e Jader Barbalho, Alves não ameaçava o reinado de Temer. Logo, era um caminho para a ascensão interna.

A segunda ponte foi firmada com o PMDB de Minas. O nome preferencial era Saraiva Felipe, que tornou-se ministro da Saúde de Lula, após a saída do petista Humberto Costa (PE). A bancada mineira do PMDB sempre foi influente e teve voz ativa no partido e na decisão dos demais deputados. Cunha estava apoiado em uma oligarquia nordestina e em um grupo expressivo do Sudeste, tinha a chancela de Garotinho. Quando foi reeleito para o segundo mandato, Cunha viu uma nova janela de oportunidades se abrir. Sérgio Cabral Filho elege-se governador do Rio, com apoio do casal Anthony e Rosinha Garotinho. Logo eles brigariam. Quem Cunha passaria a seguir?

 

Não perca o fio da meada...

No capítulos 1 e 2 da biografia de Eduardo Cunha, o Correio mostrou como o lobista Fernando Baiano se aproximou do então deputado para resolver um problema dele de financiamento eleitoral e, ao mesmo tempo, receber uma propina atrasada de um negócio com a Petrobras. Júlio Camargo devia pelo menos US$ 10 milhões em subornos atrasados. Numa sala em Ipanema, ele, Cunha e Baiano acertaram um reparcelamento do débito do dinheiro sujo, com uma comissão de cinquenta porcento para o ex-deputado.

No capítulo 3, o início da trajetória política. Cunha, que começara a vida pública fazendo a campanha presidencial de Fernando Collor de Mello, é escolhido para presidir a Loterj. Afastado por denúncias de corrupção, aproxima-se do então governador do Rio, Anthony Garotinho. A ligação com o segmento evangélico os une. Ambos produzem programas para rádio – apresentados por Garotinho mesmo quando este era governador. Em 2003, Cunha chega ao Congresso para o primeiro mandato como deputado federal.

Nos capítulos 4 e 5, o jornal relatou como Cunha operou para colocar um apadrinhado, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Luiz Paulo Conde, na presidência de Furnas. Para isso, segurou como pôde o andamento de uma proposta de renovação da CPMF, tributo que injetava quase R$ 40 bilhões no caixa do governo todo ano. Depois de obter a nomeação do afilhado e ver o texto aprovado na Câmara, Cunha ainda ganhou a relatoria de uma medida provisória que usou para modificar a legislação do setor elétrico. Com ela, fez alterações em favor de um doleiro, Lúcio Funaro, acusado de intimidar testemunhas e lhe repassar propinas.