Sensação 'Incômoda' marca debate com juiz

Fábio Serapião, Isabela Bonfim, Isadora Peron e Julia Lindner

02/12/2016

 

 

Clima - Recebido com frieza por senadores, Moro é paparicado por funcionários

 

Estranho na Casa legislativa em que mais de uma dezena de senadores é alvo de investigações na Operação Lava Jato, o juiz Sérgio Moro, responsável pelas ações penais na primeira instância, foi o centro das atenções no debate sobre mudanças na lei de abuso de autoridade, mas sem ser paparicado pelos parlamentares.

O dia de Moro no Senado teve aplausos e saudações, de parte dos funcionários da Casa, e críticas de senadores que, descontentes com o rumo das apurações do esquema de corrupção na Petrobrás, preferiram aplaudir de forma mais efusiva o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, defensor da revisão dessa legislação.

O debate foi ameno e respeitoso, porém duro. A maior parte das perguntas foi dirigida a Moro que, sem elevar o tom, respondeu aos questionamentos de todos os senadores, sempre defendendo que o projeto de abuso de autoridade é bem-vindo, desde que não prejudique a atuação da magistratura.

Apenas em um momento a discussão ficou mais acalorada, quando o líder da oposição, Lindbergh Farias (PT-RJ), e Moro se confrontaram sobre a atuação do juiz no caso específico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto Lindbergh afirmava que houve abuso na condução coercitiva e divulgação de interceptações telefônicas, Moro respondeu que a fala do senador era uma demonstração explícita de que o projeto tem a intenção de criminalizar a Lava Jato.

Apesar do ar cerimonioso da sessão, os principais líderes do Senado não fizeram questões ao participantes do debate e as perguntas foram encadeadas por senadores menos conhecidos nacionalmente. O senador Fernando Collor (PTC-AL), por exemplo, que é investigado na Lava Jato e figura carimbada em discussões da Casa com críticas ferrenhas à operação, não esteve presente.

Mas houve quem quisesse prestigiar o juiz federal. Após seu discurso no debate, os senadores Magno Malta (PR-ES), Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e Ataídes de Oliveira (PSDB-TO) subiram à Mesa Diretora para cumprimentá-lo e fazer fotos.

Renan Calheiros (PMDB-AL), que teve a fala interrompida pela situação, reagiu ironicamente.

“Vou esperar esse momento de cumprimentos para poder reiniciar a sessão”, disse visivelmente incomodado.

Ferraço não perdeu tempo. O senador acolheu as sugestões de Moro e as registrou na forma de duas emendas ao projeto de abuso de autoridade.

No fim da sessão, foi entregar em mãos ao juiz os papéis que confirmavam o protocolo.

Mais efusivos, no entanto, foram os próprios funcionários do Senado, que não contiveram os aplausos durante a sessão. Entre uma selfie e outra, tentavam se enquadrar nas fotografias com o juiz. Mais tarde, ao final da entrevista coletiva de Moro, outros funcionários ovacionaram o magistrado bradando seu nome. / FÁBIO SERAPIÃO, ISABELA BONFIM, ISADORA PERON e JULIA LINDNER

 

PARA ENTENDER

Propostas que tramitam no Congresso: Projeto de Abuso de Autoridade

O que é: Proposta que atualiza a Lei de Abuso de Autoridade, de 1965, definindo crimes cometidos por membros, agentes e servidores do Poder Público. As regras são gerais e não se limitam a juízes ou membros do MP.

Tramitação: Está na pauta do Senado e, se aprovada, segue para Câmara. Se aprovada, segue para sanção presidencial

Votação: A votação está marcada para 6 de dezembro

 

Pacote Anticorrupção

O que é: Projeto trata de medidas contra a corrupção. Foi proposto pelo Ministério Público Federal, mas foi modificado na Câmara. Uma das emendas acrescentou um trecho sobre crime de responsabilidade e abuso de autoridade especificamente para magistrados e membros do Ministério Público, além de alterar leis para tornar expressa a responsabilidade de quem ajuíza ações com máfé ou perseguição política

Tramitação: Foi aprovada pela Câmara e está no Senado, onde vai tramitar na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário. Se aprovado, vai à sanção presidencial

Votação: Não há previsão

 

 

O Estado de São Paulo, n. 44971, 02/12/2016. Política, p. A7.