Medidas provisórias: uso e abuso

Ruy Martins Altenfelder Silva

15/02/2017

 

 

A Constituição Brasileira, de 5 de outubro de 1988, estabeleceu que, em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá editar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias, discutir e deliberar. Projetada para figurar no sistema parlamentarista de governo, a medida provisória acabou aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, que também rejeitou o parlamentarismo e aprovou o presidencialismo.

O que deveria ser exceção tornou-se regra e o que se vê é o país legislado por medidas provisórias que vão sendo reeditadas, contrariando o texto constitucional. E o que é mais grave: continuam sendo editadas sem que ocorram os requisitos fundamentais exigidos expressamente na Constituição: relevância e urgência. A reedição da medida provisória é de duvidosa constitucionalidade, pois torna o remédio pior que o famigerado decreto-lei, banido do sistema legislativo brasileiro pela Constituição cidadã de 1988.

A edição e a reedição de medidas provisórias podem ser atribuídas à omissão do Congresso. O decreto-lei tinha limitação de matérias. A medida provisória não tem. Quando se aprovou esse instrumento na Constituição de 1988, pensava-se num sistema parlamentarista. Entretanto, por questões que não abordarei neste artigo, ficou mantido o sistema presidencialista em que deve haver limitação neste poder. A verdade é que a edição desenfreada de medidas provisórias acarreta certo desequilíbrio dos poderes. Isso sem falar nas emendas piratas que têm sido introduzidas nas medidas provisórias e que nada têm a ver com o cerne das mesmas.

A Constituição veda a edição das medidas provisórias sobre as seguintes matérias: nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, direito eleitoral; direito penal, processual penal e processual civil; organização do poder judiciário e do Ministério Público; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares; que visem a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; matéria reservada à lei complementar; já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do presidente da República; e outras descritas no artigo 62 da Constituição de 1988.

O professor Michel Temer, em seu livro Elementos de direito constitucional (14ª edição), classifica medida provisória como exceção ao princípio de que ao Legislativo incumbe editar atos que obriguem. “A medida provisória não é lei, é ato que tem força de lei.” Não é lei, ensina, pois não é ato nascido no Poder Legislativo, que se submete a um regime jurídico predeterminado na Constituição, capaz de inovar originariamente a ordem jurídica, ou seja criar direitos e deveres.

As medidas provisórias só podem ser editadas pelo presidente da República; não podem adotá-las os estados e municípios. A aprovação converte medida provisória em lei. A não apreciação importa rejeição. Não há sanção, visto que não há projeto. De igual maneira, não há promulgação. Cuida-se apenas da publicação. Não se pode paralisar o Executivo por conta da lentidão do Legislativo.

(...)

 

» RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA

Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e do Conselho Superior de Estudos Avançados da Fiesp

 

 

Correio braziliense, n. 19623, 15/02/2017. Opinião, p. 11.