Brasil tem ritmo recorde de envelhecimento

Camilla Veras Mota

31/12/2016

 

 

No último dia 17, Euclydes Barbulho reuniu os quatro irmãos em sua casa. Com eles, outros 60 parentes, entre filhos, netos e agregados, para festejar a longevidade dos anfitriões. Caçula, Euclydes tem 82 anos. Jandyra tem 87, Egydio, 90, Zilda, 92, e Adelina, 94. Juntos, são 445 anos. "Quase a idade da Mooca!", comemora Euclydes, referindo-se ao bairro em São Paulo que acolheu seus pais, imigrantes italianos, no fim do século 19, e no qual a família vive desde então.

Improváveis há algumas décadas, encontros como o dos Barbulho devem ficar cada vez mais comuns no Brasil. A América Latina, junto da Ásia, é atualmente a região em que a população envelhece mais rapidamente, como constataram os economistas Rogério Nagamine Costanzi, especialista em Previdência, e Julimar da Silva Bichara, da Universidade Autónoma de Madrid.

Com base nas últimas projeções de população da Organização das Nações Unidas (ONU), eles verificaram que a proporção de pessoas com mais de 60 anos na América Latina deve saltar dos atuais 11,2% para 37,4% em 2100, nível maior do que o previsto para a Europa, hoje o continente mais envelhecido, 35%.

Para o Brasil, a expectativa é ainda superior, 38,8% em 2100, ante 11,7% atualmente. A marca dos 33%, afirma Costanzi, chegaria ainda em 2060, de acordo tanto com as projeções da ONU quanto com as do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que só divulga estimativas até esse período. A principal fase de envelhecimento duraria entre 2020, quando se encerra o chamado "bônus demográfico", até as décadas de 2060 e 2070, quando o nível passaria a crescer em ritmo bem menos acelerado.

Apenas nos próximos 25 anos, a proporção de latino-americanos com mais de 60 anos avançará de 11% para 20% da população, metade do tempo que os europeus levaram para fazer essa transição, entre 1950 e 2000.

"Há risco que a América Latina fique velha antes de ficar 'rica', com importantes consequências para o desenvolvimento", pondera Costanzi, que é ex-diretor do departamento do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e ex-coordenador-geral de estudos previdenciários do Ministério da Previdência Social.

E o risco não recai apenas sobre o desenvolvimento, mas também sobre os regimes de aposentadoria e de seguridade social, ele lembra. Com a queda contínua das taxas de fecundidade e de mortalidade, todos os países do mundo contarão com número cada vez menor de trabalhadores para sustentar suas respectivas previdências. No Brasil, a chamada razão de dependência passou de 5,4 idosos de 65 anos ou mais para cada 100 pessoas em idade ativa em 1950 para 11,3 para cada 100 com idade de 15 a 64 anos hoje. No cenário desenhado com os números da ONU, em 2100 seriam 61,9 para cada 100 - ou seja, haveria apenas 1,6 pessoas para sustentar cada idoso de 65 anos ou mais.

A reforma anunciada recentemente pelo governo, portanto, seria também uma maneira de manter a viabilidade financeira do sistema brasileiro diante dos desafios que a demografia já coloca, diz o economista. Para Euclydes, contudo, se as mudanças na (PEC que foi enviada ao Congresso devem fazer com que o brasileiro trabalhe mais e ganhe menos depois dos 65, a situação dos aposentados de hoje não é menos desafiadora.

"Eu tenho carro, apartamento... tenho muita coisa, só não tenho dinheiro", ele se queixa, referindo-se à aposentadoria de pouco mais de três salários mínimos. Gerente de recursos humanos - profissional da antiga Fogões Semer por 25 anos -, ele se aposentou aos 60, em 1994, antes da criação do fator previdenciário, em 1999. Naquela época, os benefícios eram definidos a partir de um "coeficiente de cálculo" e o período mínimo de contribuição era de 30 anos.

Entre os quatro irmãos vivos - seus pais, Valentim e Constança, tiveram 12 filhos -, o que está em melhor situação é Egydio, que foi funcionário público da corregedoria da polícia de São Paulo. "O salário dele não caiu tanto", conta. Entre as três irmãs, todas viúvas, Adelina e Zilda não chegaram a trabalhar - "naquele tempo era tudo diferente para as mulheres" - e vivem da pensão paga pelo INSS. Zilda foi feirante, ao lado do marido, e sempre recolheu contribuição previdenciária. Junto da pensão, portanto, ela acumula ainda uma aposentadoria.

Euclydes e a esposa contam com a ajuda dos dois filhos, que moram com as respectivas famílias em dois dos apartamentos que ele comprou quando ainda era gerente de RH. Euclydes diz que "há anos" aconselha o filho a -paralelamente às contribuições ao INSS - começar a investir em uma previdência privada, um pé de meia para o futuro.

Euclydes Junior não vem dando ouvidos ao pai - mas não inteiramente por culpa sua, aquiesce o aposentado. "Hoje em dia as pessoas trocam muito de emprego. A previdência privada depende muito também da iniciativa da empresa. Com essa crise, quem tem dinheiro para separar para a aposentaria?".

Passada a reforma da Previdência, contudo, os brasileiros que queiram manter o padrão de vida após a aposentadoria não terão opção a não ser poupar, avalia Carlos Garcia, da Itajubá Investimentos. Todos os países que passaram por reestruturações bem-sucedidas nos sistemas de previdência, ele afirma, organizam hoje as aposentadorias em três pilares - a pública, que paga benefícios mais modestos, a complementar, patrocinada por empresas e sindicatos, e a individual, feita por iniciativa do trabalhador.

"É assim no Canadá, Austrália, Suíça, Estados Unidos, Holanda...", enumera o economista, que trabalha com previdência complementar desde 1989. No Brasil, contudo, os valores mais generosos pagos pela aposentadoria pública, diz, desestimulam a procura pelos serviços oferecidos pelo setor privado - cenário que tende a mudar com reestruturação proposta pela PEC.

O patrimônio das entidades fechadas de previdência complementar, ressalta Garcia, é de apenas 12,6% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme os dados mais recentes divulgados pela Previdência Social, contra 160% na Holanda, 120% na Suíça, 110% na Austrália e 83% na França.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4164, 31/12/2016. Especial, p. A12.