Possível enxurrada de ações preocupa AGU e silencia estados

17/02/2017

 

 

No processo, Advocacia-Geral da União alertou que dinheiro de indenizações seria mais bem empregado na adoção de melhorias do sistema

Depois que o Supremo Tribunal Federal determinou o pagamento de indenização ao detento que entrou na Justiça para ser ressarcido pelas condições degradantes na prisão, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e as secretarias de Administração Penitenciária de Rio e São Paulo decidiram não comentar o assunto, que poderá ter reflexo direto sobre o orçamento do sistema prisional. Como a decisão tem repercussão geral, o Judiciário nos estados deverá seguir o entendimento da Suprema Corte. E quem paga a conta é o Executivo.

O governo federal, no entanto, se pronunciou por meio da Advocacia-Geral da União no processo e alertou que as recursos destinados às indenizações poderiam ser utilizados no aperfeiçoamento do sistema. “O valor correspondente à indenização por danos morais, a ser paga ao recorrente, será destinado ao seu patrimônio particular e deixará de ser utilizado em prol da ampliação e melhoria do sistema penitenciário. Assim, os demais apenados e a sociedade como um todo sairão prejudicados”, argumentou a AGU.

Especialistas veem na decisão uma maneira de alertar a sociedade para a caótica situação do sistema penitenciário brasileiro. No início do ano, mais de 130 presos morreram nas cadeias brasileiras. A socióloga Julita Lemgruber, que já dirigiu o sistema carcerário do Rio e é responsável pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, afirmou que a medida serve para que o Estado entenda que o problema das prisões se tornou insuportável.

— Acho surpreendente que o Judiciário se movimente e se posicione em relação a um problema insuportável. As administrações estaduais ignoram uma Lei Federal de 1984 (que trata das garantias aos presos), e a Justiça, historicamente, não cobrou o Poder Executivo a cumprir a lei. Essa manifestação do STF deve ser aplaudida e bem-vinda, mas veio tarde, porque a Justiça brasileira já devia ter se manifestado em relação a isso há muito tempo.

Diretor-adjunto da Conectas Direitos Humanos, o advogado Marcos Fuchs afirma que a decisão do Supremo é um marco, pois, segundo ele, o poder público negligencia o tratamento dado aos presos desde o Império. Para Fuchs, a multa ao estado deveria ser fixada em um valor maior de R$ 100 mil para pressionar os governos a darem condições mínimas de dignidade aos detentos.

— Recentemente, entrei em uma unidade em São Paulo que deveria ter 12 presos, mas tinha 64. Todos os estabelecimentos penais têm presos nessas condições degradantes — diz Marcos Fuchs. D

O globo, n. 30510, 17/02/2017. País, p. 3