O caixa 2 na chapa Dilma-Temer

Paulo de Tarso Lyra

02/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Em depoimento ao TSE, Marcelo Odebrecht afirma que 80% do dinheiro entregue à coligação da petista e do peemedebista em 2014 não foram contabilizados. Defesa do presidente vai tentar adiar ao máximo o julgamento, a partir de recursos

 

 

Após o depoimento de quatro horas prestado ontem pelo ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, em Curitiba, no processo que analisa a cassação da chapa Dilma/Temer, o Palácio do Planalto e a defesa do presidente estudam a possibilidade de alterar a estratégia de ação. A partir de agora, em vez de uma posição de espera, na torcida para que o processo julgado tenha celeridade, a intenção é trabalhar na produção de contraprovas, pedidos de perícia e análise de documentos para protelar ao máximo o julgamento final. Se possível, arrastar a ação até 2018, aproveitando o fato de que o relator, ministro Hermann Benjamin, deixará o cargo em outubro deste ano.

Segundo a Agência Estado, ontem Odebrecht disse que 4/5 dos recursos destinados pela empresa para a campanha da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer em 2014 tiveram como origem o caixa 2. Ele teria afirmado que a petista tinha dimensão da contribuição e dos pagamentos, também feitos por meio de caixa 2, ao então marqueteiro do PT, João Santana.

O valor acertado para a campanha presidencial da chapa reeleita foi de R$ 150 milhões. Deste total, de acordo com o empresário, R$ 50 milhões eram uma contrapartida à votação da medida provisória do Refis, encaminhada ao Congresso em 2009 e que beneficiou a Braskem, empresa controlada pela Odebrecht na área de química e petroquímica. Conforme relatos, o empreiteiro afirmou, no entanto, que esse assunto era normalmente tratado com o ex-ministro Antonio Palocci e Santana.

Marcelo Odebrecht também confirmou ter se encontrado com o presidente Michel Temer durante tratativas para a campanha eleitoral de 2014, mas negou ter acertado com o peemedebista um valor para a doação. Ele informou que não houve um pedido direto pelo então vice-presidente da República para a doação de R$ 10 milhões ao PMDB. Marcelo teria afirmado que o valor já estava acertado anteriormente e que o encontro foi apenas protocolar. De acordo com o empresário, as tratativas para a doação foram feitas entre o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o executivo Cláudio Melo Filho. Ele admitiu que parte dos pagamentos pode ter sido feita via caixa 2.

A preocupação do governo é que os depoimentos dos ex-executivos da empreiteira atrapalhem a estratégia de defesa de separar as contas de arrecadação de PT e PMDB na campanha presidencial de 2014. Em sua delação premiada à Lava-Jato, Cláudio Melo Filho afirmou que Temer, durante um jantar no Palácio do Jaburu em 2014, quando ainda era vice-presidente da República, pediu R$ 10 milhões da empreiteira como contribuição para campanhas do PMDB. Esses R$ 10 milhões de doação que teriam sido pedidos à Odebrecht já provocaram outro estrago no governo. O ex-assessor especial da Presidência José Yunes — também citado por Cláudio Melo — disse ter recebido do doleiro Lúcio Bolonha Funaro um envelope, lacrado, que deveria ser entregue ao chefe a Eliseu Padilha. Ontem, Yunes colocou à disposição seu sigilo telefônico para provar que agiu a pedido do ministro da Casa Civil.

Advogado de Temer no processo, Gustavo Guedes foi lacônico ao comentar o depoimento. “Vamos esperar todas as oitivas para definir os próximos passos da defesa”, declarou. Hoje, serão ouvidos pelo Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro os depoimentos do ex-presidente da Odebrecht Benedito Barbosa e do ex-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando Reis. Na sexta é a vez dos depoimentos, em Brasília, do ex-diretor de relações institucionais Cláudio Melo Filho e do ex-diretor Alexandrino Reis.

O Planalto também ficou surpreso porque a delação premiada de Marcelo Odebrecht à força-tarefa da Operação Lava-Jato, em Curitiba, apesar de homologada, ainda está sob sigilo judicial. Em um passado recente, o TSE desistiu de colher o depoimento de Ricardo Pessoa, da UTC, pelo mesmo motivo. Para interlocutores do presidente Temer e advogados responsáveis pela defesa, Marcelo só teria sido chamado a depor após o vazamento da delação do ex-diretor Cláudio Melo.

Após o depoimento de seu cliente ao relator do processo, o ministro Hermann Benjamin, o advogado de defesa do empresário, Luciano Feldens, disse que Marcelo “falou tudo que deveria falar, o que poderia falar”. Questionado se o empreiteiro poderia prestar novo depoimento, o advogado disse apenas que “foi concluído”. O empresário segue preso na carceragem da Polícia Federal da capital paranaense.

 

Funaro quer falar

A defesa do doleiro Lucio Funaro, apontado como operador do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, fez um pedido à PGR para que ele possa dar um depoimento “com a intenção de esclarecer a verdade dos fatos manifestamente distorcidos no depoimento prestado pelo José Yunes”. Yunes, amigo e ex-assessor especial do presidente Temer, disse que foi usado como “mula” pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, para repasse de R$ 1 milhão para a campanha do PMDB de 2014, quantia proveniente do caixa 2 da Odebrecht.

 

 

Correio braziliense, n. 19637, 02/03/2017. Política p. 2.