Valor econômico, v. 17, n. 4197, 16/02/2017. Política, p. A10

Câmara aprova repatriação, mas exclui parentes de políticos

Nova rodada permitirá retificação; Senado poderá voltar ao texto original

Por: Raphael Di Cunto

 

A Câmara dos Deputados aprovou, por 303 votos a 124, projeto de lei que abre uma nova janela do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, que foram mantidos ou remetidos ilegalmente no exterior - que ficou conhecido como repatriação.

O grande impasse era o artigo articulado pelo líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), para permitir que parentes de políticos com mandato e servidores públicos em cargos de direção fossem proibidos de regularizar recursos. PCdoB e PPS apresentaram emendas para voltar à versão original, dizendo que essas pessoas são usadas como "laranjas". Um destaque do PCdoB foi aprovado e a permissão para parentes de políticos participarem do programa foi retirada do texto.

A proibição para políticos e servidores, incluindo parentes até segundo grau, foi aprovada quando o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso, comandava a Câmara. Jucá, um dos investigados na Operação Lava-Jato, manteve a proibição de políticos e agentes públicos após pressão da oposição, mas liberou a entrada de parentes.

O relator do projeto na Câmara, Alexandre Baldy (PTN-GO) estendeu a anistia para os parentes que aderiram na primeira rodada, quando a lei vedava, desde que a origem do dinheiro não tenha relação com as atividades exercidas pelo político.

Após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), informar que a votação seria nominal, todos os partidos apoiaram a exclusão dos parentes. A permissão para que participem do programa, contudo, pode voltar ao projeto no Senado, que decidirá qual das versões será encaminhada para sanção. Governistas afirmavam que havia acordo para que os senadores retomassem a liberação.

Com apoio do Palácio e dos governadores, que se reuniram com parlamentares ontem para pedir a aprovação do projeto, a segunda rodada do programa teve votação muito mais expressiva que da primeira vez, ainda no governo Dilma. Naquela ocasião, PSDB, DEM, PSB, PPS, Psol e Rede votaram contra a proposta, aprovada por 230 a 213.

Desta vez, o único partido da base a se manifestar contra foi o PPS. "Não podemos concordar com essa anistia para recursos que foram fruto de sonegação, e que esse dinheiro possa voltar com alíquota bem menor que a paga pelo cidadão comum, que é de quase 50%, e ainda permitindo que agentes políticos se beneficiem", disse o líder do partido, Arnaldo Jordy (PA).

Já as demais legendas que faziam oposição ao governo Dilma, mas agora são base do presidente Michel Temer, defenderam o texto. "Atento à solicitação dos governadores e ao momento difícil que o Brasil passa, o PSDB não poderia virar as costas a uma medida como essa", afirmou o líder da bancada, Ricardo Tripoli (SP).

O projeto anistia os crimes de quem manteve ou enviou dinheiro e bens para o exterior, como sonegação e evasão de divisas, em troca do pagamento de imposto de renda de 15% e multa de 20% sobre os bens regularizados. Na primeira rodada, o valor era um pouco menor, de 30%, e com câmbio mais favorável ao sonegador, o que reduzia a alíquota, na prática, a cerca de 21%.

A arrecadação é dividida com Estados e municípios e, no fim do ano, ajudou a fechar as contas desses entes, por isso o apoio dos governadores e prefeitos a uma segunda rodada. A estimativa é arrecadar entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões nessa nova fase, que terá prazo de adesão de 120 dias um mês após a sanção. Como o texto foi modificado, o Senado analisará de novo a proposta.

Para o advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara, a adesão viria principalmente de três fontes: dos parentes, de quem perdeu o prazo na primeira fase e de quem recebeu recurso fora do país em 2015 e 2016, mas não declarou à Receita - a lei anterior anistiava o dinheiro e bens mantidos até 2014. "Muitos parentes, não só de políticos, mas também de servidores públicos, aderiram porque se o dinheiro ficasse lá fora seriam dedurados", afirmou. "Se a fiscalização ocorrer e forem notificadas, essas pessoas vão discutir a constitucionalidade."

Em 2018 entrará em vigor tratado internacional de troca de informações bancárias, que, em tese, impedirá que pessoas e empresas escondam dinheiro em outros países.

Em relação ao texto do Senado, o projeto altera regra vigente na primeira rodada, que impedia retificação em caso de omissão ou incorreções na declaração, para permitir a defesa antes da exclusão automática do programa - o que deixaria a pessoa ou empresa passível a punição. O sonegador terá 30 dias para pagar multa e imposto se a Receita identificar omissão. Do contrário, perderá a imunidade.

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Jucá retira emenda que blindaria presidentes

Por: Vandson Lima / Fabio Murakawa

 

Presidente do PMDB e líder do governo no Congresso Nacional, Romero Jucá (RR) protocolou ontem, com o apoio de outros 28 senadores, uma proposta de emenda à Constituição que visa blindar de investigações os presidentes do Poder Legislativo. Horas depois, diante da repercussão negativa e de um pedido do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), retirou a proposta.

"O senador Romero Jucá solicitou a retirada da tramitação da PEC 3 2017 que altera o artigo 86; A retirada do projeto que trata da linha sucessória foi feita após pedido do presidente do Senado, senador Eunício Oliveira", disse em nota divulgada ontem perto das 22h.

Senadores de PMDB, PSDB, PSB, PP, PRB, DEM, PR, PSD e PSC - entre eles o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL) e o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG) - deram aval à proposta, chamada de "PEC da indecência" por rivais, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

De acordo com o texto, "o presidente da República, assim como quem puder sucedê-lo ou substitui-lo, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções durante a vigência do mandato".

Ou seja, pela proposta, presidentes da Câmara, Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) não podem sofrer punições enquanto estiverem no cargo.

Se fosse aprovada a mudança, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (PMDB-CE), por exemplo, não poderiam ser investigados no âmbito da Operação Lava-Jato até o fim de 2018. Ambos já foram citados por delatores. "Como o MP passa anos investigando as questões, se um presidente do Senado ou da Câmara tiver de ser investigado, ele o será depois que deixar o mandato", defendeu Jucá.

O próprio senador, alvo de oito inquéritos, três deles na Lava-Jato, poderia se beneficiar da medida, já que é cotado para se tornar presidente do Senado a partir de 2019.

"Não estamos querendo parar a Lava-Jato. Não quero blindar de Lava-Jato. Qualquer insinuação nesse sentido é um absurdo", garantiu Jucá. "Não entra na minha cabeça um presidente da Câmara ou do Senado poder, a qualquer momento, por qualquer motivo, por uma crime ambiental ou qualquer coisa, sair da linha sucessória por conta de uma decisão pessoal do procurador-geral da República."

Logo no início deste ano legislativo, Jucá já havia apresentado outra proposta controversa: um projeto para acabar com o sigilo nos autos de procedimentos de investigação e processos judiciais, como as delações feitas por 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht.

A divulgação do conteúdo integral das delações, para evitar o que consideram vazamentos seletivos, interessa a praticamente todos os grandes partidos, em especial no Senado, onde as principais lideranças foram citadas ou são investigadas pela Operação Lava-Jato.

Pelo menos 13 senadores são citados ou investigados pela força-tarefa, sendo que 10 deles ganharam assento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa e por onde tramitarão as propostas citadas.

Com a polêmica, alguns senadores pediram a retirada de suas assinaturas da PEC que blinda os presidentes do Legislativo, como Otto Alencar (PSD-BA). Em nota, a bancada do PSDB afirmou que apenas deu seu apoio a que a proposta fosse protocolada, mas não tem qualquer compromisso com sua aprovação.

Antes de divulgar a nota, Jucá chegou a ainda tripudiar de quem discorda da PEC. "Lamento que senadores, sem lerem e sem entenderem, queiram fazer média, tentam tripudiar em cima da própria instituição para aparecer. É triste, mas acontece. Vamos ao debate, aqueles que quiserem votar votarão e os que não quiserem, se agacharão".

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Proposta radical de terceirização deve avançar

Por: Vandson Lima / Raphael Di Cunto

 

Presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) entraram em acordo para acelerar a regulamentação da terceirização nas relações de trabalho.

Será dada prioridade ao projeto de lei que atualmente está na Câmara e que permite a terceirização para todas as atividades da empresa. O projeto em discussão no Senado, cujo relator é o senador Paulo Paim (PT-RS) não será pautado no plenário. Paim é contra a terceirização da atividade-fim e pretendia emplacar essa mudança em seu substitutivo.

"Conversei com Rodrigo Maia e o projeto deles está muito mais adiantado. Disse a ele que não temos nenhuma vaidade [em votar o projeto que tramita no Senado] e o presidente da Câmara se comprometeu a colocar em regime de urgência", contou Eunício.

Atualmente, a proposta está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, mas será acelerada por Maia. O relator, Laércio de Oliveira (SD-SE), disse ao Valor ter sido procurado por Eunício e não vê problemas em levar a matéria direito ao plenário.

Como o texto tem origem na Câmara e já passou pelo Senado, os deputados não podem mais modificar o texto, apenas confirmar ou rejeitar as mudanças feitas pelos senadores.

A proposta assusta sindicatos de trabalhadores. Além de permitir a terceirização da atividade-fim - aquela para a qual a empresa foi criada -, não salvaguarda, alegam, os direitos da mão de obra subcontratada. Não há, por exemplo, regras para tentar diminuir a 'pejotização' - recontratados como pessoa jurídica, sem direito a férias ou 13º salário.

O texto nas mãos de Paim, que deve ser engavetado, autoriza a terceirização, mas foram negociadas salvaguardas ainda no governo de Dilma Rousseff: uma 'quarentena' entre a demissão de um funcionário no regime de CLT e a contratação dele como pessoa jurídica (PJ), recolhimento antecipado de parte dos encargos trabalhistas, com responsabilidade solidária da empresa contratante se estes não forem pagos, e a representação pelo sindicato da categoria.

Atendendo a um pedido dos governadores que foram a Brasília ontem, Eunício anunciou ainda que o Senado voltará a analisar na semana que vem o projeto que permite à União, Estados e municípios venderem ao mercado financeiro créditos que têm a receber de contribuintes, a chamada securitização de dívidas.

Sem acordo sobre os termos da proposta, o Senado acabou por rejeitar o texto substitutivo apresentado em dezembro. Fez-se à época um acordo para que a securitização voltasse a ser discutida em comissões, nos moldes da proposta original e com realização de audiências públicas. Eunício deu a entender que trabalhará para acelerar esse trâmite.

Originalmente, o projeto de José Serra (PSDB-SP), atual ministro de Relações Exteriores, prevê que 70% da receita decorrente da venda de dívidas já reconhecidas seja usada para amortização de dívida pública fundada e aporte em fundos de previdência. Os 30% restantes seriam destinados a investimentos. Os parlamentares discordam e querem mais dinheiro para investir nos Estados, enquanto o Ministério da Fazenda que defende o uso dos recursos para abatimento de dívidas.

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Padilha prevê revisão de reforma em 2025

Por: Fabio Graner / Raphael Di Cunto / Fabio Murakawa

 

Na primeira audiência pública da Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre a reforma da Previdência, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que um futuro governo poderá discutir uma nova fonte de financiamento para a Previdência em 2025, numa primeira revisão da reforma que o governo tenta realizar agora. A sessão para discutir a proposta começou por volta de 14h30 e, mesmo sem a presença de Padilha que saiu logo depois de sua exposição, se alongou até a noite, com ataques da oposição e até de integrantes da base do governo, como o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

Poucos foram os aliados que fizeram uma defesa entusiasmada do projeto, como o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), que relatou a PEC do teto de gasto.

De acordo com Padilha, as mudanças propostas pelo governo devem apenas estancar o déficit em R$ 280 bilhões (incluindo regime geral e o dos servidores), mas ainda será um resultado muito negativo. Em um tom político, o ministro defendeu aos parlamentares que a PEC previdenciária "não inova", que os pontos propostos já existem em outros países e o Brasil na verdade está atrasado. O ministro também confirmou que a ideia do governo é encaminhar a questão dos militares apenas depois de aprovada a PEC da reforma.

Na apresentação que durou pouco mais de 20 minutos, Padilha pintou um quadro complicado para as contas públicas caso não haja reforma. Segundo ele, o déficit aumentará todos os anos até que, em 2024, o governo não terá mais Orçamento para realizar investimentos e outras despesas discricionárias. "Sem reforma, em 2025 só pagaremos previdência, folha de salários, FAT, saúde e educação", afirmou.

Na estratégia de convencimento, o ministro fez diversas comparações internacionais, caminho trilhado também pelo outro representante do governo, o secretário de Previdência Social, Marcelo Caetano, que acabou ficando só para enfrentar os parlamentares.

Ambos destacaram que a maioria dos países no mundo e na América Latina trabalha com idade mínima para se aposentar. "Em relação à OCDE, somos bastante retardatários em idade mínima", disse Padilha. Caetano, por seu turno, disse o Brasil não é o único, mas é um dos poucos que têm aposentadoria por tempo de contribuição.

O secretário destacou também que a taxa de reposição dos benefícios previdenciários do Brasil, que oscila entre 80% e 90% do salário de contribuição, também é muito alta para padrões internacionais. O técnico disse que o Brasil tem um gasto elevado também com pensões e ressaltou que atualmente há um índice de 32% de pensionistas que acumulam também aposentadorias, nível três vezes superior ao vigente em 1992.

Padilha, que foi criticado por deixar a audiência pública (oposicionistas lembraram que ele se aposentou aos 53 anos), ressaltou ainda que a expectativa de reforma já foi precificada nos preços dos ativos brasileiras, mas indicou que a aprovação da reforma da Previdência pode ajudar o Brasil a recuperar o grau de investimento. Ele destacou que o risco-país no Brasil médio de 2008 a 2015 foi da ordem de 240 pontos, mais que dobrando no início de 2016. E lembrou que agora o risco-Brasil está em torno de 289 pontos.

Padilha lembrou que, quando o sistema de repartição simples foi instituído no Brasil nos anos 60, a expectativa de vida era de 59 anos e as famílias tinham em média seis filhos. Agora, a expectativa de vida, segundo ele, chega a 78 anos e as famílias têm 1,75 filhos, afetando o equilíbrio das contas.

Já na fase de debates com os parlamentares, Marcelo Caetano, disse que a proposta é uma reforma de Estado, não de governo. "Porque se traz o custo [de aprovar a reforma] para a gestão atual, mas o benefícios são muito mais para as administrações posteriores", disse. Ele respondia, assim, à crítica feita pelo deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), para quem "a proposta, se for aprovada, vai retirar o objetivo da Previdência Social". "Se essa PEC for aprovada, estarão destruindo a Previdência, não preservando", afirmou.

"É reformar para preservar, sim"", rebateu o secretário. "Porque, do jeito que está, corremos o risco de chegar a uma situação, como está em alguns Estados, em que se cancelam benefícios porque não tem dinheiro para pagar isso. O grande objetivo da reforma é manutenção do regime previdenciário. Não adianta manter alguma coisa que eu sei que vai ter dificuldade de se preservar", disse.

As críticas à reforma, porém, não se restringiram à oposição e chegaram a surpreender o representante do governo. O deputado aliado Onyx Lorenzoni disse que o governo faz "terrorismo demográfico" ao argumentar que, com o envelhecimento da população, o atual sistema previdenciário brasileiro ficará insustentável. "O projeto na minha avaliação carece, inclusive, de uma boa lógica", afirmou.

Outros governistas, como Laerte Bessa (PR-DF) e Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) também questionaram os critérios da proposta de reforma. Membros da chamada "bancada da bala", eles criticaram o fato de a reforma deixar de contemplar as Forças Armadas, enquanto policiais também seriam afetados pelas mudanças.