Moro condena Cunha a 15 anos de prisão

Mateus Coutinho / Julia Affonso / Ricardo Brandt

31/03/2017

 

 

Ex-presidente da Câmara foi acusado de receber propina de US$ 1,5 mi em negócio da Petrobrás na África; defesa diz que vai recorrer

 
 

 

ENVIADO ESPECIAL / CURITIBA

O juiz Sérgio Moro condenou ontem o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de divisas. O ex-parlamentar foi acusado de receber propina de US$ 1,5 milhão na compra do campo petrolífero de Benin, na África, pela Petrobrás, em 2011. Sua defesa informou que vai recorrer.

A sentença contra o peemedebista foi assinada por Moro durante sua passagem por Brasília, ontem, dois dias após a defesa de Cunha apresentar suas alegações finais.

A condenação marca mais uma etapa da derrocada do exparlamentar, que se notabilizou pelos embates com o governo de Dilma Rousseff enquanto esteve na presidência da Câmara.

Cunha, responsável por aceitar o processo de impeachment de Dilma, acabou afastado no ano passado do cargo e do mandato pelo Supremo Tribunal Federal em decisão inédita que o forçou a renunciar ao cargo. Posteriormente, ele foi cassado pelo plenário da Câmara, em 12 setembro do ano passado, por 450 votos a 10, e preso preventivamente por Moro em 19 de outubro.

O peemedebista segue detido desde então em Curitiba. Moro determinou que “deverá Eduardo Cosentino da Cunha responder preso cautelarmente eventual fase recursal”.

“A corrupção com pagamento de propina de US$ 1,5 milhão e tendo por consequência prejuízo ainda superior aos cofres públicos merece reprovação especial.

A culpabilidade é elevada. O condenado recebeu vantagem indevida no exercício do mandato de deputado federal, em 2011”, escreveu Moro na sentença.

O juiz da Lava Jato afirmou que a conduta de Cunha deve ser interpretada como uma traição ao seu mandato. “A responsabilidade de um parlamentar federal é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes. Não pode haver ofensa mais grave do que a daquele que trai o mandato parlamentar e a sagrada confiança que o povo nele deposita para obter ganho próprio. Agiu, portanto, com culpabilidade extremada, o que também deve ser valorado negativamente.” Esta ação penal foi aberta a partir da segunda denúncia apresentada contra Cunha pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot ao STF, em março do ano passado, quando o peemedebista ainda era presidente da Câmara. Em 22 de junho, a Corte aceitou a denúncia por unanimidade.

Com a perda de mandato de Cunha, o processo foi remetido para a 13.ª Vara Federal de Curitiba. Conforme a acusação formal, o peemedebista recebeu propina de US$ 1,5 milhão da compra, pela Petrobrás, de 50% dos direitos de exploração de um campo de petróleo em Benin, na África, no valor de US$ 34,5 milhões.

O negócio foi tocado pela Diretoria Internacional da estatal, cota do PMDB no esquema de corrupção. Cunha ainda é réu em outras duas ações, uma em Brasília e outra em tramitação no Rio, decorrentes da Lava Jato, e investigado em ao menos mais cinco inquéritos.

 

Temer. Na sentença, Moro também afirmou que Cunha teria tentado “constranger” e ameaçar o presidente Michel Temer com perguntas que sua defesa queria encaminhar ao peemedebista, arrolado como testemunha.

O juiz federal fez observações sobre as perguntas do peemedebista a Temer e disse que o processo penal não pode ser usado para “ameaças, recados ou chantagens”. Em outubro do ano passado, o juiz da Lava Jato vetou 21 das 41 perguntas da defesa de Cunha ao presidente, que depôs por escrito como testemunha do ex-deputado.

Das 21 perguntas proibidas pelo juiz da Lava Jato, 13 foram consideradas “inapropriadas” pelo magistrado. O juiz chegou ainda a destacar na sentença três perguntas do peemedebista que citavam o advogado José Yunes.

Homem de confiança de Temer, Yunes ocupava cargo de assessor no Planalto. Seu nome foi citado na delação do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho, que afirmou que o escritório do advogado foi um dos endereços usados para a entrega de propina de R$ 1 milhão da empresa ao PMDB, em 2014.

No fim do ano passado, Yunes prestou depoimento à PGR para apresentar sua versão e disse ter atuado como “mula involuntária” do atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. O “pacote”, segundo ele, lhe foi entregue em mãos por Lúcio Funaro, preso preventivamente e apontado por investigadores da Lava Jato como operador de Cunha.

Para Moro, os questionamentos de Cunha citando Yunes eram “absolutamente estranhos ao objeto da ação penal’ e “tinham por motivo óbvio constranger o Exmo. Sr. Presidente da República e provavelmente buscavam com isso provocar alguma espécie de intervenção indevida da parte dele em favor do preso”.

 

SENTENÇA

● O juiz federal Sérgio Moro condenou o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a 15 anos e 4 meses de prisão na Lava Jato

 

Contas na Suíça e negócio na África

ACUSAÇÃO

Segundo a Procuradoria- Geral da República, Eduardo Cunha recebeu e movimentou dinheiro de propina em contas secretas na Suíça. Ele teria recebido US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 4,7 milhões), fruto da compra de campo de petróleo em Benin, na África, pela Petrobrás

 

CRIMES:

1 Corrupção passiva

2 Lavagem de dinheiro

3 Evasão de divisas

 

O caminho do dinheiro, segundo a Suíça

A Petrobrás pagou US$ 34,5 milhões pela exploração de uma área no país africano Benin, conhecida como Bloco 4

A estatal petrolífera e parceiros realizaram a venda de ativos relativos aos investimentos

A Petrobrás fez pagamento para uma conta da companhia CBH, empresa que celebrou o negócio no Benin

A conta sob o controle da CBH teria repassado US$ 10 milhões para João Henriques, empresário apontado como lobista do PMDB no esquema

Henriques transferiu US$ 1,5 milhão para contas no país europeu. Essas contas tinham Eduardo Cunha como “beneficiário”

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45090, 31/03/2017. Política, p. A6.