Citado no acordo de delação do ex-executivo da Odebrecht Cláudio Melo Filho, o presidente Michel Temer encaminhou ontem ao procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, uma carta em que alega que “a ilegítima divulgação de supostas colaborações premiadas” vem provocando “interferência” na condução das políticas públicas. No requerimento, Temer atribui aos vazamento o acirramento das crises econômica e política e o cita o clima de “desconfiança” e “incerteza” para pedir celeridade na conclusão das investigações em andamento.
O presidente diz ainda que as delações devem ser divulgadas “o quanto antes” e “por completo”.
No mesmo dia, o PMDB, que também teve a cúpula citada na delação, divulgou nota (mais informações nesta página) na qual “condena” o que chamou de “vazamentos criminosos”.
Como mostrou ontem reportagem do Estado, a estratégia do governo e de aliados é questionar a legalidade das delações que vieram a público até agora.
Embora o discurso oficial seja o de que não se espera a anulação dos depoimentos, o requerimento de Temer lembra que, “em situação análoga”, Janot suspendeu tratativas de colaboração premiada. Foi uma referência ao cancelamento da delação do ex-presidente da OAS José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, após vazamento do conteúdo da proposta. Naquele caso, porém, o acordo com a força- tarefa da Lava Jato ainda não havia sido assinado.
A avaliação do Planalto é a de que o governo não pode ficar “sangrando” diariamente, enquanto “pipocam” pedaços de delações não homologadas. Um auxiliar de Temer disse ao Estado que “governo nenhum resiste a esse bombardeio”, agravado pela crise econômica, ao lembrar que ainda virão outros 76 depoimentos de executivos e ex-executivos da Odebrecht.
Incômodo. Antes da divulgação da carta, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, avisou ao procurador-geral da República que Temer enviaria a ele um requerimento pedindo celeridade nas investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal.
Em 35 minutos de conversa, Moraes expôs o incômodo do Planalto com o vazamento do depoimento do ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht.
A reunião com Janot, na sede da Procuradoria-Geral da República, ocorreu após Moraes ser chamado para uma conversa com Temer, no Planalto. O encontro com Janot não constava na agenda do ministro, que previa compromisso em São Paulo, naquele horário, e só foi atualizada após a reunião vir a público.
O presidente planejou escrever o texto após conversar com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e com o secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, na noite de domingo, no Palácio do Jaburu. O assunto também foi discutido em almoço, ontem, com os dois e também com o líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDBRR).
Todos ali foram acusados por Melo Filho de serem beneficiários de pagamento de propinas pela empreiteira.
Janot não quis falar sobre a conversa com Moraes. Afirmou, porém, que eles não trataram de Lava Jato, mas, sim, da criação de um grupo para atuação em uma “investigação do Rio”.
Na carta, Temer pede pressa na finalização das investigações e total divulgação dos fatos, para que as informações não sejam publicadas em conta- gotas pela imprensa, o que paralisaria o governo. O presidente chamou a ministra da Advocacia- Geral da União, Grace Mendonça, para redigir o documento que foi entregue em mãos a Janot por ela mesmo, pouco antes das 17 horas.
“Se houver delitos e malfeitos que venham tudo à luz de uma vez. Foi isso que falei em carta ao procurador da República”, disse Temer na noite de ontem, na capital paulista, onde participou de um evento no Palácio dos Bandeirantes.
O Planalto nega que a iniciativa seja uma interferência do Executivo no trabalho do Ministério Público. “De forma nenhuma a intenção do presidente Michel Temer foi interferir na sábia condução da PGR”, disse ao Estado, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.
Segundo ele, “a preocupação do governo é poder manter uma agenda positiva para o Brasil, que necessita da retomada do crescimento econômico e da geração de emprego.” Janot anunciou no sábado, em nota, que vai investigar o vazamento da delação de Melo Filho.
O pedido de apuração está em elaboração e deve ser encaminhado à Polícia Federal nesta semana. Outros vazamentos já são alvo de investigação, como os relacionados às delações do senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS), do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e do empreiteiro Ricardo Pessoa. / TÂNIA MONTEIRO, VERA ROSA, CARLA ARAÚJO, BEATRIZ BULLA e VALMAR HUPSEL FILHO
TRECHO
“A União vem sofrendo interferência pela ilegítima divulgação de supostas colaborações premiadas em investigações criminais conduzidas pelo Ministério Público Federal...
...quando ainda não completado e homologado o procedimento de delação (a mais recente entre vários outros agentes públicos). Num clima de desconfiança, geradora de incerteza, o mister constitucional da União se vê seriamente obstruído.”
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O senador Romero Jucá (RR), presidente nacional do PMDB e líder do governo no Congresso, criticou ontem o que chamou de “vazamentos criminosos” do acordo de delação premiada de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht.
No depoimento, Jucá é apontado como o “homem de frente” das negociações da empreiteira no Congresso.
“O PMDB condena a irresponsável divulgação de declarações que não refletem a verdade”, afirma o texto divulgado pelo peemedebista aos correligionários e à imprensa. Jucá diz que o partido “exige esclarecimentos”.