Valor econômico, v. 17, n. 4188, 03/02/2017. Política, p. A8

Reeleito, Maia reforça agenda do governo

Presidente da Câmara terá atuação independente, dizem aliados

Por: Raphael Di Cunto / Fabio Murakawa

 

Reeleito com 57% dos votos no primeiro turno, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), terá um mandato mais independente do governo nos próximos dois anos, dizem aliados que participaram ativamente da campanha. Essa postura não deve comprometer a agenda de reformas do presidente Michel Temer, até porque Maia é entusiasta delas, mas afetará outras negociações.

A comissão especial que discutirá a reforma da Previdência será instalada na terça-feira, com a presidência do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ) e relatoria de Arthur Maia (PPS-BA). A aliança com a oposição, em especial o PCdoB, porém, fez Maia rever seu calendário, que antes era aprovar tudo até abril. "Será votada o mais rápido possível, garantido o debate e a transparência. O que significa isso? Eu não sei. Espero que seja até o meio do ano", afirmou.

Já a reforma trabalhista terá o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) como relator. O acordo com a oposição é para que tramite nas comissões, onde a discussão sobre o projeto será aprofundada, sem que requerimentos de urgência levem o assunto direto para o plenário.

Mas recuos como não votar mudanças na Lei de Repatriação devido à pressão do governo, por exemplo, não devem se repetir, preveem aliados. Na época, Maia articulou projeto que visava alterar pontos criticados por tributaristas, bancos e interessados em regularizar bens não declarados no exterior, mas, para não melindrar o Palácio, acabou abandonando a ideia. A partir de agora, pelas conversas reservadas que aliados tiveram com o presidente eleito, a postura será mais firme ao pautar projetos com os quais o Executivo não esteja de acordo, mas que ele entender como corretos.

"Ele abaixou a cabeça para muita coisa porque sabia que sua maior chance de reeleição era se alinhar ao governo. Mas agora, com a liberdade de quem terá dois anos de mandato pela frente e o comando da agenda de votações, terá mais força para negociar as pautas de seu interesse", afirma um aliado. Contando com a simpatia de Temer e o apoio da maioria dos ministros, Maia recebeu 293 votos ontem, oito a mais do que os obtidos em julho, no segundo turno da disputa para suceder o ex-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

No primeiro discurso logo após reeleito, Maia negou que o governo tenha se movimentado em busca de votos para ele e disse a única contribuição do Executivo foi que deputados da base sabiam que, com ele, a agenda econômica do presidente Temer tramitará com mais tranquilidade. "A sociedade terá a certeza que a Câmara teve papel decisivo para aprovar as reformas", disse.

Seu principal adversário, o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), um dos principais integrantes do grupo que ficou conhecido como Centrão, teve 105 votos ao apostar num discurso mais corporativista, de defesa dos deputados contra "injustiças" e "agressões" externas. Juntos, os partidos que apoiavam o petebista somaram 39 deputados.

Jovair apostava em dissidências no bloco de 13 partidos e 360 deputados que apoiou formalmente a reeleição de Maia, já que o voto é secreto. Derrotado, preferiu não culpar Temer, a quem chegou a pressionar várias vezes para tentar evitar a interferência de ministros. "Não vou culpar o governo, vou culpar a falta de voto. Democracia é assim mesmo", resignou-se.

André Figueiredo (PDT-CE), que fechou aliança com PT e Rede, registrou mais traições dentro da oposição. Embora o bloco de apoio contasse com 82 deputados, o pedetista terminou com 59 votos. Parte expressiva do PT votou em Maia em troca da promessa de maior interlocução com o eleito e relatorias de projetos importantes, que são negociados pelo presidente da Casa.

Júlio Delgado (PSB-MG), que tentava forçar um segundo turno, teve 28 votos. Luiza Erundina (Psol-SP) recebeu dez apoios e Jair Bolsonaro (PSC-RJ), quatro.

O bloco de 13 partidos que se formou para a eleição dominou os principais cargos da Mesa Diretora da Câmara. Sem parlamentares de expressão nesses cargos, deputados mais experientes avaliam que a força do presidente será ainda maior sobre as questões administrativas.

Sem apoio formal de seu partido e do governo, o deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG) foi eleito primeiro vice-presidente ao derrotar em segundo turno seu colega de partido Osmar Serraglio (PR) por 265 votos a 204. A vitória expôs um racha na bancada pemedebista. Os dois lançaram candidaturas avulsas, desafiando o candidato oficial do PMDB, Lúcio Vieira Lima (BA), irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, que não conseguiu sequer passar do primeiro turno.

Um ponto que pode fragilizar o presidente eleito, por outro lado, é o Judiciário. Além de acusações contra ele na delação premiada da Odebrecht, a candidatura à reeleição foi contestada pelos adversários em mandados de segurança liminarmente rejeitados pelo ministro relator no Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, mas o mérito ainda não foi analisado.

Adversários alegam que a Constituição e o regimento da Câmara vedam a reeleição em uma mesma legislatura. Maia, por sua vez, diz que a regra não se aplica a ele porque a estar cumprindo mandato tampão. Mello acolheu a tese ao rejeitar os mandatos, mas o voto dos demais ministros, caso o assunto vá para o plenário, ainda não é conhecido.

A agenda da Câmara envolve pautas de conflito com o Judiciário, como a regulamentação dos ganhos salariais acima do teto e uma nova Lei de Abuso de Autoridade. Maia se comprometeu em pautar os assuntos, mas diz que o teor dos projetos dependerá dos relatores e não necessariamente criará tensão com os Poderes.

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VITÓRIA INDICA MAIORIA PARA REFORMAS

Por: Raymundo Costa

 

A vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) mostra que o governo conta com uma maioria confortável para negociar as reformas trabalhista e previdenciária. Maia venceu no primeiro turno, com 293 votos, apenas 15 a menos que o número necessário para aprovar emendas constitucionais, o que exige o quórum qualificado de 308 votos.

A situação pode ser considerada ainda mais confortável para o governo quando se verifica que Jovair Arantes (PTB-GO), o candidato dissidente da base aliada, foi escolhido por 105 colegas. No somatório, chega a 398 o total de deputados federais com os quais o presidente Michel Temer pode contar no Congresso para concluir seu governo com a tranquilidade que permitir a Lava-Jato e a recuperação econômica.

Chega a ser redundância dizer que Temer foi o grande vitorioso da eleição. O presidente é um especialista em eleições na Câmara dos Deputados. Sem a caneta nas mãos, ganhou quatro difíceis - três para a presidência da Casa, sendo que em uma delas por apenas um voto de diferença, e o impeachment de Dilma. Agora, com a caneta na mão, seu apoio desde cedo desenhou a vitória de Rodrigo Maia. A única dúvida existente era de ordem jurídica, desfeita ontem à noite pelo STF.

A eleição de Rodrigo Maia acaba de vez com o comando duplo da base aliada na Câmara, que chegou ao paroxismo no período Dilma Rousseff-Eduardo Cunha. A Câmara agora tem comando político unificado. O Centrão deixa de existir no formato configurado pelo ex-deputado Eduardo Cunha, que perpassava as instâncias partidárias. Permanece, sem organicidade, talvez mais parecido com ideologia do Centrão original, que funcionou na Assembleia Nacional Constituinte - um grupo conservador nos costumes e de matiz mais liberal na economia. Permanece, sobretudo, o que foram todos os "centrões" - essencialmente fisiológicos e governistas.

A votação de Maia reforça uma contradição da gestão Temer, um governo cuja popularidade é débil, mas é muito forte no Congresso. A eleição de Maia, a aprovação do teto para os gastos públicos, a mudança na lei do petróleo - a biografia do presidente Temer no Legislativo já supera tudo o que os governos fizeram desde o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

Isso não quer dizer necessariamente que a aprovação das reformas será um passeio para a coordenação política do governo, agora sob a regência do consulado do PSDB. Já não se vai mais discutir temas abstratos para a população, como um teto para o gasto público, mas sim medidas que afetam o bolso das pessoas, como aposentadorias e contratos de trabalho.

A mistura de baixa avaliação com a votação de medidas impopulares pode resultar numa combinação explosiva. E não é só: o governo tem pressa e fala em aprovar as reformas ainda no primeiro semestre, porque sabe que depois de julho o ambiente político começa a gravitar em torno das eleições para presidente, governador, senador e deputados de 2018. Quanto mais próxima for a eleição, menor será a disposição de deputados e senadores para tirar direitos ou privilégios (depende do ponto de vista) previdenciários ou trabalhistas do eleitorado.

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Temer faz apelo por aprovação de mudanças

Por: Andrea Jubé e Vandson Lima

 

Consolidada a base aliada no formato desde sempre idealizado pelo Palácio do Planalto, com o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) no comando do Congresso Nacional e Rodrigo Maia (DEM-RJ) reeleito para a presidência da Câmara já no primeiro turno, o presidente Michel Temer reforçou ontem o apelo aos parlamentares pela aprovação das reformas estruturantes. Em mensagem ao Legislativo, Temer afirmou que o país atravessa uma crise, e por isso é o momento de "encarar sem rodeios as grandes reformas de que o Brasil precisa".

O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que foi o portador da mensagem presidencial, negou que a eleição de Rodrigo Maia provoque um racha na base governista. A vitória no primeiro turno era um desejo do Planalto para confirmar a efetiva "desidratação" do antigo Centrão, bloco formado por PR, PP, PSD, PTB, PRB e PSC, conforme preconizado por Temer logo que assumiu a interinidade.

Padilha disse que Temer está cuidando pessoalmente da recomposição da base.

De fato, logo após a votação, o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), foi recebido por Michel Temer no Palácio do Planalto. Jovair estava acompanhado do presidente do PTB, Roberto Jefferson. Jovair era o principal representante do antigo Centrão. Relator do pedido de impeachment na Câmara, Jovair esperava apoio do Planalto para a presidência da Casa, mas não obteve esse respaldo.

"Tivemos aqui a essência da democracia, que é a disputa. Temer foi o construtor dessa base e já deve, neste momento, ter conversado com os perdedores. Vamos ter uma recomposição da base do governo em sua plenitude", disse o ministro.

Padilha afirmou, ainda, que o governo encara 2017 "como o ano de grande reformas". A reforma da Previdência Social, no calendário governo, "será votada em definitivo no Senado antes de 30 de junho", assegurou. "Quem precisa da reforma são os brasileiros. Se não fizermos, mesmo com o teto [de idade], em 2025 todo o orçamento será para folha de pagamento, saúde, educação e previdência", reforçou.

Foi exatamente este o teor da mensagem de Temer, lida ontem aos deputados e senadores. "É hora de encarar sem rodeios as grandes reformas de que o Brasil precisa, vitais para restaurar a credibilidade que traz investimentos, que gera empregos", diz o documento.

Na mensagem, Temer afirma que a missão mais premente é salvar a Previdência Social. "Sabemos todos que o assunto é sensível - mas é inadiável. Hoje, as contas da Previdência simplesmente não fecham, e a realidade demográfica se impõe", diz o presidente.

Temer alerta os parlamentares que a reforma é fundamental para garantir as aposentadorias de amanhã, para garantir futuro mais seguro para nossos jovens. "E é fundamental, desde logo, para a solidez das contas públicas, para a credibilidade da economia, para novos investimentos, para a geração de empregos", ressalta.

Por fim, Temer afirma que outra prioridade é a recuperação dos empregos, que está atrelada à "readequação trabalhista". Temer defende "regras mais ajustadas à economia contemporânea", sem suprimir direitos. Na conclusão, Temer diz que "em 2016, a verdade triunfou sobre o ilusionismo, e em 2017, a confiança triunfará sobre o desânimo".

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Contra desgaste, Câmara terá porta-voz

Por: Raphael Di Cunto

 

Para evitar o desgaste de aparecer como a "cara" de votações polêmicas, como ocorreu nas "10 Medidas Contra a Corrupção", o presidente reeleito da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pretende colocar um porta-voz para falar pela Casa, nos moldes do que é feito pelo Executivo e quebrando da tradição no Legislativo, onde é o presidente que externa as posições institucionais.

A indicação de um porta-voz faz parte da reestruturação na comunicação da Câmara, de acordo com aliados. Segundo Maia confidenciou a deputados próximos, o porta-voz evitaria uma exposição excessiva de sua imagem, principalmente em pautas que ele considera negativas, e garantiria uma posição institucional, melhorando o diálogo com a sociedade.

Uma reclamação recorrente nas visitas que o agora presidente reeleito fez a deputados em busca de votos foi a falta de explicação sobre os assuntos que a Câmara votou.

As maiores críticas foram a duas situações que ocorreram nos sete meses de gestão de Maia: a tentativa de os partidos aprovarem, numa segunda-feira à noite e fora da pauta pública de votações, a anistia ao caixa dois eleitoral para se antecipar a delação premiada da Odebrecht; e a votação das 10 medidas, projeto do Ministério Público protocolado com apoio de dois milhões de assinaturas e enxugado pela Câmara. Para parlamentares, faltou uma posição institucional mais clara sobre o que foi aprovado.

Ao Valor, o presidente da Câmara confirmou a ideia do porta-voz, mas não quis dar detalhes.

O indicado pode ser um parlamentar com boa comunicação ou alguém de fora da Câmara, segundo fontes. No caso do presidente Michel Temer, foram sondados jornalistas de renome para o cargo, mas o escolhido foi o diplomata Alexandre Parola, que exerceu a função também no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O presidente pretende também reestruturar a comunicação para atingir as redes sociais e WhatsApp, ferramentas que têm rapidamente disseminado informação. A ideia é, além de monitorar a mídia tradicional, acompanhar blogs e mídia alternativa, como movimentos sociais no Facebook, e publicar respostas claras com o posicionamento da Câmara.

O foco será explicar as grandes reformas que estão na agenda, como a previdenciária e a trabalhista. Em 2015, ao votar a regulamentação da terceirização, as redes sociais tiveram pesada influência sobre a opinião pública, afetando o voto dos deputados. Maia, que por várias vezes criticou a falhas na comunicação do governo sobre os projetos propostas, não quer que essa repercussão negativa afete as votações na Câmara.