Quarteto sob suspeita

Antonio Temóteo

18/01/2017

 

 

A tão sonhada recuperação da economia brasileira, cantada em prosa e verso por integrantes do governo, ainda está distante de se concretizar, avaliam executivos de grandes bancos. Apesar de todos os fundamentos usados pelos economistas para estimar as projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (P113) em 2017, que variam entre 0,1% e 1%, reservadamente os analistas são unânimes em alertar que a estabilidade política é fundamental para que o pais deixe o fundo do poço. Com o foco na crise do sistema prisional e com o recesso do Legislativo até a eleição das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, muitos têm esquecido que, a qualquer momento, o Ministério Público Federal (MPF) e a Policia Federal (PF) podem deflagrar mais uma fase da Operação Lava-Jato. O marasmo dos últimos dias e a decisão do Banco Central (BC) de reduzir em 0,75% a taxa básica de juros (Selic) trouxeram ao mercado, ao setor produtivo e a boa parte da classe política a sensação de que o país voltou aos trilhos. Muitos apostam que o processo de queda de juros será intenso, que a taxa terminará o ano abaixo de um dígito, e que isso resultará na volta das concessões de crédito. Entretanto, esquecem-se de que a inflação, mesmo em trajetória declinante, fechou o ano passado em 6,29% e, para muitos, continua a ser uma dor de cabeça diante do encolhimento do poder de compra. O desemprego, que continuará a crescer ao longo de 2017, também é um problema gravíssimo e não diminuirá enquanto os sinais de recuperação não forem claros. Executivo de um grande banco brasileiro resumiu o atual cenário.

"O que está ruim, infelizmente, pode ficar ainda pior", alertou. Para ele, os desafios de curto prazo do governo são enormes. O primeiro é ter êxito na duríssima missão de convencer deputados e senadores a votarem favoravelmente à reforma da Previdência Com a proximidade das eleições, o interesse em encampar propostas amargas para a população brasileira é deixado de lado. Além disso, destacou o mesmo executivo, qualquer ruído político que possa comprometer a gestão de Michel Temer à frente do Palácio do Planalto pode implicar debandada de parte da base aliada. "Sem a reforma da Previdência, a aprovação de um limite para o crescimento dos gastos públicos não terá efeito. De fato, não sabemos o que acontecerá este ano", comentou. Outro fator de preocupação dos grandes bancos é que a retomada dos investimentos virá exclusivamente das concessões de estradas, aeroportos, portos e ferrovias. Mas, sem a queda significativa dos juros, o apetite dos investidores continuará baixo. Muitas empresas se prepararam, a partir de 2010, para aumentar o nível de produção significativamente nos anos seguintes. Com estoques em baixa e sem demanda, elas não devem ampliar o parque de produção para fazer frente à retomada. "Mesmo que a economia volte acrescer, a produção retomará os níveis de 2013 ou 2014. Mas boa parte das empresas já estava preparada para um período de expansão, e isso não veio", comentou. O tamanho das renegociações de dívidas de estados é outro fator preocupante. Sem um diagnóstico claro sobre a situação de estados e municípios, o governo federal pode ser obrigado a socorrer os entes da federação para evitar uma quebradeira generalizada. Os riscos externos também são um foco de preocupação. As decisões que o governo de Donald Trump tomará nos primeiros meses têm potencial para causar problemas para a economia global, e o perigo de turbulência ao longo de 2017 não pode ser descartado.

 

 

Atento

Outro executivo de um banco estrangeiro ressaltou que alguns setores da economia estão estrangulados e quem ainda está no mercado trabalha para pagar dívidas e analisa possibilidades de redução de custo, com corte de empregados e fechamento de pontos de venda. Os varejistas, as concessionárias de veículos, incorporadoras e construtoras são exemplos de setores em graves dificuldades. Sem a redução do endividamento dos brasileiros, do comprometimento da renda e a volta do emprego, esses segmentos continuarão a sofrer. O alento vem do agronegócio. Produtores e empresários do setor mantêm perspectivas favoráveis e devem entregar uma safra recorde em 2017. Mesmo os criadores de suínos e de frangos, que em 2016 sofreram com a alta do preço do milho, também devem ter um ano melhor. Setores de educação, saúde e energia continuarão a passar por consolidações, e oportunidades continuarão a aparecer para quem investe nesses segmentos.

 

Carteiros bons de bola

Em grave crise financeira, os Correios lançaram um Programa de Desligamento Incentivado (PD1) para reduzir em até 8 mil o quadro de funcionários. Além disso, a empresa pública iniciou um processo de corte de funções para fazer economia e cobrir os RS 4 bilhões de prejuízo acumulados nos últimos dois anos. Entretanto, a estatal analisa a possibilidade de patrocinar campeonatos estaduais de futebol em 2017, por meio da compra de cotas.

 

 

Análise de propostas

Procurados, os Correios informaram ter recebido propostas de patrocínio de algumas federações de futebol e que tais propostas estão em análise, ainda  sem qualquer definição. Conforme a estatal, não existem negociações no momento. A empresa pública, entretanto, não esclareceu que entidades enviaram pedidos para compra de cotas nem os valores que estariam em análise.

 

 

Cartola em Brasília

O presidente dos Correios, Guilherme Campos, acumula a função com uma das vice-presidências regionais da Federação Paulista de Futebol (FPF). Suas atribuições na entidade não estão claras. Além disso, não se sabe se a FPF está entre as que apresentaram propostas de patrocínio para a estatal. O que é certo é que há um possível conflito de interesses entre o dirigente máximo da empresa pública e os pedidos para compra de cotas de campeonatos estaduais.

 

 

Correio braziliense, n. 19595, 18/01/2017. Política, p. 2.