Igualdade, sem culpa

José Casado 

15/02/2017

 

 

O Supremo Tribunal Federal aceitou, preliminarmente, a tese do presidente Michel Temer de que ele não é Dilma Rousseff e seu ministro, o piauiense Wellington Moreira Franco, 72 anos, ex-governador do Rio, não é o pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva, 71 anos, ex-presidente da República.

No texto da petição ao STF em defesa da nomeação do ministro, o governo Temer fez questão de repetir que Moreira não é Lula nada menos de 15 vezes. Insistiu tanto que acabou errando de Moreira.

Na 34ª das 50 páginas do requerimento governamental, o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência, Luís Carlos Martins Alves Jr., escreveu — e assinou: “Ademais, cuide-se que o ministro Moreira Alves não tem qualquer condenação judicial penal transitada em julgado”.

Acrescentou: “Também não é alvo de qualquer ação proposta pelo Minispartilha tério Público no curso da denominada “Operação LavaJato”. Nesse sentido, Sua Excelência está protegido pelo sagrado manto da presunção constitucional de inocência. E, segundo a Constituição, para ser escolhido e nomeado ministro de Estado há apenas 2 (duas) condições: a) ser brasileiro maior de 21 (vinte e um) anos; e b) estar no exercício dos direitos políticos. O ministro Moreira Alves preenche esses 2 (dois) requisitos constitucionais”.

O paulista Moreira Alves, leva o prenome de José Carlos, tem 83 anos de idade dos quais 27 anos e dez meses vestido com a toga de juiz do Supremo — depois de ter sido chefe de gabinete do falecido ministro da Justiça Alfredo Buzaid, arquiteto do AI-5, o ato institucional que em 1968 escancarou a ditadura militar.

Conservador, Moreira Alves se aposentou em 2003, ano em que o PMDB de Temer e Moreira Franco se juntou a Lula numa sociedade de propósito específico — a do poder. A associação terminou no impeachment de Dilma Rousseff. Proporcionou a Presidência da República a Temer que, agora, com o aval do Supremo, deu ao amigo Moreira Franco aquilo que ele mais desejava, o poder com a imunidade do foro privilegiado.

Moreira Franco tem boas razões para tanto, em meio às denúncias de derramas milionárias dos cofres de empreiteiras para cúpulas partidárias, como a do PMDB. Um único executivo da Odebrecht, Claudio Melo Filho, citou seu nome — sem confundi-lo com outros Moreiras — nada menos que 35 vezes, em depoimento sobre o hábito da conversão de propinas empresariais em financiamento eleitoral a partidos e políticos.

Ontem, o juiz Celso de Mello usou despachos antigos de Moreira Alves para concluir que Moreira Franco pode ser ministro com foro privilegiado — ao contrário, do que ocorreu com Lula, por decisão do juiz Gilmar Mendes. “A mera outorga da condição político-jurídica de ministro de Estado não estabelece qualquer círculo de imunidade”, registrou Mello na sentença. “[O nomeado] também não dispõe de quaisquer benefícios adicionais ou vantagens processuais em razão da prerrogativa de foro de que é titular”.

Pelo que escreveu o juiz Mello, independente do tribunal, Moreira Franco, Lula ou qualquer outro ministro, deve receber da Justiça “igualdade de tratamento aplicável a qualquer outro cidadão da República”. Ou seja, todos são iguais perante a lei, ainda que a maioria dos atuais cinco mil beneficiários entenda o foro privilegiado — no caso, o Supremo — como uma distinção de que são mais iguais que os outros.

Se é real o Brasil do juiz Mello, o Congresso tem razões de sobra para aprovar o fim do foro privilegiado. Os parlamentares deveriam eliminar a regalia, até para que se sintam no conforto da igualdade de direitos, como ela é percebida pelo ministro-decano do Supremo Tribunal Federal. 

O globo, n. 30508, 15/02/2017. País, p. 3