O Estado de São Paulo, n. 45027, 27/01/2017. Economia, p. B1

A partir de 3 de abril, cartão de crédito só pode cobrar rotatividade por 30 dias

 

Fabrício de Castro
Fernando Nakagawa

 

Para baixar os juros do cartão de crédito, o governo determinou aos bancos que até o dia 3 de abril limitem o uso do rotativo – linha usada pelo cliente que não paga o valor integral da fatura – por 30 dias. Pelas novas regras, os clientes poderão ficar no rotativo, que tem as maiores taxas do mercado, somente até a data da liquidação da próxima fatura.

Se a dívida não for paga, ela terá de ser transferida para outra modalidade de crédito, como o parcelado no cartão, que possui custo menor.

A mudança já havia sido anunciada no fim do ano passado pelo presidente Michel Temer e pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como uma das medidas da agenda positiva do governo, para impulsionar a economia. Ontem, com a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), foi dado o prazo até 3 de abril para os bancos colocá-la em prática.

A negociação sobre para qual linha a dívida do rotativo será transferida ficará a cargo dos bancos. A instituição pode automaticamente passar essa dívida para um crédito parcelado ou se apresentará ao cliente uma nova modalidade, desde que seja mais barata.

Atualmente, alguns bancos já oferecem aos clientes a possibilidade de migrar a dívida do rotativo para outras linhas com juros menores. Mas isso não é feito de maneira automática e depende de solicitação do cliente. Agora, depois de 30 dias no rotativo, os bancos têm de transferir o saldo que não foi pago para outra modalidade. “É uma operação de crédito e a decisão é facultada aos bancos”, disse o diretor de Regulação do Banco Central, Otavio Damaso, ao comentar a resolução do CMN.

Risco. Damaso lembrou que, atualmente, o crédito rotativo tem risco mais elevado que outras modalidades. Segundo ele, a metade da carteira do rotativo hoje são classificados com a letra E ou pior que E. A avaliação de risco vai de A a H, sendo que A é a melhor e H, a pior. “Isso gera requerimento de provisão da ordem de 50%. É um custo para as instituições, que se reflete nos juros”, comentou. No parcelado do cartão, de acordo com Damaso, a provisão para calote é menor, de 5%.

Esse risco maior nas operações com o rotativo faz com que, de acordo com o BC, as taxas de juros sejam mais elevadas. Dados divulgados ontem pela instituição mostraram que o rotativo do cartão de crédito fechou 2016 com juros de 484,6% ao ano. Esta é a maior taxa da série histórica do Banco Central, iniciada em março de 2011. Na prática, significa que uma dívida de R$ 1 mil, depois de um ano, chega a cerca de R$ 5,8 mil. Em 2014, antes do início da recessão, a taxa do rotativo era de 331,6% ao ano. No parcelado do cartão de crédito, a taxa de juros estava em 153,8% no fim de 2016.

A expectativa do BC é de que, com a migração da dívida do rotativo para uma modalidade parcelada, a previsibilidade dos bancos aumente em relação a fluxo de caixa e, no limite, o risco de inadimplência da operação também caia. Isso pode se refletir nas taxas de juros.

“Levar o cliente à inadimplência também é ruim para a instituição financeira”, disse Damaso. “É uma medida importante porque traz um componente de mitigação de risco. E isso será refletido (no juro). Nossa expectativa é que haja redução.” Para a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços, a fixação do prazo de uso do rotativo para o máximo de 30 dias, aliada à disponibilidade automática de alternativas de financiamento, permitirá maior controle do consumidor e menor comprometimento da renda mensal.

“Proporcionará assim, uma potencial redução da inadimplência e estimulará condições de mercado mais propícias para uma convergência da taxa de juros para patamares compatíveis com aqueles praticados no parcelamento da fatura”, destacou a instituição, em nota.

O presidente do Banco do Brasil, Paulo Rogério Caffarelli, classificou a mudança no rotativo como uma “contribuição efetiva” do sistema financeiro para ajudar o Brasil a ingressar em um ciclo de crescimento. Para o Itaú Unibanco, a medida do CMN é “benéfica para o setor de cartões e para a economia”.

Já o Bradesco afirmou, por meio de nota, que a medida vai estimular a utilização adequada de linhas emergenciais, como o rotativo. “É um avanço que trará eficiência nas relações com os consumidores.” / COLABOROU ALINE BRONZATI

 

 

Confiança

“É uma medida importante por trazer um componente de mitigação de risco. E isso será refletido (no juro). Nossa expectativa é de que haja redução.”

Otavio Damaso

DIRETOR DE REGULAÇÃO DO BC

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Estoque de crédito cai 3,5% na primeira queda em nove anos

 
Fabrício de Castro
Eduardo Rodrigues


O crédito ficou mais escasso e as taxas de juros mais elevadas em 2016. Esse é o retrato traçado ontem pelo Banco Central, que divulgou os números do setor no encerramento do ano passado. O estoque de crédito caiu 3,5% em 2016, no primeiro recuo anual desde o início da série histórica, em 2007. Já a taxa média de juros cobrada de famílias e empresas atingiu 52% ao ano nas operações com recursos livres – os que não incorporam dinheiro da poupança ou do BNDES.

A retração do crédito no ano passado é resultado direto da crise econômica. Com o aumento do desemprego e a queda no consumo, os bancos também se tornaram mais seletivos na hora de fechar empréstimos ou financiamentos. A Selic (a taxa básica de juros) em patamares mais altos na maior parte do ano completou o cenário.

No caso dos recursos livres, a retração no estoque de crédito foi de quase 5% em 2016, de R$ 1,548 trilhão para R$ 1,637 trilhão. Já o crédito com recursos direcionados (dinheiro da poupança e do BNDES) cedeu 2% no ano passado, de R$ 1,582 trilhão para R$ 1,550 trilhão.

Não bastasse a retração no saldo de crédito como um todo, famílias e empresas também arcaram com um custo maior nas operações. A taxa de juros média no crédito livre saltou de 37,3% ao ano em dezembro de 2014 – quando a recessão ainda não havia começado – para 47,3% no fim de 2015 e para 52% ao ano no fim do ano passado.

Nas operações com recursos direcionados, houve um salto de 7,8% para 10,7% ao ano do fim de 2014 para o fim de 2016. Essas taxas, no entanto, são apenas uma média. Algumas operações, como as do rotativo do cartão de crédito, chegam a ter custo dezenas de vezes mais elevado.

Com o início do ciclo de cortes da Selic, em outubro do ano passado, as taxas de juros cobradas do consumidor final começaram a reagir de forma mais favorável nos últimos meses. Isso foi visto, por exemplo, no recuo de 2 pontos porcentuais do juro médio no crédito livre de novembro para dezembro.

Melhoras. “Apesar da queda do crédito em 2016, observamos na margem a melhora de alguns indicadores”, pontuou ontem o chefe adjunto do Departamento Econômico do Banco Central, Renato Baldini. Segundo ele, é o caso do crédito para capital de giro de empresas, financiamento de veículos e compra de imóveis por famílias.

“Ao mesmo tempo, já começou a ocorrer um recuo nas taxas de juros. E, com a estabilização da inadimplência nos próximos meses, devem ocorrer situações mais favoráveis para a retomada do crédito”, avaliou.

A Selic recuou de outubro para dezembro 0,50 ponto porcentual. Em janeiro de 2017, cedeu mais 0,75 ponto, para 13% ao ano. “É de se esperar que, com o recuo mais acentuado da Selic em janeiro, os juros do crédito acompanhem”, acrescentou Baldini.

Os dados do BC indicam ainda que há sinais de estabilização na inadimplência, quando há atrasos acima de 90 dias no pagamento de dívidas. No fim de 2014, a taxa de inadimplência no crédito com recursos livres era de 4,3%. No fim de 2015, estava em 5,3% e, em dezembro de 2016, em 5,7% – uma taxa já inferior aos 5,8% de novembro. / COLABOROU ÁLVARO CAMPOS

 

 

Retomada

“Já começou a ocorrer um recuo nas taxas de juros e com a estabilização da inadimplência deve haver retomada do crédito.”

Renato Baldini