Planalto decide rifar Padilha

Paulo de Tarso Lyra e Antonio Temoteo

03/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Planalto divulga carta em defesa de Temer, mas se esquece de citar o ministro-chefe da Casa Civil, um dos principais personagens do depoimento de Marcelo Odebrecht, e que deve voltar à berlinda nas declarações de ex-diretor da empreiteira

 

 

Ao trabalhar com a possibilidade de o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha — licenciado após uma cirurgia de próstata —, não voltar ao cargo, o Planalto fez um gesto simbólico ao não citar o nome do principal aliado no texto de uma nota em defesa do presidente Michel Temer. Padilha estava no centro do depoimento do empreiteiro Marcelo Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral na quarta-feira e vai voltar à berlinda na próxima segunda-feira nas declarações de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht, ao ministro Hermann Benjamin, no processo de cassação da chapa Dilma-Temer.

Na delação que fez para a Operação Lava-Jato, Melo Filho afirmou que Padilha estava presente no jantar, no Palácio do Jaburu, em 2014, quando Marcelo Odebrecht e o então vice-presidente Michel Temer acertaram uma doação de R$ 10 milhões da empreiteira para campanhas do PMDB. Em seu depoimento no processo do TSE, Marcelo Odebrecht negou que tenha tratado de recursos com Temer, acrescentando que esse tema foi discutido, posteriormente, entre Padilha e Melo.

Em nota divulgada ontem, o Planalto afirmou que o depoimento de Marcelo Odebrecht confirmou “aquilo que o presidente Michel Temer vem dizendo há meses: houve um jantar (entre Temer e o empresário), mas (eles) não falaram de valores durante o encontro e a empresa deu auxílio financeiro a campanhas do PMDB”, diz o texto. Não houve, porém, qualquer menção, na nota, ao nome de Padilha como intermediário direto da arrecadação dos recursos com a empresa ou às afirmações de que 4/5 do dinheiro doado pela empreiteira à chapa presidencial vieram por intermédio de caixa 2.

Temer está com um cuidado gigantesco para lidar com a crise Padilha. Por enquanto, ambos têm um álibi perfeito. O chefe da Casa Civil está de licença médica após se submeter a uma cirurgia de próstata na última segunda-feira. A previsão inicial, feita pelo próprio ministro, era de que ele retornaria aos trabalhos na próxima segunda-feira, 6. Mas, ontem, atendendo a um conselho médico, Padilha decidiu prorrogar a licença por mais uma semana.

Assessores diretos do presidente afirmam que a expectativa é de que este seja o prazo máximo para o retorno de Padilha. E que, tão logo o ministro retorne, é fundamental que ele e Temer conversem sobre o caso para decidir o que fazer. Mas, dentro do próprio governo e no Congresso, há quem aposte que essa licença será prorrogada seguidamente. Especialmente, porque está previsto, para a semana que vem, o levantamento do sigilo das demais delações da Odebrecht e, inevitavelmente, o nome de Padilha será citado novamente.

“Não será fácil para Temer, se tiver que rifar o Padilha. Ele fez todo aquele esforço para criar um ministério só para dar foro para o Moreira. Vai deixar o Padilha, amigo de 30 anos, sem foro privilegiado, desprotegido na planície”? questionou um desafeto do secretário-geral da Presidência, Moreira Franco.

 

Apostas

A piora do ambiente político com o envolvimento de Temer e Padilha no depoimento prestado por Marcelo Odebrecht ao TSE não contaminou, por enquanto, as apostas do mercado em relação à aprovação da reforma da Previdência. Diretores de grandes bancos ouvidos reservadamente pelo Correio avaliaram que as afirmações do ex-executivo da empreiteira não implicam diretamente o presidente da República. E mesmo que o ministro da Casa Civil seja demitido, avaliam as fontes de mercado, não há sinais de ruptura na base aliada.

 

 

Correio braziliense, n. 19638, 03/03/2017. Política p. 2.