Motorista diz que Cunha se reunia toda semana com ex-vice da Caixa

André de Souza e Manoel Ventura

20/12/2016

 

 

Encontros seriam para tratar de propina na liberação de verbas do FGTS

 
 

BRASÍLIA- Uma testemunha do processo que apura o suposto pagamento de propina para facilitar a liberação de recursos do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) confirmou que o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se reunia semanalmente com o ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal Fábio Cleto. Em audiência na Justiça Federal de Brasília, Marcelo da Silva Leite, ex-motorista de Cleto, disse que os encontros aconteciam no apartamento funcional ou na residência oficial da presidência da Câmara. Ana Regina Chiozzo Carvalho, ex-secretária de Lúcio Funaro, apontado como operador de Cunha no esquema, também confirmou reuniões entre o exdeputado e o doleiro. Segundo a investigação, as propinas eram pagas por empresas responsáveis por empreendimentos de infraestrutura.Cleto afirmou, em delação premiada, que a propina correspondia a 1% do valor dos contratos com recursos do fundo, e Cunha ficava com 80% do montante pago no esquema de corrupção. O delator, que comandou entre 2011 e 2015 a divisão de Fundos de Governo e Loterias do banco, contou ainda que reunia-se semanalmente com Cunha para receber orientações. Essas reuniões foram confirmadas ontem por Marcelo da Silva Leite.— Era muito raro ele (Cleto) não ir para a presidência da Câmara semanalmente. Só falava assim: amanhã tenho café da manhã. Isso ocorria geralmente em toda terça-feira — afirmou o motorista ao juiz Vallisney de Souza Oliveira.

 

PARTICIPAÇÃO DE FUNARO

Leite não deu detalhes sobre os encontros. Além de Cunha e Cleto, o ex-ministro Henrique Eduardo Alves, o doleiro Lúcio Funaro, o ex-sócio de Funaro Alexandre Margotto e o ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto são réus nesses processos, que foram desmembrados. Os depoimentos de ontem referem-se apenas ao processo que apura a participação de Funaro no esquema.

Funaro, que está preso em Brasília, também acompanhou a audiência. O depoimento de Cunha, que está preso em Curitiba, também estava previsto para ontem. O ex-deputado chegou a participar da audiência, por videoconferência, mas foi dispensado.Já a ex-secretária de Funaro, Ana Regina Chiozzo Carvalho, afirmou que Cunha reuniu-se com Funaro no escritório em São Paulo. Ela, no entanto, afirmou que não se lembra quando o encontro ocorreu e nem os assuntos tratados.— Há muito tempo, eu vi algumas vezes o deputado Eduardo Cunha. Mas não me lembro recentemente, depois que as notícias sobre isso começaram — afirmou Ana Regina.A defesa do ex-presidente da Câmara pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, a suspensão de sua transferência da carceragem da Polícia Federal em Curitiba para o Complexo Médico Penal em São José dos Pinhais, na região metropolitana da capital paranaense. A medida foi determinada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato. A defesa de Cunha alega que a transferência tem por objetivo forçá-lo a celebrar um acordo de delação premiada.A Superintendência da PF fica numa região mais central que o Complexo Médico Penal. Além disso, permite um acesso mais fácil aos advogados. Cunha está preso há dois meses. Em setembro, ele teve o mandato de deputado cassado pela Câmara.

Cunha foi transferido na tarde de ontem para o Complexo de Pinhais, que abriga outros políticos investigados na LavaJato, como o ex-ministro José Dirceu e os ex-deputados Luiz Argôlo e André Vargas.

 

DEFESA CONTESTA

A defesa de Cunha diz que a Polícia Federal pediu a transferência de três presos alegando superlotação: Cunha; o ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro; e o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu. Ainda assim, mesmo sendo o único dos três ainda sem condenação na Lava-Jato, e estando há menos tempo preso, foi o único a ser transferido. Dessa forma, segundo o entendimento da defesa, Moro dispensa tratamento mais rígido ao ex-presidente da Câmara do que aos outros presos.“Ao que parece, a transferência do ora requerente é justificada tão somente pela ânsia e pela busca de que este, conforme maciçamente divulgado pela mídia, celebre acordo de colaboração premiada, o que a defesa, além de não aceitar, não compreende”, diz trecho do pedido da defesa de Cunha.

O documento é assinado pelos advogados Ticiano Figueiredo, Pedro Ivo Velloso, Alvaro da Silva, Fernanda Reis, Álvaro Chaves e Célio Júnio Rabelo. O relator do caso no STF é o ministro Teori Zavascki, o mesmo dos outros processos da Lava-Jato.

 

 

O globo, n. 30451, 20/12/2016. País, p. 04.