Além do limite 
Carina Bacelar e Martha Beck 
13/01/2017
 
 
Estado gastou com salários R$ 34,1 bi em 2016, desrespeitando Lei de Responsabilidade Fiscal

O Estado do Rio ultrapassou o permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal em gastos com pessoal (60%), comprometendo quase 74% da receita corrente líquida. Em 2016, foram cerca de R$ 34 bilhões em salários, de acordo com a Comissão de Tributação da Alerj. O governo Pezão vai propor contribuição previdenciária de 20% dos salários dos servidores, por dois anos, inclusive para aposentados. Com a queda na arrecadação e o aumento dos gastos com pessoal, o Estado do Rio fechou 2016 desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Um levantamento feito pelo deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), da Comissão de Tributação da Alerj, no Sistema Integrado de Gestão Orçamentária, Financeira e Contábil do Rio (Siafe-Rio), revela que o governo gastou R$ 34,1 bilhões com o pagamento dos servidores dos três poderes no ano passado. O valor corresponde a 73,8% de sua receita corrente líquida, quando a lei prevê um limite de 60%. Só com as despesas do Poder Executivo, segundo fontes do governo, esse índice ficou entre 51% e 54%, também ultrapassando o percentual fixado na LRF, que é de 49%.

De acordo com a Secretaria estadual de Fazenda, os dados de 2016 só serão divulgados no fim deste mês.

O descumprimento da lei deve ser usado como fundamentação para que o estado deixe de conceder reajustes salariais já previstos e lance um programa de demissão voluntária. Outra iniciativa seria a redução da jornada e dos salários dos servidores, mas ela depende de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Já se sabe que essas medidas são contrapartidas discutidas com o governo federal, como parte de um plano de recuperação fiscal para o Rio. E é por isso que o pacote de austeridade enviado pelo estado à Alerj em novembro do ano passado — alvo de protestos de servidores e de oposição ferrenha da maioria dos deputados da Casa — deve voltar à pauta. Uma fonte do Executivo garantiu que o pacote, com 22 projetos, será enviado para votação “praticamente na íntegra”.

REAJUSTES ADIADOS

Uma das propostas que devem ser reenviadas é a que adia reajustes de servidores da área de segurança e de auditores para 2020. Agora, ela seria embasada pela violação dos limites de gastos com pessoal estabelecidos pela LRF. Em dezembro passado, o projeto acabou sendo devolvido ao Palácio Guanabara pelo presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB).

Também voltará à Casa a proposta de elevar a contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%. Além disso, o governo pretende cobrar, por dois anos, um adicional de 6% (no projeto original, o índice era 16%). Nesse período, a alíquota seria de 20%.

Para inativos e pensionistas que recebem abaixo do teto da Previdência (R$ 5.189) — hoje eles não contribuem —, está prevista também uma cobrança temporária, por 24 meses, de 20% (no projeto original, a contribuição seria de 30%).

O governo sabe que as propostas são polêmicas e enfrentarão forte resistência na Alerj, mas diz que elevar receitas é crucial para reequilibrar as contas.

No acordo entre União e Rio, também há medidas de contenção de gastos, como a redução da jornada de trabalho, com a diminuição proporcional da remuneração dos servidores. No entanto, a avaliação é que, mesmo que essa medida seja homologada pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentará ainda mais rejeição que um aumento da contribuição previdenciária.

— Além de ter um impacto pequeno em termos de corte de gastos, a redução da jornada e dos salários é muito polêmica e será difícil de ser implementada — admitiu um integrante da equipe econômica.

Nas contas preliminares feitas pelo Ministério da Fazenda e pelo governo do Rio, a privatização da Cedae, outro item do acordo, renderá R$ 4 bilhões ao estado. Não haverá federalização da empresa. A ideia é que os recursos da privatização sejam antecipados ao Rio pelo Banco do Brasil e que o estado não possa voltar atrás. Por isso, as ações da Cedae devem ser repassadas ao banco como garantia.

Outra parte do acordo é a antecipação de receitas dos royalties que o estado tem a receber pela exploração de petróleo. Segundo os técnicos, no entanto, essa medida não trará recursos tão expressivos, porque boa parte deles já está comprometida por operações anteriores. A iniciativa deve render cerca de R$ 3 bilhões.

Já com o aumento da contribuição previdenciária, deverão ser arrecadados R$ 2 bilhões.

O plano inclui ainda a renegociação das dívidas do Rio tanto com a União, quanto com bancos públicos e organismos multilaterais. Durante sua vigência, os pagamentos ao governo federal ficarão suspensos.

— A ideia é tentar fazer com que a suspensão fique dentro do prazo de três anos — disse um técnico.

Para reduzir despesas, o acordo prevê também a extinção de empresas estatais. Entre as que podem ser fechadas, estão a Companhia de Armazéns e Silos do Rio e a Companhia de Desenvolvimento Rodoviário e Terminais do Rio.

Ao todo, as ações do acordo somam R$ 20 bilhões somente em 2017. Até 2020, o valor chega a cerca de R$ 50 bilhões.

Das 22 medidas propostas por Pezão no pacote anticrise no ano passado, só oito foram votadas na Alerj e apenas sete aprovadas.

— Vai ser muito complicado. A Alerj é um ponto fundamental. Se não aprovar, não tem acordo (com o governo federal) — avaliou uma fonte do governo estadual.

ALERJ TERÁ 4 MESES PARA VOTAR MEDIDAS

Além do pacote reciclado, deverão ter que passar pela Alerj também a privatização da Cedae e a redução da jornada de trabalho e dos salários dos servidores. Como o governo teve vida difícil na Casa no final de 2016, o presidente Jorge Picciani (PMDB) pretende colocar essas medidas em votação apenas quando o estado conseguir regularizar os salários. Só que nem o alto escalão do Poder Executivo sabe com precisão quando isso vai ocorrer.

— O governador está buscando alternativas. Ainda não há certeza sobre quando vai ser regularizada a folha de pagamento — disse um interlocutor de Pezão.

Uma vez assinado o acordo, o que deve acontecer na semana que vem, a Alerj terá quatro meses após para aprovar os projetos. Ao GLOBO, Picciani disse anteontem que o alívio provocado pelo adiamento do pagamento das dívidas com a União vá acalmar os ânimos dos servidores.

Sindicatos e outras entidades do funcionalismo, entretanto, criticaram as contrapartidas exigidas pelo governo federal, principalmente o aumento das contribuições dos servidores e a redução dos salários. Ontem, o Movimento Unificado dos Servidores Públicos do Estado do Rio fez uma manifestação na porta do Ministério Público, cobrando o engajamento do órgão na crise do estado. Integrantes do movimento vão protocolar hoje um novo pedido de impeachment de Pezão e do vice-governador Francisco Dornelles. O documento cita irregularidades nas isenções fiscais concedidas pelo estado.

Em meio às negociações com a União, Pezão aproveitou sua passagem por Brasília para se encontrar com o ministro dos Transportes, Maurício Quintella, e pedir a transferência do Arco Metropolitano para o estado. O objetivo do governo seria conceder a estrada à iniciativa privada logo em seguida, para não precisar arcar com os custos de manutenção e, eventualmente, ainda receber recursos.

O PACOTE INICIAL ENVIADO À ALERJ

Projetos devolvidos para o governo:

REAJUSTE SALARIAL: Adiamento para 2020 de aumentos para funcionários da área da segurança pública, bombeiros e auditores fiscais que entrariam em vigor a partir deste ano. Se aprovada, a medida geraria uma economia de R$ 2,4 bilhões no terceiro ano.

ALÍQUOTA EXTRAORDINÁRIA: Criação de alíquotas previdenciárias de 30% para os inativos que ganham até R$ 5.189, que são isentos, e de 16% para todos os servidores. A cobrança seria por 16 meses. O projeto será refeito com percentuais menores.

Proposta rejeitada:

AJUDA FINANCEIRA: Fim dos programas para cidadãos de baixa renda, o Renda Melhor e o Renda Melhor Jovem. Foi a única medida rejeitada pelo plenário.

O que foi tirado de pauta:

DESCONTO MAIOR: Aumento da alíquota previdenciária dos servidores de 11% para 14% e da contribuição patronal de 22% para 28%.

ESTADO MENOR: Extinção da Fundação Leão XIII, da Superintendência para a Secretaria de Esportes, do Instituto de Terras e Cartografia, da Fundação de Apoio à Pesca, do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, do Instituto Estadual de Engenharia e Arquitetura e do Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio. O fim dos sete órgãos representaria uma economia de R$ 11,7 milhões por ano.

USO DOS FUNDOS: Projeto permite que o estado use 40% das receitas dos fundos de 12 instituições, como Alerj, Corpo de Bombeiros e Polícia Civil, para pagamento de pessoal e da previdência.

TRIÊNIO: Extinção do adicional por tempo de serviço para todos os servidores, civis e militares. A proposta, derrubada por uma liminar, iria gerar uma economia de R$ 202 milhões.

AJUSTE: Adequação dos repasses dos duodécimos (da Justiça, da Alerj, do Ministério Público e da Defensoria Pública) à Receita Corrente Líquida. Hoje os valores transferidos são baseados na previsão de orçamento, não levando em consideração possíveis quedas da arrecadação.

APERTO SALARIAL: Limite para o crescimento das despesas com pessoal dos poderes seria referente a 70% da Receita Corrente Líquida do estado.

Aprovados:

MAIS IMPOSTO: Aumento de ICMS para cerveja, combustível, energia, cigarro e serviços de telecomunicações.

SEM PERDÃO: Fim de qualquer tipo de anistia a devedores de impostos ao longo dos próximos dez anos. Também foi aprovada a proibição de refinanciamento de dívidas.

DÍVIDAS PEQUENAS: O limite para débitos que o estado tem de quitar com dinheiro em espécie ou depósito em conta caiu de 40 para 20 salários mínimos.

COBRANÇA: Criação de um modelo de intimação eletrônica para cobranças da Secretaria de Fazenda, o que, de acordo com o governo, agilizará processos e reduzirá custos e tempo.

BARCAS: Moradores de Paquetá e Ilha Grande isentos de Imposto de Renda têm direito à gratuidade, e os outros pagam metade do valor da tarifa.

BILHETE ÚNICO: Os isentos de Imposto de Renda continuam contando com o benefício. O restante perde o subsídio.

 

O globo, n. 30475, 13/01/2017. Rio, p. 8