O Estado de São Paulo, n. 45039, 08/02/2017. Política, p. A6

Em depoimento, Cunha contraria Temer

Interrogado pelo juiz Sérgio Moro, deputado cassado afirma que presidente discutiu indicações para a Petrobrás; ele diz ter aneurisma cerebral

Por: Beatriz Bulla / Ricardo Brandt / Mateus Coutinho / Fausto Macedo

 

Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) afirmou que o presidente Michel Temer participou, em 2007, de reunião com a bancada do PMDB para discutir indicações do partido para diretorias da Petrobrás.

O deputado cassado contrariou a versão apresentada por Temer em manifestação como testemunha de defesa arrolada pelo próprio Cunha.

O ex-presidente da Câmara – preso preventivamente desde outubro do ano passado – foi interrogado ontem pela primeira vez como réu da Operação Lava Jato na primeira instância. Na ação penal a que responde na Justiça Federal em Curitiba, Cunha é acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas por receber propina oriunda de um negócio fechado pela Petrobrás em Benin, na África, e manter o dinheiro em contas secretas na Suíça.

“Fui comunicado (sobre a reunião), tanto eu como Fernando Diniz (ex-presidente do PMDB de Minas, morto em 2009), na época, pelo próprio Michel Temer e pelo Henrique Alves (ex-deputado e ex-ministro). O Michel Temer esteve nessa reunião junto com (o ex-ministro) Walfrido dos Mares Guia”, disse Cunha em resposta a um questionamento de sua própria defesa.

Segundo ele, a reunião foi convocada por causa do “desconforto que existia com as nomeações do PT, de Graça Foster para a Diretoria de Gás e de José Eduardo Dutra para a presidência da BR Distribuidora, terem sido feitas sem as nomeações do PMDB terem sido feitas”.

De acordo com Cunha, “houve uma revolta da bancada do PMDB na votação da CPMF” na época. Temer era o presidente nacional do PMDB na ocasião.

No depoimento por escrito a Moro, Temer declarou que “não houve essa reunião”. Ontem, o Planalto disse que Temer “reafirma que não participou de reunião no Palácio do Planalto sobre indicação do PMDB para cargo na Petrobrás”.

Cunha disse a Moro que a “resposta do presidente Michel Temer nas perguntas está equivocada”.

“Ele (Temer) participou, sim, da reunião e foi ele que comunicou a todos nós o que tinha acontecido na reunião, porque não era só o cargo da Petrobrás, eram outras várias discussões que aconteciam no PMDB”, afirmou.

O ex-presidente da Câmara declarou ainda que costumava se reunir semanalmente com Temer e outros peemedebistas para “debater e combinar toda situação política”. “Tudo era reportado, sabíamos de tudo.”

 

Aneurisma. Em quase três horas de interrogatório, Cunha respondeu a todas as perguntas do magistrado e do Ministério Público. Ao final, fez um apelo por liberdade. Ele disse a Moro ter um aneurisma cerebral como o da ex-primeira dama Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que morreu na semana passada.

Após relatar seu quadro de saúde, Cunha disse que o presídio onde se encontra não oferece condições de atendimento médico.

Ele está preso no Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.

“Também sofro do mesmo mal que acometeu a ex-primeira- dama Marisa Letícia, um aneurisma cerebral. O presídio onde ficamos não tem a menor condição de atendimento se alguém passar mal. São várias as noites em que os presos lutam sem sucesso por tratamento médico e não são ouvidos pelos poucos agentes que lá ficam à noite”, disse Cunha, lendo uma carta escrita de próprio punho.

A defesa de Cunha afirmou, após a audiência, que não tinha conhecimento da doença. Nos bastidores, o deputado cassado mostrou esperança em ver sua prisão revertida no Supremo Tribunal Federal. Hoje a Corte julga uma reclamação do peemedebista.

O novo relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, manteve o julgamento de um recurso de Cunha na pauta do plenário – a defesa pede a anulação da prisão preventiva.

 

‘Poupança’. O deputado cassado disse ainda a Moro que os recursos que mantinha em contas no exterior administradas por trusts eram usadas como investimento, uma “aplicação”. De acordo com ele, os valores eram usados para consumo e viagens ao exterior – e, portanto, não foram usados no Brasil.

“Há vários momentos nessa situação. Em todas usava como se fosse uma caderneta de poupança”, disse. Cunha afirmou que o dinheiro é de origem lícita e negou recebimento de propina.

Ele disse manter as contas há mais de 25 anos. / COLABOROU VALMAR HUPSEL FILHO

 

Depoimento. Deputado cassado Eduardo Cunha chega à Justiça Federal em Curitiba para audiência com o juiz Sérgio Moro

 

RÉU EM CURITIBA

Navios-sonda

Cunha é acusado de receber, entre 2006 e 2012, US$ 5 milhões para “facilitar e viabilizar” a contratação de dois navios-sonda pela Petrobrás, construídos pelo estaleiro sul-coreano Samsung Heavy Industries. Peemedebista virou réu em março de 2016.

Negócio na África

Nesta ação penal, Cunha é acusado de movimentar dinheiro de propina em contas na Suíça – ele teria recebido R$ 5 milhões pela compra de um campo de petróleo em Benin pela Petrobrás. Virou réu em junho de 2016.

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Gilmar critica ‘alongadas prisões’ na Lava Jato

Por: Rafael Moraes Moura / Breno Pires

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes fez ontem críticas à condução da Operação Lava Jato na primeira instância. “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que conflita com a jurisprudência que construímos ao longo desses anos”, afirmou Gilmar.

A declaração do ministro foi dada durante o primeiro julgamento relativo à Lava Jato após o sorteio que definiu o ministro Edson Fachin como relator, no lugar de Teori Zavascki, morto em 19 de janeiro, e um dia depois da indicação do ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, para o STF.

 

Recurso. Em sua “estreia” como relator da Lava Jato, Fachin negou recurso da defesa do ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu, condenado a oito anos de prisão por corrupção e associação criminosa no esquema de corrupção na Petrobrás. O julgamento do recurso foi feito na Segunda Turma do STF, que reúne, além de Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Gilmar Mendes.

Por unanimidade, o colegiado rejeitou recurso de Genu.

A defesa de Genu foi ao STF sob alegação de que o juiz Sérgio Moro teria usurpado a competência da Corte ao conduzir investigação envolvendo fatos que já estariam sendo apurados em inquéritos no Supremo. Em dezembro, Teori afirmou que os elementos referentes ao extesoureiro foram enviados à primeira instância, entendimento mantido ontem. / RAFAEL MORAES MOURA e BRENO PIRES

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Promotoria de Minas investiga Cidade Administrativa de Aécio

Ministério Público abriu inquérito para apurar fraude em licitação após notícia de que delação citou propinas na obra

Por: Mateus Coutinho

 

A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público de Minas Gerais investiga suspeitas de fraude à licitação nas obras da Cidade Administrativa, a sede do governo do Estado construída durante a gestão do atual senador Aécio Neves (PSDB), entre 2003 e 2010.

O inquérito civil público foi aberto em setembro do ano passado.

A investigação é a primeira aberta após notícias de que delatores da Operação Lava Jato citaram irregularidades na obra.

Na época, segundo o jornal Folha de S.Paulo, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro havia citado nas tratativas de sua delação premiada o pagamento de propina de 3% do valor do empreendimento – que teria custado ao todo cerca de R$ 2 bilhões – a um dos principais auxiliares do tucano, o empresário Oswaldo Borges da Costa Filho, que presidiu a Companhia de Desenvolvimento Econômico do Estado (Codemig), responsável pela obra.

A portaria de abertura do inquérito aponta para “supostas irregularidades referentes às obras da Cidade Administrativa de Minas Gerais, consistentes no pagamento de vantagem indevida pela empresa OAS, uma das participantes de um dos consórcios responsáveis pelo empreendimento, a Oswaldo Borges da Costa Filho, então presidente da Codemig, órgão estatal que realizou o correspondente procedimento licitatório”.

A negociação da delação de Léo Pinheiro foi suspensa pela Procuradoria-Geral da República em 2016 após a revista Veja divulgar que o empreiteiro teria citado o ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli.

A Cidade Administrativa já foi alvo de outro inquérito em 2007. Na época, quando foi lançada a licitação, o consórcio formado pela Construcap – Engenharia e Comércio S/A, Convap Engenharia S/A e Construtora Ferreira Guedes S/A –, que participou do certame, entrou com uma representação no Ministério Público questionando o procedimento licitatório da Codemig e os membros integrantes da comissão especial da obra.

O consórcio da Construcap foi derrotado na licitação, dividida em três lotes. A investigação com base na denúncia das empresas derrotadas acabou sendo arquivada em 2014, mas está sendo analisada novamente.

Procurada, a assessoria do senador Aécio Neves informou que o PSDB-MG se posicionaria sobre o assunto. “São falsas as acusações sobre irregularidades na obra da Cidade Administrativa.

Investigação do Ministério Público sobre a licitação da obra foi arquivada em 2014 após a constatação de absoluta regularidade de todos os procedimentos licitatórios”, diz a nota do partido. “O inquérito civil instaurado recentemente não traz nenhum indício ou prova de qualquer irregularidade. Foi aberto tendo como base apenas um e-mail distribuído em uma rede de pessoas vinculadas ao PT. O PSDB-MG não tem conhecimento de qualquer acusação de superfaturamento da obra.” A reportagem não conseguiu localizar Oswaldo Borges da Costa ou sua defesa para comentar.

A Contrucap foi procurada, mas não havia se posicionado até a conclusão desta edição.