O Estado de São Paulo, n. 45005, 05/05/2017. Economia, p. B1

Crescimento menor do PIB pode levar a corte de até R$ 50 bi do Orçamento

 
Adriana Fernandes
Idiana Tomazelli

 

O crescimento da economia brasileira menor do que o previsto inicialmente deve obrigar o governo a cortar até R$ 50 bilhões do Orçamento de 2017. Apenas por conta da revisão de crescimento do PIB feita pelo governo, de 1,6% para 1%, o corte previsto chega a pelo menos R$ 20 bilhões.

Mas a avaliação é que o contingenciamento de despesas deverá ser ainda maior, por conta de frustrações de receitas extraordinárias que foram incluídas na Lei Orçamentária em agosto, já com o objetivo de preencher uma lacuna entre gastos e arrecadação que ameaçava o cumprimento da meta fiscal. A meta para 2017 é um déficit de, no máximo, R$ 139 bilhões.

O relator do Orçamento, senador Eduardo Braga (PMDBAM), manteve a previsão de 1,6% de alta do PIB neste ano para acomodar demandas de parlamentares por despesas, apesar de o governo ter encaminhado um ofício dizendo que sua previsão havia mudado a estimativa para 1%.

Em conversas recentes, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já admitiu a parlamentares que a economia pode crescer ainda menos que 1% – algo como 0,5%, como prevê o Boletim Focus, que reúne as projeções dos economistas de mercado. O mais provável é que este seja o valor a ser usado no decreto de programação orçamentária, segundo fontes, quando o governo terá de trazer suas contas para o cenário real da economia.

O Ministério do Planejamento tem defendido uma previsão maior de PIB para este ano do que a do mercado, mas é a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda que define o parâmetro a ser utilizado no Orçamento.

O economista Fabio Klein, da consultoria Tendências, avalia que, nos moldes atuais do Orçamento, a receita está superestimada entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões. Para ele, a equipe econômica terá uma missão delicada pela frente e precisará de medidas adicionais para garantir o cumprimento da meta em 2017, entre elas a reversão de desonerações. Mesmo assim, corre o risco ultrapassar o rombo de R$ 139 bilhões.

Potencial. Nas projeções de Klein, com um crescimento de 0,7% do PIB neste ano (projeção já considerada otimista pela consultoria) e receitas extraordinárias com concessões, repatriação de recursos e reversão de desonerações, o governo já precisaria cortar R$ 15 bilhões em despesas – ainda assim, com potencial para descumprir a meta fiscal. “Em um cenário mais pessimista, podemos chegar a um déficit próximo ao de 2016 (R$ 170,5 bilhões), esse risco existe”, disse.

Desde que assumiu o comando da economia, Meirelles passou a adotar uma política que chamou de “realismo fiscal”. Ela é marcada por parâmetros mais alinhados com a realidade do cenário econômico e previsões do mercado financeiro. Mas é justamente esse realismo que deve impor certas dificuldades na elaboração da programação orçamentária.

Em 2016, o governo só incluiu as receitas com o programa de repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior depois que o dinheiro foi efetivamente arrecadado. Para este ano, há a perspectiva de reabertura do prazo de adesão ao programa, mas, na melhor das hipóteses, o dinheiro só entra no segundo semestre, o que cria um problema para a equipe econômica.

O Congresso já incluiu R$ 10,15 bilhões em receitas com o programa para fechar o Orçamento de 2017, em acordo com o Executivo.

Além disso, os R$ 11,8 bilhões em arrecadação sobre operações com ativos – que o governo também incluiu no Orçamento em agosto – são considerados incertos. Esses recursos seriam obtidos a partir da receita de tributos sobre a venda de ativos como Caixa Seguridade, Loteria Instantânea e BR Distribuidora.

Essas operações já estavam previstas no Orçamento de 2016, foram transferidas para 2017, mas não houve avanços significativos.

O governo ainda previu arrecadar R$ 18,6 bilhões neste ano com receitas extraordinárias, fruto de recuperação de tributos referentes a anos anteriores, seja pela aplicação de autos de infração ou pela cobrança de débitos em atraso. O valor efetivo dessas receitas, no entanto, também pode ficar abaixo do estimado no Orçamento.

A mudança no cronograma dessas operações e a queda na arrecadação tributária levaram, no ano passado, à mudança na meta primária, para um déficit de R$ 170,5 bilhões. Mas a equipe econômica não quer, em hipótese alguma, ter o mesmo desgaste de alteração na meta em 2017, o que afetaria a credibilidade do governo justamente no ano de estreia do teto de gastos.

 

Risco

“Em um cenário pessimistas, podemos chegar a um déficit próximo ao de 2016 (de R$ 170,5 bilhões), esse risco existe.”

Fábio Klein

ECONOMISTA DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA

 

PARA ENTENDER

Mudanças na meta fiscal

Tem sido recorrente na política fiscal do governo mudanças de metas fiscais para administrar rombos cada vez maiores. Quando assumiu a Presidência da República, Michel Temer não só elevou para R$ 170,5 bilhões o déficit previsto para 2016 como também depois alterou a meta de 2017. O déficit previsto para este ano subiu de R$ 65 bilhões para R$ 139 bilhões. Naquele momento, o governo vivia uma onda positiva de confiança na capacidade da equipe econômica de garantir o crescimento mais rápido, o que não aconteceu. Se esperava que nesse início de 2017 o Brasil estivesse trilhando um rota de expansão da atividade econômica, com recuperação da arrecadação. Uma queda brusca da previsão de receitas pode trazer riscos de descumprimento da meta.

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País fechou 2016 com saldo cambial negativo em US$ 4,2 bi

 

Fabrício de Castro

 

A forte crise que atingiu a economia brasileira fez US$ 4,25 bilhões saírem do País em 2016. Este é o resultado líquido do fluxo de recursos registrado em operações financeiras e comerciais no ano passado, conforme dados divulgados ontem pelo Banco Central. Em 2015, apesar da recessão, o Brasil havia contabilizado a entrada de US$ 9,414 bilhões.

A debandada de dólares do País em 2016 foi puxada pela conta financeira, que reúne, entre outras operações, os investimentos de estrangeiros em ações e em contratos cambiais e de renda fixa, por exemplo. Apesar da melhora das expectativas com a economia no segundo semestre, após a saída de Dilma Rousseff da Presidência, os dados de fluxo mostraram que os estrangeiros preferiram continuar reduzindo seus investimentos no País. O fluxo financeiro indicou saída líquida de US$ 51,56 bilhões do Brasil em 2016.

“O fluxo financeiro foi bastante ruim em 2014, 2015 e, em 2016, foi muito pior”, avaliou o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria Integrada. “Isso está em linha com as preocupações crescentes com o cenário econômico e político. Os investidores ainda estão muito cautelosos em assumir posições em ativos brasileiros.” A saída de recursos pela via financeira foi compensada, em parte, pela entrada de US$ 47,31 bilhões pela conta comercial, que reflete a diferença entre exportações e importações. Não fosse o resultado da área comercial, o País teria perdido um montante líquido maior de dólares em 2016.

O problema é que o fluxo comercial também foi resultado direto da crise. Enquanto as exportações foram de US$ 181,66 bilhões em 2015 para US$ 173,59 bilhões em 2016, as importações do País despencaram de US$ 156,17 bilhões para US$ 126,28 bilhões de um ano para outro.

“O fluxo comercial foi positivo em 2016, mas reflexo de uma situação bastante negativa. Porque o saldo foi obtido graças ao recuo muito forte das importações que, por sua vez, é resultado de uma queda livre da demanda doméstica”, avaliou Campos Neto. Na prática, em um ambiente de recessão, empresas e famílias compraram menos produtos de outros países.

Os dados do Banco Central mostraram ainda que, somente em dezembro, US$ 1,09 bilhão líquidos deixaram o País. A cifra foi resultado do envio de US$ 9,01 bilhões pela via financeira e da entrada de US$ 7,92 bilhões pela comercial.

“Já 2017 é um ano bastante incerto ainda”, afirma Campos Neto. “Temos riscos locais, como a questão política, a reforma fiscal e a situação dos Estados, e externos, como a mudança de governo nos EUA”, cita.

Para o economista, o fluxo de moeda neste ano não será “tão ruim quanto em 2016”, mas não é de se esperar uma “enxurrada de dólares” para o País.

Operações cambiais. O Banco Central também informou ontem que suas operações com swaps cambiais – um tipo de contrato ligado ao dólar – geraram um lucro de R$ 75,56 bilhões em 2016. No ano anterior, essas operações haviam resultado em prejuízo de R$ 89,66 bilhões.

Atualmente, o BC possui uma posição em swaps de cerca de US$ 26 bilhões. Sempre que a cotação do dólar ante o real recua – como ocorreu em 2016, quando houve baixa de cerca de 16% –, a instituição registra ganhos com os swaps.

Por outro lado, as reservas internacionais do País, hoje na casa dos US$ 371 bilhões, geraram perdas de R$ 235,60 bilhões no ano passado.

 

PRESTE ATENÇÃO

1. A forte saída de recursos do País no ano passado foi puxada pela conta financeira, que reúne, por exemplo, investimentos de estrangeiros em ações e em contratos cambiais e de renda fixa.

2. Mesmo com a saída da presidente Dilma Rousseff no segundo semestre do ano passado, os estrangeiros preferiram reduzir os investimentos.

3. Resultado do fluxo cambial só não foi pior por causa da conta comercial, diferença entre exportações e importações. No entanto, até mesmo essa conta sofreu o impacto da crise. Houve queda das exportações e das importações.