Valor econômico, v. 17, n. 4203, 24/02/2017. Brasil, p. A3

Superávit vai a R$ 18,97 bi, o maior para janeiro desde 2013

Quitação de restos a pagar em dezembro ajudou governo central

Por: Fabio Graner, Edna Simão e Cristiane Bonfanti

 

Depois de acelerar os gastos no fim do ano, o governo pisou no freio em janeiro, derrubou o pagamento de investimentos e conseguiu obter o terceiro maior superávit primário para o mês na série histórica e o mais alto em quatro anos.

    O governo central - que reúne as contas do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central - economizou R$ 18,9 bilhões no mês passado, sem considerar o pagamento de juros. No mesmo mês de 2016, as contas haviam ficado positivas em R$ 14,8 bilhões. Apesar do resultado, fevereiro "provavelmente, será um mês de déficit, segundo a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi.

    O Tesouro mais uma vez obteve saldo positivo nas suas contas, de R$ 32,5 bilhões, mas a Previdência Social teve novo saldo negativo: de R$ 13,4 bilhões. A secretária destacou o "contraste" entre os dois grandes grupos. O governo enviou e negocia a aprovação de uma reforma da Previdência.

    Ana Paula salientou que o resultado de janeiro teve influência de fatores sazonais, como uma melhor arrecadação de imposto de renda pessoa jurídica, os ganhos do preço do petróleo que elevaram as receitas de royalties, mas também foi beneficiado pelo que ela chamou de "reorganização financeira" executada em 2016. Isto nada mais é do que o pagamento maior de restos a pagar (quando a obra ou ação é executada, mas ainda precisa ser quitada pelo governo) e a regularização de despesas atrasadas de anos anteriores, sobretudo no mês de dezembro.

    Com isso, houve menor necessidade de quitar restos a pagar em janeiro e as despesas discricionárias (aquelas livremente destinadas pelo governo) ficaram em R$ 12,1 bilhões metade do verificado em igual mês de 2016 e abaixo do programado pela área econômica. "Essa despesa ficou abaixo da cota financeira [R$ 18 bilhões] programada para o mês. Isso de fato foi sinônimo de menor pressão fiscal neste mês", explicou Ana Paula. "Esse esforço [de reorganização financeira] provoca menor pressão fiscal para o ano todo".

    Dentro das despesas discricionárias, chamou atenção a forte queda nos investimentos. No mês passado, foram executados apenas R$ 1,2 bilhão, uma baixa de 78,15% quase um quinto da despesa em igual período. A secretária disse que a prioridade é a reativação dos investimentos do setor privado. "O esforço do governo está sendo organizar frentes de concessões, de melhoria em marcos regulatórios para que a gente possa, de fato, reativar o investimento no Brasil pela via que é a mais relevante do ponto de vista do agregado das contas nacionais", afirmou.

    Outra conta que teve importante queda em janeiro foi a de subsídios. Com R$ 3 bilhões a menos do que no início de 2016, o movimento, segundo Ana Paula, refletiu as medidas adotadas para revisão desse mecanismo em 2016, como a alta de juros de alguns programas. Somente no PSI (Programa de Sustentação de Crescimento) houve uma diminuição dos pagamentos de R$ 1 bilhão.

    O Tesouro apresentou um novo quadro sobre o comportamento das despesas que estão sujeitas ao teto de gastos, aprovado no ano passado. Em janeiro, elas ficaram em R$ 94,7 bilhões, com queda de 4,9% ante mesmo mês do ano passado. Os números mostraram uma situação de despesa abaixo do que indicaria a regra do teto, que prevê neste ano alta de 7,2% sobre 2016.

    Segundo os dados, enquanto o Poder Executivo teve queda de 5,3% nas despesas elegíveis ao teto em janeiro, o Poder Legislativo subiu 11,1%, ou seja, acima do que indicaria a regra. A Defensoria Pública também teve crescimento superior ao teto, de 15,5%. Ana Paula ponderou que a regra prevê compensações entre os Poderes. De qualquer forma, a secretária salientou que o governo vai cumprir seu duplo compromisso de manter a despesa no teto e atingir a meta de resultado primário.

    Ana Paula afirmou ainda que, "provavelmente" o resultado primário do governo central será deficitário em fevereiro. Os meses de fevereiro de 2013 a 2016, por exemplo, foram deficitários. Para ela, os resultados de fevereiro, normalmente, são impactados por fatores sazonais.

    Sobre a correção da tabela do Imposto de Renda, o Ministério da Fazenda afirmou que ainda não há decisão sobre o assunto.

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    Bom resultado não deve se sustentar, dizem analistas

    Por: Tainara Machado

     

    O resultado do governo central em janeiro, um superávit primário de R$ 18,97 bilhões, surpreendeu os economistas, que esperavam resultado positivo no mês, mas bem menor. O resultado superou tanto a média das projeções das instituições ouvidas pelo Valor Data, que projetavam um saldo primário de R$ 6,8 bilhões no período, quanto o número do mesmo período do ano passado, quando o superávit foi de R$ 14,8 bilhões.

    No entanto, mesmo que positivo, economistas consideraram o resultado para o primeiro mês do ano um número pontual, influenciado sobretudo por um ritmo de despesas bem aquém do padrão.
    Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria, destaca a queda real de 13,2% da despesa total do governo central em janeiro, o que mais que compensou a redução de 9,1% da receita líquida no mesmo período. Segundo ele, esse forte recuo do gasto, bem mais intenso do que a redução de 1,2% da despesa em 2016, parece ter sido decorrente de efeitos pontuais e não deve se sustentar ao longo do ano.

    Em coletiva de imprensa, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, afirmou que o resultado de janeiro foi bastante impactado pelo esforço de redução dos restos a pagar e despesas de exercícios anteriores ao longo de 2016, o que alterou o ritmo de execução do gasto em janeiro. De fato, segundo a apresentação do Tesouro Nacional, o pagamento de compromissos pendentes de exercícios anteriores no mês passado foi R$ 12 bilhões menor do que em igual período de 2016, em função do "processo de organização das contas públicas". Esse montante equivale à queda real de despesas discricionárias no período.

    Esses gastos, que incluem despesas com os investimentos, sobre os quais o governo tem maior margem de manobra, foram 50,4% menores em janeiro, sobre igual período de 2016. Em relação a 2014, quando os valores pagos nessa rubrica chegaram a R$ 36 bilhões, a queda é de 66,4%, já descontada a inflação no período. "Difícil imaginar que esse ritmo de corte seja sustentável no médio prazo", comenta Lavieri.

    Carolina Sato, economista da MCM Consultores, faz a mesma ponderação. Para ela, o gasto deve voltar a crescer em fevereiro, o que levará a novo déficit no mês. "A expectativa é que o governo central registre déficit por conta do padrão sazonal de receitas e despesas, com concentração de repasses via transferências e pagamento do abono salarial", avalia. O próprio Tesouro Nacional projeta déficit para o mês, embora não tenha anunciado o montante previsto.

    Ainda assim, afirma Sato, o ritmo de corte das despesas discricionárias sinalizou maior disposição do governo em cumprir a meta de déficit primário para 2017, de R$ 139 bilhões.

    Por enquanto, a MCM projeta saldo negativo entre receitas e despesas não-financeiras de R$ 155 bilhões, mas o número pode ser revisto em março, a depender do contingenciamento anunciado no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas. Para conseguir cumprir a meta, diz Lavieri, da 4E, o Ministério da Fazenda ainda vai precisar de um contingenciamento de pelo menos R$ 40 bilhões, combinado com receitas extraordinárias, como concessões e o novo projeto de repatriação de recursos.

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    Boa parte do número do mês se construiu no fim de 2016

    Por: Ribamar Oliveira

     

    O forte superávit primário do governo em janeiro (R$ 18,968 bilhões) foi construído, em grande medida, no fim do ano passado. O governo adotou uma estratégia de pagar em dia suas obrigações e de quitar uma parcela maior dos restos a pagar de exercício anteriores. Agora está colhendo os frutos.

    Não é segredo que parte do superávit de cada ano decorre simplesmente do adiamento do pagamento de despesas que já foram executadas, o que resulta na inscrição no Orçamento do ano seguinte dos famosos restos a pagar. Em janeiro de cada ano, o governo gastava muito com a quitação de despesas de exercícios anteriores.

    Em 2016, o governo decidiu alterar essa sistemática. Passou a pagar as obrigações contraídas em anos anteriores, reduzindo o estoque de restos a pagar e a inscrição de novos restos para 2017. Isso só foi possível com a receita extra da chamada "repatriação de recursos", que resultou da regularização de ativos mantidos no exterior de forma ilegal por brasileiros. Essa arrecadação ingressou nos cofres do Tesouro em outubro.

    Em janeiro de 2016, o governo pagou R$ 51,1 bilhões em restos a pagar, incluindo nesse total despesas obrigatórias, discricionárias e despesas financeiras, de acordo com dados do Tesouro Nacional. Em janeiro de 2017, esse valor caiu para R$ 41,3 bilhões - uma diferença de R$ 11,8 bilhões. "A decisão de quitar os restos a pagar e de pagar as despesas do ano (2016) em dia deixou uma pressão fiscal menor para este exercício", explicou a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi.

    Mesmo com a redução dos restos a pagar, o montante que ficou para janeiro ainda foi alto devido, principalmente, ao pagamento de despesas obrigatórias. As principais são a folha de salários de dezembro, que é paga em janeiro, e benefícios do INSS, também relativos ao ano anterior.

    O efeito dessa política pode ser observado nos dados sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O pagamento dos investimentos do PAC em janeiro deste ano ficou em apenas R$ 786,2 milhões, com queda de 79% na comparação com o mesmo mês de 2016, quando atingiu R$ 3,7 bilhões. Os investimentos pagos pelo governo no primeiro mês do ano quase sempre se referem a despesas realizadas em exercícios anteriores, ou seja, são quitações de restos a pagar.

    As despesas discricionárias (aquelas que o governo pode cortar) tiveram queda significativa em janeiro deste ano. Elas ficaram em R$ 12,1 bilhões, ante R$ 24,4 bilhões em janeiro do ano passado. Cerca de metade dessa redução decorreu do menor pagamento de resto a pagar. A outra metade resultou da gestão financeira dos órgãos, que não utilizaram a totalidade do limite financeiro disponível para gasto.

    A política de redução dos subsídios, adotada a partir de 2015 e intensificada em 2016, contribuiu para o superávit primário do mês passado. Em janeiro de 2016, o governo pagou R$ 11,58 bilhões com subsídios e subvenções, enquanto que no mês passado o gasto ficou em R$ 8,98 bilhões - uma redução de R$ 2,6 bilhões. Somente a despesa com subsídios do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) foi reduzido em R$ 732,3 milhões. Houve redução de R$ 759 milhões do gasto com subsídios do Pronaf e de R$ 631 milhões com a política de preços agrícolas.

    A redução das despesas discricionárias, por causa principalmente da diminuição dos pagamentos de restos a pagar, compensou a forte elevação de alguns gastos obrigatórios em janeiro. As despesas com benefícios previdenciários, por exemplo, cresceram 13,2% no mês passado, na comparação com janeiro de 2016. As despesas com o pagamento de pessoal ativo e inativo aumentaram 11,5%, em decorrência de aumento concedido no mês passado. E os gastos com os benefícios de prestação continuada (da Lei Orgânica de Assistência Social) subiram 10,4%.

    Para fevereiro, a secretária do Tesouro prevê déficit primário nas contas do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central). Mas, segundo os dados que apresentou, este é um padrão sazonal. Desde 2013, o governo registra déficit primário em fevereiro, decorrente, principalmente, da transferência de recursos da União para os Estados (FPE) e municípios (FPM) referente à arrecadação trimestral do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, da transferência de parcela dos royalties do petróleo referente à arrecadação trimestral. Além disso, também pesam na despesa de fevereiro os pagamentos do abono salarial.

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    MG pede extinção de dívida de R$ 88 bilhões com União

    Por: Marcos de Moura e Souza

     

    O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, enviou na quarta-feira ao presidente Michel Temer ofício com pedido de abertura de negociação com objetivo de extinguir a dívida bilionária que o Estado tem com a União. Em troca, Minas oferece abrir mão de um crédito, também bilionário, a que diz ter direito de receber.

    "Um caminho a se seguir, em um federalismo cooperativo, é o encontro das contas, por meio de compensação amigável", propõe Pimentel no ofício. O governador diz que a dívida de Minas Gerais com a União está hoje em R$ 88,35 bilhões. E que a União deve ao governo do Estado R$ 135,67 bilhões relativos a perdas acumuladas com a desoneração do ICMS nas exportações, prevista na Lei Kandir.

    Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a União deve ressarcir os Estados por essas perdas. Pimentel, no ofício, trata esse ressarcimento como algo certo a ocorrer. "Não se trata de simples expectativa de direito", escreve ele.

    O Supremo ainda não publicou o acórdão da decisão. O caminho que Minas planejava adotar era recorrer à Justiça exigindo o pagamento das perdas com o ICMS. Para entrar na Justiça, no entanto, precisa do acórdão. Antes de abrir disputa judicial, o que Pimentel faz é tentar uma solução negociada. "No caso nada impede que as partes se antecipem à publicação do acórdão em comento, estudem e façam um acordo que garanta estabilidade em âmbito federativo", diz o governador no ofício.

    Ontem o governador voltou a criticar as contrapartidas exigidas pela União no projeto de recuperação fiscal dos Estados. Entre as contrapartidas estão a exigência de elevação da contribuição de previdenciária dos servidores estaduais, a proibição de aumentos salariais e as privatizações de empresas.

    Em crise aguda, o governo do Rio conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa um pacote de medidas desse tipo. "Às vezes vêm de outros Estados exemplos que não queremos seguir", disse Pimentel durante evento de entrega de viaturas à Polícia Militar.

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    Governo envia lei de recuperação dos Estados ao Congresso

    Por: Fabio Graner, Eduardo Campos e Cristiane Bonfanti

     

    O governo finalmente enviou ao Congresso o projeto de lei de recuperação fiscal dos Estados, uma espécie de lei de falências para esses entes. Embora tenha destacado que o socorro, se for levado adiante, não terá impactos primários, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, estimou que o custo fiscal para a União será de R$ 37 bilhões.

    Essa conta considera apenas a suspensão temporária de dívidas dos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais (que precisam decidir se vão aderir, o que, por ora, só vale para o primeiro) com a União da ordem de R$ 7 bilhões neste ano, R$ 15 bilhões em 2018 e de outros R$ 15 bilhões em 2019. Como é uma receita financeira do Tesouro, o não pagamento gera "aumento de déficit nominal".
    Segundo Ana Paula, à medida que o projeto define medidas de ajuste fiscal, com redução de despesas e aumento de receitas para os Estados que, voluntariamente, aderirem ao programa, esse movimento será positivo para as contas do setor público brasileiro - que inclui, além do governo central, o resultado dos governos regionais e de suas estatais.

    "O projeto de recuperação fiscal não traz impactos primários para o governo central. E, na medida em que ele trata de medidas de ajuste fiscal, com redução de despesas e aumento de receitas para os entes que poderão aderir voluntariamente a esse programa, nós acreditamos também que isso, principalmente nesse prazo desenhado dos 36 meses, será positivo para as contas primárias do setor público", disse a secretária do Tesouro.

    Dentro do esforço de melhora na situação fiscal dos Estados, o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu as condições que permitirão aos Estados renegociar as operações de crédito com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Essa renegociação estava prevista no projeto que refinanciou a dívida dos Estados com a União, aprovado no fim do ano passado, e precisava ser definida pelo CMN para entrar em vigor.

    Em nota, a Fazenda destacou que poderão ser renegociadas as operações contratadas até 31 de dezembro de 2015, e cuja carência tenha acabado até 31 de dezembro de 2016. Para essas operações, será concedido alongamento de prazo de até 20 anos para pagamento, com até quatro anos de carência.

    Caso todas os contratos sejam renegociados, haverá um uma redução no serviço da dívida dos estados de R$ 6 bilhões ao longo dos próximos três anos, sendo R$ 2,3 bilhões em 2017, R$ 2 bilhões em 2018 e R$ 1,7 bilhão em 2019.