O Estado de São Paulo, n. 45028 , 28/01/2017. Política, p. A4

Ministra deve homologar delação da Odebrecht

 

Eliane Cantanhêde
Beatriz Bulla
Caio Junqueira
 

A expectativa no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Palácio do Planalto é de que as delações da Odebrecht sejam homologadas pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, entre segunda, 30, e terça-feira, 31, já que os juízes auxiliares da equipe do ministro Teori Zavascki, morto no dia 19, encerraram ontem as audiências com os 77 delatores da empreiteira. Esse é o último passo antes da confirmação dos acordos firmados por executivos e ex-executivos com o Ministério Público Federal.

Como presidente da Corte, Cármen Lúcia é plantonista no recesso do Judiciário, que termina na quarta-feira, 1.º. Nessa condição, a ministra é responsável pelas medidas urgentes no tribunal durante o recesso e, por isso, tem legitimidade para tomar a decisão sozinha. Essa prerrogativa foi reforçada pelo pedido de urgência protocolado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Somente após essa etapa, o Ministério Público Federal pode usar o material para iniciar investigações formais contra autoridades e políticos com foro citados pelos delatores.

Integrantes do Supremo e da Procuradoria-Geral da República avaliam que a autorização dada por Cármen Lúcia para que a equipe de Teori continuasse a trabalhar mesmo após a morte do ministro já foi um forte indicativo de que a presidente do STF pretende ser breve na homologação, com três objetivos: garantir que não haja atrasos no processo da Lava Jato, sinalizar à opinião pública que não há qualquer mudança no ritmo e na disposição do tribunal quanto às investigações e, enfim, tirar a pressão para a escolha do novo relator a toque de caixa.

Se a homologação ficar para depois do dia 1.º, com o reinício dos trabalhos, teria de esperar a definição do novo relator da Lava Jato. No caso de a homologação ser assinada por Cármen Lúcia, ela teria mais tempo e ficaria à vontade para manter as conversas com outros ministros do STF a fim de “construir um caminho” – nas palavras de seus interlocutores – de definição do critério de escolha do substituto de Teori na relatoria.

Sorteio. Pelo regimento, a probabilidade maior é a realização de sorteio entre os integrantes de todo o STF ou apenas dos membros da Segunda Turma da Corte, da qual Teori fazia parte. Também é apontada a possibilidade de o Supremo chegar a uma solução “consensual” para que um integrante da Primeira Turma migre para a Segunda Turma e assuma a cadeira de Teori – e a Lava Jato.

Até o momento, Cármen Lúcia tem mantido reserva sobre o assunto, mas seus interlocutores indicam que a opção mais provável é o sorteio entre todo o plenário, numa demonstração de que qualquer ministro da Corte está apto a assumir a tarefa.

O Palácio do Planalto trabalha com a previsão de que a homologação das delações da Odebrecht ocorra, de fato, entre segunda e terça-feira. Cármen Lúcia e o presidente da República, Michel Temer, conversaram algumas vezes por telefone durante a semana. Na primeira ligação, a presidente do STF agradeceu o apoio dado pela Aeronáutica no desastre aéreo que matou Teori e elogiou os militares envolvidos. Depois disso, Temer ligou à noite para a presidente do STF para avisar que a gravação na cabine do avião que caiu estava audível.

O presidente disse que vai indicar o nome do substituto de Teori na Corte somente após a definição do relator da Lava Jato. Temer tem conversado sobre assuntos do Judiciário com o ministro do STF Gilmar Mendes, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Audiências. Desde terça-feira passada, os juízes auxiliares de Teori foram autorizados a continuar o trabalho nos acordos da Odebrecht. Audiências para confirmar a espontaneidade das delações foram remarcadas.

Nesses encontros, os juízes fazem ao menos três perguntas aos delatores. Primeiro, questionam se o acordo foi espontâneo. Depois, pedem que o executivo explique como entrou no processo de colaboração e, por fim, se está de acordo com as penas acertadas entre a defesa e o Ministério Público.

Nesta sexta-feira, o herdeiro e ex-presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, foi ouvido em Curitiba. As audiências aconteceram simultaneamente em diferentes Estados. Na quinta-feira, por exemplo, foi a vez do patriarca Emílio Odebrecht ser ouvido em Salvador (BA), um dia após seu aniversário.

Em São Paulo, o prédio da Justiça Federal foi aberto no feriado de aniversário da cidade, na quarta-feira, para colher depoimentos de dez executivos.

A audiência prévia à homologação é um procedimento considerado protocolar, adotado pelo gabinete de Teori em todas as delações que chegaram ao Supremo na Lava Jato. O Ministério Público Federal não participa dessa etapa.

 

CRONOLOGIA

2015

- Em junho, 1 ano e 3 meses após a Lava Jato ser deflagrada, o então presidente da Odebrecht Marcelo Odebrecht e diretores são presos sob suspeita de corrupção e cartel

 

2016

- Em março, Marcelo Odebrecht é condenado a 19 anos e 4 meses de prisão por corrupção, lavagem e associação criminosa. Outros executivos também são sentenciados.

- Poucos meses após a condenação da cúpula da empreiteira, executivos assinam o acordo de confidencialidade com a Lava Jato. Trata- se do primeiro passo para uma delação.

- STF recebe em dezembro documentos dos acordos de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht. Entre os colaboradores, Marcelo e o patriarca do grupo, Emílio Odebrecht.

 

2017

- Após a morte de Teori Zavascki, juízes auxiliares concluem audiências com os delatores. PGR pede urgência; presidente do STF, Cármen Lúcia deve homologar as delações

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'Ninguém deseja ser relator da Lava Jato', diz Gilma

Mateus Coutinho
Fausto Macedo

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse que “ninguém deseja” ser relator da Operação Lava Jato na Corte, mas aquele que for designado “terá que assumir”.

Gilmar afirmou que “é lenda urbana” a versão de que teria pedido à presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, para assumir a função no lugar do ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo no dia 19.

“Não existe essa possibilidade de se oferecer (para a relatoria). Nem é possível. Na verdade, é um sistema que terá que ser designado de forma objetiva. E, se for designado relator, evidente que qualquer um terá que assumir”, afirmou o ministro que participou de um evento em São Paulo.

Gilmar citou um episódio envolvendo os ministros do tribunal Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki. Certa vez, Barroso disse a Teori que o País teve “muita sorte” pelo fato de ele assumir a relatoria dos processos da Operação Lava Jato na Corte. Teori respondeu: “Quem não teve sorte foi eu”. “Então, a rigor, isso tumultua a vida de todos, desorganiza por completo o gabinete que passa a ser concentrado nesse tipo de matéria”, disse Gilmar.

Polêmica’. Indagado se indicou o ministro Ives Gandra Martins Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), para a vaga de Teori no STF, Gilmar ironizou. “Andam sabendo mais do que eu sobre isso. Vai ter polêmica sobre qualquer candidato ao Supremo, sempre foi assim. Exatamente isso permite que se faça uma boa seleção.”