O Estado de São Paulo, n. 45054, 23/02/2017. Política, p. A6

José Serra pede demissão e alega motivo de saúde

Em carta a Temer, chanceler diz que problema na coluna o impede de manter ritmo de viagens exigido pelo cargo; ele voltará ao Congresso

Por: Tânia Monteiro / Lu Aiko Ota / Vera Rosa

 

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, pediu demissão ontem à noite alegando problemas de saúde. Em carta entregue ao presidente Michel Temer, no Palácio do Planalto, o chanceler disse que voltará ao cargo de senador pelo PSDB.

“Faço-o com tristeza, mas em razão de problemas de saúde que são do conhecimento de Vossa Excelência, os quais me impedem de manter o ritmo de viagens internacionais inerentes à função de chanceler. Isto sem mencionar as dificuldades para o trabalho do dia a dia”, disse Serra.

Entre os cotados para assumir a pasta estão os senadores tucanos José Aníbal, que ocupa a vaga de Serra no Congresso, e Aloysio Nunes Ferreira, hoje líder do governo no Senado.

Desde o final do ano passado, Serra vinha sofrendo com dores na coluna. Em dezembro, o ministro se submeteu a uma cirurgia, mas as dores continuaram.

Na semana passada, ele foi à Alemanha participar da reunião de chanceleres do G-20.

Para suportar a viagem, fez infiltração – um procedimento que bloqueia temporariamente a dor. Nos corredores do Itamaraty, a condição do ministro causava preocupação. Diplomatas questionavam como poderia um chefe da pasta das Relações Exteriores viajar pouco.

Embora tenha alegado motivos de saúde, Serra estava muito insatisfeito com o trabalho no ministério. Nos últimos dias, em conversa com amigos, ao ser questionado se estava feliz no cargo, respondeu: “Se arrependimento matasse...” Quando assumiu o Itamaraty, em maio de 2016, imaginava que poderia influenciar nos rumos do governo e participar de discussões do núcleo duro, principalmente na área econômica.

Achava que seria para Temer o que o então chanceler Fernando Henrique Cardoso foi para Itamar Franco, entre 1992 e 1993. Depois, FHC se tornou ministro da Fazenda e presidente da República.

Serra quer ser candidato ao Planalto em 2018, mas tem no partido outros dois presidenciáveis – o senador Aécio Neves (MG) e o governador Geraldo Alckmin (SP). Se não conseguir a vaga, pode concorrer ao governo de São Paulo.

O cenário até lá ainda depende do desfecho das investigações da Operação Lava Jato. No período em que esteve à frente do Itamaraty, Serra foi citado na delação premiada da Odebrecht.

Executivos afirmaram que a campanha dele à Presidência, em 2010, recebeu R$ 23 milhões da empreiteira via caixa 2 na Suíça. O tucano nega qualquer irregularidade.

 

Vagos. Com a demissão do chanceler, Temer fica agora com dois ministérios vagos, já que ainda não definiu o sucessor de Alexandre de Moraes na Justiça e Segurança Pública. Moraes foi nomeado ontem para o Supremo Tribunal Federal .

Temer ficou surpreso com o pedido de demissão e na conversa com Serra tentou demovê-lo, mas não obteve sucesso. O encontro durou uma hora. O presidente agradeceu a colaboração do ministro no Itamaraty e desejou breve recuperação.

O chanceler apresentou exames recentes e explicou que os médicos exigiram dele quatro meses para “restabelecimento adequado”. Na carta, disse que no Senado vai trabalhar “pela aprovação de projetos que visem a recuperação da economia, desenvolvimento social e a consolidação democrática do Brasil”.

A exoneração será publicada no Diário Oficial da União de hoje. O embaixador Marcos Galvão ficará interinamente no cargo. /COLABOROU CLAUDIA TREVISAN

 

Ritmo. Serra vinha sofrendo com dores na coluna e teve de fazer tratamento para viajar

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PSDB já discute sucessão nas Relações Exteriores

Por: Pedro Venceslau

 

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), vai se reunir hoje com José Serra (PSDBSP), em Brasília, para discutir a sucessão no Ministério das Relações Exteriores. Aécio vai consultar Serra sobre indicações.

Na avaliação de tucanos e de auxiliares de Temer, o Palácio do Planalto vai manter o ministério com o PSDB e, assim, evitar especulações no PMDB em busca por mais espaço no governo.

Além dos senadores Aloysio Nunes e José Aníbal, ambos tucanos paulistas, o PSDB e o governo devem sondar nomes ligados a Serra e com experiência em relações exteriores, como Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, e Sérgio Amaral, atual embaixador do Brasil na capital dos EUA.

A decisão de Serra de deixar o governo não pegou de surpresa aliados e amigos. Há pelo menos 20 dias, ele vinha se queixando da rotina do Itamaraty e das dores na coluna. Segundo relatos de pessoas próximas, estaria “deprimido” e “irritado” com as citações de seu nome na Lava Jato. / PEDRO VENCESLAU

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TUCANO NÃO ESTAVA FELIZ NO ITAMARATY

Por: Eliane Cantanhêde

 

O senador José Serra alegou um único pretexto, mas na verdade pesaram três motivos para pedir demissão de um dos cargos mais importantes da República, o Ministério de Relações Exteriores.

Além das dores na coluna, que ele não conseguiu superar após a cirurgia de dezembro, e da depressão, que vem aumentando, Serra não estava feliz no cargo, que é muito distante da Fazenda com que sonhou, e temia entrar num bolo comum dos ministros e parlamentares da base aliada citados na Lava Jato.

Pelo menos desde o final do ano passado, amigos e correligionários do ministro vinham demonstrando preocupação com o desânimo dele no cargo. Considerado muito atuante no Ministério do Planejamento e brilhante no Ministério da Saúde, ambos no governo do amigo Fernando Henrique, Serra dava sinais de desconforto no Itamaraty.

Sua agenda era vazia, vários dias seguidos resumida a despachos com o secretário- geral, embaixador Marcos Galvão.

Mesmo na viagem do presidente Mauricio Macri, um importante ponto para a aproximação dos dois governos, do Brasil e da Argentina, o chanceler brasileiro parecia distante, distraído. Entre os diplomatas, havia constrangimento. No Planalto, preocupação. Na bancada do PSDB na Câmara e no Senado, expectativa. Antes de assumir o Itamaraty, ele foi o senador a aprovar o maior número e os mais importantes projetos no Congresso. Um exemplo foi a flexibilização das regras de exploração do pré-sal.

Serra – que foi o primeiro grão-tucano a aderir à tese do impeachment de Dilma Rousseff e da posse de Temer – volta agora ao Senado numa dobradinha com o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, de quem se reaproximou diante do crescimento político do governador de São Paulo, o também tucano Geraldo Alckmin.

Nas articulações de Aécio, ele próprio disputará a Presidência em 2018, enquanto Serra pode concorrer a um novo mandato como governador de São Paulo.

A Lava Jato, particularmente com as delações premiadas da Odebrecht, joga uma enorme interrogação nesses planos.

Com sua saída, o presidente Michel Temer tem agora dois cargos-chave para preencher, as Relações Exteriores e a Justiça, vaga com a ida do ministro Alexandre de Moraes para o Supremo. Isso significa uma dupla pressão sobre o presidente, que esperava emergir do carnaval com uma agenda otimista, capitalizando os sinais de recuperação da economia, mas vai ficar refém de interesses, candidatos e até sutis ameaças dos próprios aliados pela cobiça não mais por um, mas por dois cargos de grande influência e prestígio.