Trégua e riscos

Míriam Leitão 

02/02/2017

 

 

A crise brasileira ganhou uma pequena trégua neste início de ano. Os indicadores de confiança subiram, a bolsa se recuperou, e economistas que tinham uma visão mais cautelosa para o ano estão um pouco mais otimistas. Mais de R$ 6 bilhões de recursos estrangeiros entraram na Bovespa em janeiro, impulsionada pela alta dos preços das commodities e pela expectativa de que a recessão esteja próxima do fim.

Aprodução industrial divulgada ontem mostrou uma forte alta em dezembro, de 2,3%. Em meados do ano passado, houve cinco meses seguidos de crescimento da indústria e depois ela voltou a cair. Não é uma tendência, portanto, e já há previsões de queda nos dados de janeiro. Mas nas estimativas para o ano os economistas estão com dados positivos. O Bradesco, por exemplo, projeta um crescimento de 1% da produção industrial em 2017. No final do ano passado, vários indicadores vieram pior do que o esperado. Temeu-se que a recessão estivesse novamente se aprofundando, mas agora esse temor está passando.

O mercado financeiro tenta antecipar os ciclos econômicos, e a recuperação do Ibovespa é um sinal de maior confiança no futuro. A queda da Selic provoca um movimento de realocação nos investimentos, com saída da renda fixa para a renda variável. Deixar o dinheiro parado em títulos do Tesouro vai render menos, e a perspectiva de aceleração da atividade vai aumentar o lucro das empresas, explica o economista Álvaro Bandeira, do Home Broker Modalmais.

— A crise fiscal ainda é forte, mas já está mais claro que o país conseguiu se ajustar em várias áreas. Caiu a inflação, os juros estão em queda, o riscopaís também diminuiu, assim como o dólar. O setor externo reduziu bastante o déficit em contacorrente. A inadimplência está mais baixa, apesar do desemprego, e isso favorece o setor financeiro e facilita o destravamento do crédito — explicou Bandeira.

A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, admite que está um pouco mais aliviada, depois do susto com os números ruins da economia no final do ano passado. Pelas estimativas do Ibre, o país pode voltar ao azul já neste primeiro trimestre, em relação ao quarto, mas com um crescimento mínimo, de apenas 0,1%, e sustentado pela agropecuária. Silvia prefere olhar para o segundo trimestre, quando espera números positivos espalhados por vários setores: indústria, serviços, consumo e investimentos.

— Eu estava preocupada com o risco de uma nova recessão este ano, mas isso diminuiu bastante. A gente mantém a estimativa de alta de 0,3% para o PIB de 2017, mas com viés de alta. O ano começa fraco, mas vai acelerando, para chegar no quarto trimestre em um ritmo mais forte — afirmou.

O Ibovespa deu um salto de 7,37% em janeiro. As ações de alguns bancos subiram. A Vale saltou 30%, por causa da forte recuperação dos preços do minério de ferro. Álvaro Bandeira explica que isso puxou os papéis do setor siderúrgico e da área de mineração. A China anunciou o fechamento de siderúrgicas mais poluentes, e isso deve resultar numa produção menor de aço para competir com a produção local, no caso, a brasileira.

O índice americano Dow Jones chegou a bater recorde histórico, mas o cenário externo está incerto com toda a crise provocada pelas primeiras decisões do presidente Donald Trump.

— Duas coisas me preocupam este ano. A primeira é o cenário externo com o governo Trump, que vai provocar volatilidade. A segunda é a classe política brasileira se acomodar a partir do momento em que a economia voltar para o azul. É preciso manter o esforço contínuo de reformas. A Previdência precisa ser aprovada — disse Silvia Matos.

Os indicadores mostram que este ano é de pequena melhora, depois da grande hecatombe que foram os últimos dois anos. Há dois pontos de aguda incerteza. Aqui dentro, a crise política pode se agravar muito com todas as revelações da Lava-Jato. No exterior, os Estados Unidos viraram o grande ponto de interrogação com as decisões radicais do novo presidente. Será preciso ir retomando lentamente o ritmo de atividade econômica, apesar desses dois pontos de instabilidade.

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O globo, n. 30495, 02/02/2017. Economia, p. 18