Em confronto com juízes, Renan vira réu no Supremo

Rafael Moraes Moura, Breno Pires e Julia Lindner

02/12/2016

 

 

Ação penal. Por 8 votos a 3, presidente do Senado é acusado de desviar recursos da verba indenizatória da Casa por meio de contratos com locadora de veículos em 2005

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem tornar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), réu em ação penal por peculato. Alvo de outros 11 inquéritos na Corte, o peemedebista é acusado de desviar recursos da verba indenizatórias do Senado por meio da contratação de uma empresa locadora de veículos em 2005. É a primeira vez que ele se torna réu.

A decisão dos ministros, por 8 votos a 3, ocorre em meio ao momento de maior tensão entre o presidente do Senado e o Poder Judiciário. O peemedebista defende a aprovação no Congresso de projetos que visam coibir o abuso de autoridade.

Para integrantes do Ministério Público e do Judiciário, incluindo a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, as medidas representam ameaça às atividades de juízes.

“Qualquer processo, especialmente para quem tem vida pública, é realmente algo grave, sério, mas o estado de direito impõe a todos a necessidade de que o Poder Judiciário cumpra o seu papel”, disse Cármen Lúcia durante o julgamento.

A decisão da Corte foi por aceitar parcialmente a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Renan.

Os ministros abriram ação por peculato, mas rejeitaram as acusações de falsidade ideológica e uso de documento falso.

No processo, que tramitava desde 2007 no STF, o peemedebista era suspeito de receber propina da construtora Mendes Júnior, que pagaria as despesas pessoais da jornalista Mônica Veloso, com quem mantinha relacionamento extraconjugal.

Na época, Renan renunciou à presidência do Senado em uma manobra para não perder o mandato.

Com o desdobramento das investigações, surgiram indícios de que parte da verba indenizatória estaria sendo desviada por Renan – uma das hipóteses levantadas é a de que o desvio teria como finalidade o pagamento da pensão.

O ministro Edson Fachin, relator do processo, destacou que a defesa de Renan apresentou 14 notas fiscais emitidas em nome da empresa Costa Dourada Veículos, cada uma delas no valor de R$ 6,4 mil, totalizando R$ 89,6 mil. No entanto, depois de análise dos extratos bancários da empresa e do próprio Renan, não ficou confirmado o efetivo pagamento dos valores.

“Isso produz indícios de que as notas fiscais não representam real transação comercial, mas sim, destinavam-se exclusivamente a mascarar a apropriação ou o desvio do dinheiro público”, afirmou Fachin. A defesa alega que o pagamento foi feito em dinheiro.

Além do relator, votaram pelo recebimento da denúncia por peculato os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Já os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram pela rejeição total da denúncia.

Conforme definição do Código Penal, o crime de peculato significa a apropriação, por funcionário público, de dinheiro ou valor em razão do cargo que ocupa. A pena prevista é de 2 a 12 anos de reclusão, além de multa.

 

Sucessão. Mesmo com a decisão do Supremo de abrir a ação penal, Renan poderá continuar na chefia do Senado, já que a Corte não concluiu o julgamento sobre a permanência de réus na linha sucessória da Presidência da República – o presidente do Senado é o segundo na ordem, após o presidente da Câmara.

Seis ministros já votaram por proibir que o presidente seja substituído por alguém que responda a ação penal, mas um pedido de vista do ministro Dias Toffoli interrompeu o julgamento, que ainda não tem data para ser concluído. O mandato de Renan na presidência do Senado termina em fevereiro de 2017.

 

Lentidão. Durante o julgamento, ao menos três ministros rebateram as críticas sobre a lentidão do STF em julgar alguns casos. “Se critica muito a demora (do STF). Volto a repetir, não sou defensor do foro privilegiado na forma ampla como está hoje, agora não se pode culpar o STF pela demora na investigação”, disse Teori, que é o relator dos processos da Operação Lava Jato na Corte.

 

AÇÃO E INQUÉRITOS

 

Além da ação penal que passa a responder pelo crime de peculato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é alvo de outros 11 inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), a maioria deles relacionados à Operação Lava Jato.
 
 

Lava Jato

Quadrilhão

Renan é um dos mais de 40 parlamentares investigados no inquérito-mãe da Lava Jato, que apura se os políticos formaram uma organização criminosa para desviar recursos da Petrobrás;

 

Diretorias da Petrobrás

Inquérito apura se Renan atuou para manter Paulo Roberto Costa na Petrobrás em troca de propina. Outra frente investiga se o presidente do Senado e outros políticos receberam US$ 5 milhões para manter Nestor Cerveró na área Internacional;

 

Delator

O presidente do Senado foi citado em delação do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró como beneficiário de propina do esquema na estatal. Inquérito investiga, além de Renan, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA);

 

Transpetro

Renan também é alvo de inquérito por supostamente ter recebido propina de contratos da Transpetro, subsidiária da Petrobrás;

 

Angra 3 e Belo Monte

Outros inquéritos também investigam se o presidente do Senado e outros parlamentares receberam dinheiro desviado de obras de Angra 3 e de Belo Monte;

 

Outros casos

Zelotes

Inquérito apura se o senador tem ligação com venda de emendas a medidas provisórias, esquema alvo da Operação Zelotes.

 

Movimentação financeira

Investigadores querem mais informações sobre uma movimentação financeira de R$ 5,7 milhões de Renan, considerada incompatível com a renda do parlamentar.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 44971, 02/12/2016. Política, p. A4.