Refresco na dívida pública 
Marcello Corrêa e Rennan Setti 
13/01/2017
 
 
Redução da Selic permitirá economia de R$ 75 bi com pagamento de juros este ano

RIO, BRASÍLIA E SÃO PAULO- As consequências da redução da taxa básica de juros devem ir além do estímulo ao crescimento econômico. Entre os efeitos positivos observados por analistas está a redução do custo de financiamento da dívida pública. Segundo cálculo do ex-diretor do Banco Central (BC) e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, o governo deve economizar até R$ 75 bilhões com o pagamento de juros da dívida em 2017, graças à Selic menor. O corte da taxa também ajudou a turbinar o mercado de capitais. Ontem, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) reagiu com otimismo à decisão do BC e subiu 2,41%, puxada por papéis dos setores de consumo e imobiliário, que se beneficiam de juros menores. O dólar recuou 0,5%, a R$ 3,176.
Fonte: Banco Central e bancos Editoria de Arte

A economia esperada por Freitas equivale a 20% do montante pago em juros pelo governo em 2016, que chegou à casa dos R$ 370 bilhões, segundo dados de novembro, os mais recentes. O especialista estimou, para a simulação, que a Selic fechará 2017 em 10% ao ano — vários analistas, porém, já falam em taxa de um dígito —, ficando, em média, em 11,3% ao ano. Dessa forma, o gasto com juros da dívida ficaria em R$ 498,7 bilhões, em vez dos R$ 574,4 bilhões a que chegaria com a Selic a 13% ao ano.

O economista destaca, no entanto, que esse número pode variar de acordo com outros fatores, como o custo das intervenções do BC no mercado de câmbio para suavizar a volatilidade do dólar e os juros futuros, fixados pelo mercado. Ainda assim, só os juros da dívida diretamente indexada à Selic (que representa 43% do saldo total) cairiam cerca de R$ 33 bilhões.

— Pode significar queda de 1 ponto percentual na relação juros/PIB — diz Freitas.

PROJEÇÕES APONTAM SELIC DE UM DÍGITO

Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria, afirma que o impacto fiscal já começou a ser sentido no ano passado, quando as expectativas positivas com as medidas econômicas do governo Michel Temer fizeram o mercado financeiro revisar para baixo os chamados juros futuros, que, na prática, determinam o custo de financiamento da dívida pública. Agora, essa tendência deve se acelerar.

— Esse movimento de queda de juros está acontecendo desde 2016. Desde que o governo Temer assumiu e criou-se uma perspectiva positiva, a curva de juros futuros vem caindo. Com a Selic de fato caindo, tem um efeito ainda maior — avalia o analista, que estima economia um pouco menor, de R$ 17 bilhões, com a redução da Selic.

Klein destaca que esse alívio ajudará também no resultado primário, calculado antes do pagamento dos juros da dívida pública, embora não seja suficiente para estabilizar a relação entre a dívida e o PIB — um dos principais indicadores da saúde fiscal de uma economia.

— Com pagamento de juros menor, o (resultado) primário necessário para fazer a dívida parar de crescer também é menor. Além disso, uma Selic reduzida também produziria uma folga para a economia, retomaria o crescimento e, consequentemente, melhoraria a arrecadação, o que deve também ter um efeito fiscal — diz Klein.

Freitas pondera que o efeito dos juros menores sobre a trajetória da dívida será reduzido:

— Mesmo com o corte de juros, estimamos que a dívida chegará a cerca de 80% do PIB. No ano passado, deve ter fechado ao redor de 71%. Ainda vai aumentar muito este ano.

As projeções mais recentes para as contas públicas ainda são de antes do corte de juros. Ontem, o Ministério da Fazenda divulgou a pesquisa Prisma Fiscal, referente a dezembro. Esta mostrou que os analistas consultados esperam que o país feche 2017 com rombo de R$ 148,358 bilhões, déficit bem superior ao projetado pela equipe econômica para este ano, de R$ 139 bilhões. A dívida bruta, principal indicador de solvência observado pelo mercado internacional, foi estimada pelo mercado em 76,80% do PIB para 2017. Na previsão anterior, era de 77,70% do PIB. No ano que vem, a estimativa é que atinja 80,4% do PIB.

Economistas do mercado já falam em Selic abaixo de 10% ao ano no fim de 2017 — não se tem uma taxa de um dígito desde outubro de 2013. Pelo menos sete bancos divulgaram ontem previsões que variavam entre 9,5% e 9,75%. Até semana passada, segundo o boletim Focus, elaborado pelo BC, a expectativa era que a taxa encerrasse 2017 em 10,25%.

Entre os que reviram as contas, está o banco Nomura, que reduziu a projeção para a Selic deste ano de 10% ao ano para 9,5%. Em nota, os analistas explicaram que ficou claro que a decisão do Copom “indica a preocupação crescente do BC com os números fracos da atividade” para ter alterado sua disposição em “cortar mais agressivamente mais cedo”.

O Itaú Unibanco, que mantém a projeção em 10%, admite a possibilidade de revisão e vê “possibilidade real” de uma taxa básica no patamar de um dígito entre 2017 e 2018.

Para José Francisco Gonçalves, economistachefe do banco Fator, o BC será ainda mais veloz no processo de corte de juros. Ele espera redução de 1 ponto percentual na próxima reunião, nos dias 21 e 22 de fevereiro. Assim, a Selic chegaria, já no mês que vem, a 12% ao ano, menor patamar desde dezembro de 2014 (11,75% ao ano). O economista destaca que há fundamentos para o corte mais acelerado, com base no próprio comunicado do Copom, que destaca a forte recessão e a desaceleração da inflação.

— Já estava na minha conta esse comportamento recente das variáveis que o Copom considera. Minha expectativa de atividade já era claramente pior do que a deles, a mesma coisa em relação à trajetória da inflação corrente — destaca Gonçalves, que espera Selic em 9,5% já em outubro (ante previsão anterior de 9,75%).

Ele avalia ainda que os riscos para a inflação estão relativamente controlados, inclusive no cenário externo:

— Temos ainda a perspectiva de piora do mercado de trabalho, que afeta a demanda. Em relação ao cenário externo, temos o fato de que o Fed (Federal Reserve, o BC americano) já subiu os juros e o mundo não acabou. E a transmissão da variação do câmbio para a inflação está insignificante, considerando a recessão.

No Planalto, a perspectiva de uma Selic abaixo de 10% foi recebida com torcida. Em evento na Baixada Santista ontem, Temer afirmou que, “pouco a pouco”, o país chegará a juros de um dígito:

— Sem querer dar palpite na área financeira, vamos nessa toada, pouco a pouco, sair dos dois dígitos para um dígito em matéria de juros.

O otimismo com o corte ousado da Selic — a maior parte dos analistas esperava queda de 0,50 ponto percentual — fez com que a Bovespa ficasse ontem na contramão do mercado internacional, que reagiu mal às declarações de Donald Trump na quarta-feira. Em Nova York, o índice Dow Jones perdeu 0,59%, e o S&P, 0,52%. No ano, a Bolsa brasileira acumula alta de 6,19%, de longe o melhor resultado entre os principais índices acionários do mundo. Já o dólar comercial chegou a ser negociado a R$ 3,159 na mínima do dia. A divisa não ficava abaixo de R$ 3,16 desde 27 de outubro.

— Com menos juros, a arrecadação aumenta a curto prazo. É um efeito indireto mas positivo. Existem muitas empresas endividadas, pagando um alto custo de dívida. Quando o juro fica menor, as empresas têm um pouco mais de fôlego para investir, contratar, e isso aumenta a arrecadação. Outro efeito é sobre o carregamento da dívida soberana, cuja taxa diminui com o corte dos juros — diz Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora.

Papéis ligados a consumo se beneficiaram. A BR Malls, de shoppings, saltou 8,51%, e as Lojas Americanas, 7,36%. O Pão de Açúcar teve alta de 5,76%, e as Lojas Renner, de 6,68%.

A Gafisa registrou valorização de 7,55%, e a Cyrela subiu 2,99%. A Rossi, que já havia disparado 15,67% ontem, chegou a avançar mais de 4% mas encerrou com queda de 0,49%. Em 2017, as ações acumulam alta de 49,63%.

No mercado de juros, há ajuste nos contratos futuros. Os DIs para 2019 caíram de 10,84% para 10,47%. Para 2021, a taxa caiu de 11,11% para 10,77%. Para 2023, passou de 11,36% para 11,05%.

— Parte do mercado já migra para taxa Selic no final de 2017 abaixo de 10% — diz Rafael Sabadell, gestor da GGR Investimentos.

Colaboraram Martha Beck, Silvia Amorim e Juliana Garçon -SÃO PAULO- Com a perspectiva de queda acentuada dos juros em 2017, os fundos de pensão, que administram um patrimônio de mais de R$ 750 bilhões, terão de buscar alternativas de investimento com remuneração mais elevada que a dos títulos públicos para cumprir suas metas de rentabilidade. Para isso, devem procurar aplicações de maior risco, como os fundos multimercados, ações e títulos privados.

Com a Selic de 14,25%, que vigorou até outubro de 2016, e a inflação medida pelo INPC, que fechou 2016 em 6,58%, foi possível bater a meta atuarial — em geral, INPC mais 5% no ano. Mas, à medida que os juros caem, a Selic já está em 13%, alcançar essas metas ficará mais difícil.

— As fundações continuarão privilegiando o conservadorismo, mas, com a redução dos juros e a inflação controlada, as entidades tendem a rever, aos poucos, as suas aplicações e a buscar outros segmentos — diz Luís Ricardo Martins, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).

Marcus Moreira, diretor de investimentos da Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil, que tem mais de R$ 165 bilhões em patrimônio), confirma que a instituição tem interesse em voltar a comprar títulos privados.

— Com o potencial de volta da economia em 2017, existe a expectativa de mais emissões por parte das empresas, e a Previ tem, sim, interesse nesses papéis, mas desde que o risco seja condizente com a nossa política — explica.

No Petros, o fundo dos funcionários da Petrobras, também haverá migração de investimentos, mas priorizando ainda os títulos públicos. Segundo o presidente da fundação, Walter Mendes, é possível bater a meta atuarial apenas com a aplicação em papéis do governo corrigidos pela inflação, as NTN-Bs. Com a redução dos juros, ele vê uma atuação mais ativa dos gestores do Petros, com apostas em prefixados.

— Vai ser uma gestão mais ativa. Ainda dá para aproveitar os títulos públicos, enquanto o rendimento estiver acima da nossa meta atuarial — pondera, acrescentando que, no fundo dedicado aos funcionários que entraram depois de 2007, há a possibilidade de aumentar a exposição em ações, que hoje é de 8% do patrimônio e pode chegar a 15% pelo plano de investimento.

Jorge Simino, diretor de investimentos da Funcesp, o fundo dos funcionários da Cesp, explica que, desde o final do ano passado, vem aumentando suas aplicações em fundos multimercados. Cerca de R$ 350 milhões já foram direcionados a essas aplicações, e o volume deve chegar a R$ 800 milhões em 30 dias. Também houve uma alocação menor em ações, de R$ 100 milhões.

— Está claro que vamos ter de fazer essa mudança, mas a migração vai depender da velocidade e do tamanho da queda da Selic. Conforme cair, teremos de tomar mais risco — afirma.

O apetite das fundações por ativos de maior risco também deve ajudar a trazer maior liquidez ao segmento de títulos privados no mercado de capitais.

— Há três anos, as fundações não têm uma participação expressiva no mercado de dívida local. Com a queda do juro, eles devem migrar para o crédito privado. Isso vai ajudar a alongar os prazos das emissões — avalia Leandro Miranda, diretor do Bradesco BBI.

O globo, n. 30475, 13/01/2017. Economia, p. 17