O Estado de São Paulo, n. 45018, 18/01/2017. Política, p. A4

Delação da Odebrecht deve ser divulgada em fevereiro

 

Beatriz Bulla

Fábio Fabrini

Fabio Serapião

 

Investigadores da Operação Lava Jato preveem que boa parte do conteúdo das delações da Odebrecht seja tornada pública na primeira quinzena de fevereiro. A expectativa é de que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, retire o sigilo da maioria dos cerca de 900 depoimentos tão logo as colaborações sejam homologadas. Isso deve ocorrer após o fim do recesso do Judiciário, no próximo mês.

Uma pequena parte do material, no entanto, deverá ser mantida em sigilo para não comprometer o aprofundamento das investigações. A divulgação dos relatos de 77 delatores ligados à empresa causa apreensão no mundo político, que deve ser diretamente atingido pelas apurações.

Como relator da Lava Jato no Supremo, cabe a Teori validar as delações. Para isso, uma equipe de auxiliares do ministro analisa todo o material durante o recesso. Os acordos são resultado de uma longa negociação, que se estendeu durante quase todo o ano de 2016.

Nos depoimentos, que serão divulgados em formato de áudio e vídeo, sem transcrições, os delatores relatam propina para políticos e operadores no Brasil e fora do País em troca de contratos de obras públicas, além do uso de contas e empresas no exterior para viabilizar os pagamentos ilícitos.

Segundo pessoas com acesso aos depoimentos, aliados próximos ao presidente Michel Temer serão diretamente atingidos pelas delações dos executivos e ex-executivos da empresa, o que deve trazer turbulência política para o governo.

Antes mesmo de a delação ser homologada, Temer já sofreu baixas na equipe. Em dezembro, quando o teor do depoimento do ex-diretor de Relações Institucionais da empreiteira Cláudio Melo Filho foi conhecido, o então assessor especial da Presidência José Yunes, amigo de Temer há 50 anos, deixou o governo. Ele foi acusado pelo delator de receber dinheiro em seu escritório em São Paulo em 2014. Yunes nega a informação e diz que nunca teve contato com Melo Filho.

Próximas fases. Após a homologação dos acordos e divulgação do conteúdo, a Procuradoria- Geral da República e a força- tarefa da Lava Jato podem realizar operações e solicitar diligências, como quebra de sigilos bancário e telefônico de pessoas investigadas.

A previsão é de que o processo de investigação ligado à Odebrecht seja longo, com a distribuição de trabalhos em vários Estados. Isso porque, segundo a empreiteira, o pagamento de propina envolveu obras federais, estaduais e municipais. Por isso, a apuração não ficará concentrada em Brasília ou Curitiba.

Um dos depoimentos tidos como cruciais para os investigadores é o de Marcelo Odebrecht, herdeiro do grupo e ex-presidente da empresa. Considerado o “príncipe” das empreiteiras, Marcelo resistiu à delação. Ele é o único executivo do grupo que continua preso em Curitiba, mesmo após a assinatura do acordo, em dezembro. Com a delação firmada, Marcelo cumprirá dez anos de pena no total, sendo que até o fim de 2017 permanecerá atrás das grades.

Já o pai de Marcelo, Emílio Odebrecht, revelou informações da atuação da empresa no esquema e o histórico do grupo. Emílio poderá passar um ano comandando a reestruturação da companhia, que se comprometeu com regras de compliance, antes de iniciar o cumprimento de pena em regime domiciliar.

‘Delação democrática’. A avaliação de pessoas que acompanharam a colheita dos depoimentos é de que a delação da Odebrecht é politicamente “democrática”. Ou seja, atinge líderes e siglas de diferentes polos da política nacional.

Em dezembro, o vazamento de um anexo da delação de Melo Filho mostrou que senadores, deputados e ministros mantiveram relações com a empresa – seja por troca de favores, seja ao receber valores para atuar em benefício da Odebrecht.

As colaborações do grupo vão gerar “recalls” em acordos da Camargo Corrêa e da Andrade Gutierrez. Segundo investigadores, diante das extensas revelações da Odebrecht, as duas outras empreiteiras terão de complementar os acordos feitos anteriormente, sob risco de terem os benefícios acertados com o Ministério Público invalidados (mais informações na pág. A5).

 

O QUE JÁ FOI DITO

- Cláudio Melo Filho

O ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht disse que o presidente Michel Temer pediu “apoio financeiro” às campanhas do PMDB em 2014 a Marcelo Odebrecht, que se comprometeu a pagar R$ 10 milhões. O delator citou ainda outros peemedebistas e políticos de diversos partidos. Temer repudiou o que chamou de “falsas acusações”.

 

- Paulo Cesena

O ex-presidente da Odebrecht Transport afirmou em delação que o ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), recebeu R$ 14 milhões da empresa, em 2013 e 2014, via caixa 2. O secretário do Programa de Parceria de Investimentos, Moreira Franco (PMDB), e o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) também foram citados. Moreira Franco afirma que “jamais” conversou com Cesena “sobre temas partidários”. Kassab disse desconhecer doação ilegal à sua campanha. A defesa de Cunha não comentou.

 

- Leandro Azevedo

A delação do ex-superintendente da Odebrecht no Rio envolve nomes das principais lideranças políticas do Estado. Azevedo relatou doações de caixa 2 para o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), o ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB), o senador Lindbergh Farias (PT) e o ex-governador Anthony Garotinho e sua mulher, Rosinha, ambos do PR. Os citados negaram irregularidades e criticaram o que chamaram de “vazamentos seletivos”.

 

- Márcio Faria

O ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial relatou que Temer e Cunha pediram recursos à campanha de 2010. Temer confirmou reunião com Cunha e um empresário que, segundo ele, “pode ser” Faria. A defesa de Cunha disse não ter tido acesso ao teor da delação.

 

- Colaborações

 

77 é o número de executivos e ex-executivos da Odebrecht que fizeram delação premiada na Operação Lava Jato; acordos ainda precisam ser homologados pelo Supremo Tribunal Federal.

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Rolls-Royce repassou R$ 29,8 mi a intermediários

 

Juliana Affonso
Ricardo Brandt
Fausto Macedo

 

No acordo de leniência fechado pela Rolls-Royce com o Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, anunciado anteontem, a empresa britânica admitiu ter pago cerca de US$ 9,3 milhões (R$ 29,8 milhões, na cotação atual) em propina para conseguir contratos com a Petrobrás. A companhia se comprometeu a devolver R$ 81 milhões ao Brasil.

Segundo documento divulgado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, aproximadamente US$ 1,6 milhão (R$ 5,1 milhões) foram repassados a um funcionário da estatal brasileira entre 2003 a 2013.

No Brasil, o nome da Rolls- Royce surgiu pela primeira vez nas investigações da Lava Jato há quase dois anos, quando o ex-gerente da Diretoria de Serviços da Petrobrás Pedro Barusco citou a companhia em delação.

Segundo Barusco, a empresa teria pago propina para garantir o fornecimento de turbinas de geração de energia para plataformas de petróleo da estatal brasileira. O contrato foi de US$ 100 milhões e Barusco faturou US$ 200 mil, segundo seu relato. Ele disse, porém, não se lembrar quem mais teria recebido recursos da Rolls-Royce.

Ao todo, a empresa britânica firmou seis contratos com a Petrobrás e lucrou R$ 39,7 milhões.

Acordo global. O acordo firmado com os procuradores brasileiros é parte de uma negociação global que prevê o pagamento total de R$ 2,6 bilhões, divididos entre Brasil, Estados Unidos e Inglaterra. A empresa britânica relatou às autoridades desses países detalhes sobre repasses feitos a intermediários em diversos países, como Afeganistão, Tailândia, Iraque e Angola, entre outros.

No total, segundo o Departamento de Justiça americano, a empresa pagou US$ 35 milhões (R$ 112,3 milhões) em propina nestes países.

De acordo com o procurador Orlando Martello, integrante da força-tarefa da Lava Jato, o acordo de leniência “reflete a credibilidade que as autoridades brasileiras responsáveis pelo combate à corrupção ganharam no cenário mundial, em padrões de qualidade equivalente ao dos principais órgãos análogos no exterior”.