"Fica, Renan", decide o Supremo

Helena Mader e Patrícia Rodrigues

08/12/2016

 

 

LEGISLATIVO X JUDICIÁRIO » Por seis votos a três, STF derruba a liminar concedida na segunda-feira pelo ministro Marco Aurélio Mello e mantém o peemedebista como presidente do Senado, mas fora da linha sucessória do Palácio do Planalto

 

O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) virou réu por peculato, mas poderá comandar o Senado até 1º de fevereiro de 2017, quando termina seu mandato à frente da Mesa Diretora. O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem que o parlamentar não poderá ocupar a presidência da República, mas tem o direito de permanecer na chefia da Casa. O relator da ação que pedia o afastamento de Renan, ministro Marco Aurélio Mello, defendeu que um réu não pode comandar o Senado. Mas, para o decano do STF, Celso de Mello, o senador fica unicamente impossibilitado de “exercer o ofício de presidente da República, embora conserve a titularidade funcional e a chefia de sua respectiva Casa”. Por seis votos a três, o entendimento de Celso de Mello prevaleceu, dando a vitória a Renan.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, argumentou que nenhuma autoridade na linha de sucessão da Presidência da República pode ser ré.  “A possibilidade de substituição do cargo de presidente da República, seja por viagens ao exterior, seja por imprevistos de saúde, ou por qualquer outro motivo, de qualquer outra natureza, é permanente e inerente às funções indicadas na Constituição. A prerrogativa constitucional é do cargo, não é da pessoa”, argumentou o procurador-geral. “Seria admissível que um réu, a que se imputa crime contra a administração pública, pudesse prosseguir como chefe de um dos Poderes da República?”, questionou o procurador-geral.

Rodrigo Janot criticou o fato de Renan ter se recusado a receber a intimação judicial, “em dribles sucessivos, registrados e certificados pelo senhor oficial de Justiça”. E atacou também a Mesa Diretora do Senado, por ter descumprido a determinação do Supremo. “Houve a recusa expressa de um dos Poderes da República em cumprir uma ordem judicial, uma decisão legítima proferida pelo órgão judicial competente para enfrentar esse litígio. Desafiar uma decisão judicial é como desafiar as noções fundamentais de um Estado democrático de direito.”

O ministro Marco Aurélio Mello, o primeiro a votar na sessão de ontem, fez duras críticas à postura de Renan, que se recusou a aceitar a notificação judicial. O ministro também reafirmou que o peemedebista “não possui condições pessoais mínimas de exercer o cargo”. Marco Aurélio classificou como “inconcebível, intolerável, grotesca” a recusa em assinar a notificação. O ministro disse que a atitude de Renan Calheiros e da Mesa Diretora de se negarem a aceitar a notificação judicial sinaliza uma “prática criminosa” e pediu que a Procuradoria-Geral da República avalie o caso.

O ministro Celso de Mello, decano do Supremo, também criticou a postura de Renan de se recusar a receber a notificação da decisão judicial. “O inconformismo com decisões judiciais tem no sistema recursal o meio legítimo de expressão. Contestar decisões por meio de recursos ou de instrumentos processuais idôneos, sim.  Desrespeitá-las por puro arbítrio ou por expediente de atos marginais, jamais”, explicou Celso de Mello. Para ele, a atitude do senador representa “um gesto de desprezo inaceitável”.

 

Ação penal

O advogado da Rede Sustentabilidade, Daniel Sarmento, representou o partido e defendeu que Renan seja mantido longe da presidência do Senado. A sigla é autora da ação. “Quando uma determinada pessoa não satisfaz os requisitos constitucionais para ocupar um cargo, o correto é que ela não ocupe o cargo”, alegou.

Sarmento lembrou que cabe aos senadores sabatinar, por exemplo, futuros ministros do Supremo, o que seria incompatível com o fato de o parlamentar ser réu. “A permanência de um réu em uma ação penal por crime contra a administração pública pode corroer as bases de legitimidade da nossa ordem constitucional”, argumentou.

O advogado-geral do Senado Federal, Alberto Cascais, discursou na tribuna em nome da Casa e de Renan. Ele afirmou que é “indubitável a existência de atrito institucional entre os Poderes” e argumentou que, “em situações extremas, ocorrem fatos extremos”. Cascais negou que o posicionamento da Mesa Diretora da Casa e o do senador Renan Calheiros tenha representado um desrespeito à Justiça. “Jamais o Senado Federal teve a intenção, por parte da Mesa e de seu presidente, de desafiar esta Corte. Tanto o presidente Renan quanto os integrantes da Mesa têm o máximo respeito pelo Judiciário brasileiro.”

Cascais reclamou do fato de o Senado Federal não ter sido ouvido previamente no debate sobre o processo.  “A liminar interferiu nos direitos constitucionais dos senadores de escolher a própria direção.”  Cascais comentou ainda a acusação feita por Marco Aurélio sobre suposto crime no caso do não recebimento de notificação.  Segundo ele,  não houve recusa por parte de Renan e dos integrantes da Mesa. Ele disse que o recurso apresentado contra a liminar comprovaria essa tese.

Depois de Marco Aurélio Mello e de Celso de Mello, Edson Fachin votou pelo afastamento de Renan da presidência. Para ele, um réu “não pode ser presidente do Senado e não deter a prerrogativa de substituir o presidente da República”. Teori Zavascki, Toffoli e Ricardo Lewandowski seguiram o entendimento de Celso de Mello: pela manutenção de Renan Calheiros no cargo, com a vedação de assumir a presidência da República, em caso de afastamento do titular.

A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, também votou pela permanência de Renan no comando do Senado. Antes, ela atacou a postura do parlamentar alagoano. “Ordem judicial há de ser cumprida para que a gente tenha a ordem jurídica prevalecendo, e não o voluntarismo de quem quer que seja”, comentou a presidente da Corte. “Ordem judicial pode ser discutida. Há recursos, e, no Brasil, excesso de recursos.” Para Cármen Lúcia, dar as costas a um oficial de justiça “é uma forma de dar as costas ao próprio Poder Judiciário”.

 

Frase

"Seria admissível que um réu, a que se imputa crime contra a administração pública, pudesse prosseguir como chefe de um dos Poderes da República?”

Rodrigo Janot, procurador-geral da República

 

 

Correio braziliense, n. 19554, 08/12/2016. Política, p. 2.