Dilma estaria ciente da prática de caixa 2

Matheus Teixeira

24/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Segundo Marcelo Odebrecht, a ex-presidente "tinha dimensão" dos acertos da empreiteira com a campanha. Relator do processo no TSE entrega documento aos ministros da Corte

 

 

Documento entregue aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo relator do processo de cassação da chapa Dilma-Temer, Herman Benjamin, traz trechos do depoimento de Marcelo Odebrecht em que o herdeiro da construtora revela que a petista “tinha dimensão” das doações por meio de caixa 2 feitas pela empreiteira. A distribuição do documento de 1.032 páginas é uma das fases finais antes do julgamento e serve para os ministros tomarem conhecimento, com antecedência, das provas contidas no processo.

No relatório, há o detalhamento do que disseram as 58 testemunhas ao TSE, além do conteúdo de duas acareações entre o ex-presidente e herdeiro da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e os ex-executivos da construtora Hilberto Mascarenhas e Cláudio Melo Filho, que deram relatos diferentes sobre as doações eleitorais feitas ao PMDB e foram confrontados na presença de Benjamin. Em depoimento, Marcelo também falou sobre o pagamento ao marqueteiro João Santana e a participação da ex-presidente nas negociações. “O que Dilma sabia era que a gente fazia, tinha uma contribuição grande — a dimensão da nossa contribuição era grande, ela sabia disso — e ela sabia que a gente era responsável por muitos pagamentos para o João Santana. Ela nunca me disse que sabia que era caixa 2, mas é natural, é só fazer uma... Ela sabia que toda aquela dimensão de pagamentos não estava na prestação do partido”, disse.

Segundo ele, nas eleições de 2014, o então ministro da Fazenda Guido Mantega era um dos principais interlocutores de Dilma. “Marcelo, a orientação dela (Dilma) é que todos os recursos de vocês vão para a campanha dela. Você não vai mais doar para o PT, você só vai doar para a campanha dela, basicamente para as necessidades da campanha dela: João Santana, Edinho Silva ou esses partidos da coligação”, teria dito Guido ao empresário.

Em 2010, de acordo com Marcelo, os responsáveis pela arrecadação da campanha foram o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Antônio Palocci. A partir de 2011, Dilma teria assumido as negociações do PT com a Odebrecht. A chapa encabeçada pela petista, que sofreu um impeachment e deu lugar ao vice, Temer, no posto máximo do Executivo, teve as contas de campanha aprovadas com ressalvas no final de 2014, mas o processo foi reaberto porque o PSDB questionou a decisão do TSE e apontou suposto abuso de poder econômico pelos adversários. Entre as irregularidades levantadas pelos tucanos, estão pagamentos irregulares a gráficas e uso de recursos desviados da Petrobras. O caso, que parecia ser o menor dos problemas para Temer até alguns meses atrás, ganhou outras proporções após oitivas com ex-integrantes da Odebrecht, que negociaram doações milionárias à campanha.

O Planalto também acendeu o alerta em relação à ação no TSE porque, nos bastidores, ganhou força a tese de que o voto do relator será a favor da cassação da chapa. O governo, porém, acredita que consegue reverter a situação no plenário da Corte. Uma das estratégias dos peemedebistas para não perder a presidência da República é separar a atuação de Temer da de Dilma no processo — o argumento jurídico tem jurisprudência no TSE, mas depende do entendimento que os ministros terão em relação a este caso específico.

Na tentativa de evitar a separação do julgamento dos dois, semana passada a petista apresentou documentos que comprovariam que o comitê central da campanha teria pagado despesas de ambos da mesma maneira, sem distinção entre o cabeça da chapa e o vice. Temer, no entanto, alega que não tem relação com os pagamentos suspeitos e que a arrecadação de seu partido aconteceu em paralelo ao de Dilma durante a eleição.

 

1.032

número de páginas do relatório parcial do ministro Herman Benjamin

 

 

Correio braziliense, n. 19659, 24/03/2017. Política, p. 4.