O globo, n. 30516, 23/02/2017. País, p. 4

Fachin nega pedidos de Lula, Aécio, Cunha, Dirceu e Argello

Ex-presidente queria acesso à delação de Pedro Corrêa na Lava-Jato

Por: ANDRÉ DE SOUZA

 

-BRASÍLIA- O ministro Edson Fachin, relator dos processos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), negou, no mesmo dia, cinco pedidos feitos por políticos investigados na operação: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ex-ministro José Dirceu (PT-SP) e o ex-senador Gim Argello (PTB-DF). Três deles estão presos atualmente no Paraná: Cunha, Dirceu e Argello. Lula e Aécio pediam informações de delações premiadas.

Lula queria ter acesso à delação do ex-deputado Pedro Corrêa, firmada com o Ministério Público Federal (MPF), mas ainda não homologada pelo STF. O próprio MPF foi contra o pedido do ex-presidente, uma vez que não houve a homologação até agora. Fachin acrescentou que, mesmo se o acordo já estivesse finalizado, o sigilo deveria ser mantido até a instauração de inquéritos baseados na delação, de forma a não comprometer as investigações.

“Assim, enquanto não instaurado formalmente o inquérito, o acordo de colaboração e os correspondentes depoimentos estão sujeitos à tramitação sigilosa. Com a instauração do inquérito, nada obstante o acesso aos autos seja restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurado também será ao defensor legalmente constituído amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa”, decidiu Fachin.

Em nota, o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, disse que pediu acesso à delação de Corrêa porque o material foi usado pelo MPF em denúncias contra o ex-presidente. Mesmo assim, destacou a defesa, o MPF deixou de juntar o documento. “Já foram colhidos os depoimentos de 65 testemunhas até o momento, incluindo o de Corrêa, e nenhuma delas afirmou qualquer fato que pudesse vincular Lula a qualquer ato ilícito no âmbito da Petrobras ou a propriedade de um imóvel no Guarujá”, diz trecho da nota.

Aécio, por sua vez, pedia acesso à delação de Benedicto Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, e Sérgio Neves, exdiretor da Odebrecht em Minas, além de “qualquer outro que tenha mencionado” seu nome. Ele citou matéria do site BuzzFeed, publicada em 30 de janeiro, segundo a qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediria investigação para apurar irregularidades nas obras da Cidade Administrativa, a sede do governo de Minas construída quando ele era governador do estado.

Diferentemente de Pedro Corrêa, as delações de executivos da Odebrecht já foram homologadas pelo STF. Mas, da mesma forma feita no pedido de Lula, Fachin destacou que o sigilo deve ser mantido para preservar investigações. Disse ainda que “eventual menção em termo de colaboração não confere ao peticionário (Aécio), automaticamente, a condição de investigado”.

 

DIRCEU PEDIU LIBERDADE

Eduardo Cunha pedia que fosse suspensa sua transferência da carceragem da Polícia Federal (PF) em Curitiba para o Complexo Médico-Penal em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana da capital paranaense. A medida foi determinada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na primeira instância.

A defesa de Cunha disse que a PF pediu a transferência de três presos alegando superlotação: Cunha, o ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro e o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu. Ainda assim, mesmo sendo o único dos três ainda sem condenação na Lava-Jato, e com menos tempo de prisão, foi o único a ser transferido. Dessa forma, conclui a defesa, Moro dispensa tratamento mais gravoso ao ex-presidente da Câmara do que ao outros presos. Fachin, porém, negou o pedido sem sequer analisá-lo, alegando que não é competência do STF decidir sobre a questão.

A defesa de Dirceu, que está preso desde agosto de 2015, solicitava que ele fosse solto, mas Fachin negou o pedido por razões técnicas. Pelos mesmos motivos, o ministro negou o pedido de liberdade de Gim Argello.

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O dilema entre moral e ética na recusa do ‘honesto delatado’

Ex-servidor se negou a atuar em suposto esquema de Eduardo Cunha na Agricultura

Por: MIGUEL CABALLERO

 

Ter o nome citado numa delação premiada da Operação Lava-Jato costuma causar calafrios em políticos ou empresários por revelar a participação em esquemas de corrupção, mas a referência a Flávio Braile Turquino chamou a atenção justamente por nada ter de desabonadora. No relato do empresário e delator Alexandre Margotto à Justiça, Turquino se recusou a “fazer coisas ilícitas” sugeridas por Eduardo Cunha e o operador financeiro Lúcio Funaro depois de ter sido, segundo o depoimento, indicado pelo próprio ex-presidente da Câmara para o cargo de diretor de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura.

Turquino pediu para ser exonerado um mês depois de assumir o cargo. Não houve, desde então, notícia de que ele tenha denunciado publicamente, ou mesmo a seus superiores no ministério, a pressão sofrida para agir de forma irregular. Se a postura esperada de quem exerce cargo público é a de não apenas evitar se corromper, mas, sim, denunciar quando vê irregularidades, o silêncio de Turquino é compreensível no caso de alguém que, segundo os depoimentos apontam por ora, contrariou interesses de um esquema liderado por figuras influentes, como sinaliza o Ministério Público Federal (MPF).

Para o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano, o caso de Turquino é exemplar das distinções entre a moral e a ética, e não seria razoável uma postura além da recusa de participar do esquema.

— A moral kantiana exige que você não minta ou omita nunca, que tenha atitudes corretas até o fim, não importando as consequências. A obrigação de denunciar parte dessa moral. A ética é um conjunto de valores que imperam numa sociedade, você não pode deixar de levar em conta a pressão do meio. Conhecendo os procedimentos de Cunha e de outros políticos, e a ética imperante na política brasileira, este senhor fez já bastante em pedir demissão, o que já poderia colocá-lo como alvo, passível de perseguição, dos interesses contrariados — diz Romano. — Do ponto de vista ético, há que se levar em conta não só a obediência à moral, mas também o valor da prudência. Seria falta de prudência exigir que ele denunciasse.

Legalmente, o fato de não ter feito denúncia à época também dificilmente pode trazer complicações a Turquino. Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/RJ, Leonardo Vizeu explica que provavelmente só haveria punições administrativas, tornadas inócuas com o pedido de exoneração:

— Qualquer servidor tem obrigação de levar ao superior irregularidades de que tenha ciência. Seria uma infração administrativa, mas ele já tinha pedido demissão. Não há um crime penal para esse tipo de caso. Seria forçação de barra tipificar como prevaricação.

A nomeação de Turquino em agosto de 2013 provocou protestos de funcionários do ministério, que reclamaram da indicação política de alguém que vinha da iniciativa privada — alvo da fiscalização que passou a ficar sob seu comando. Atualmente, Turquino é diretor da Campo Verde Trading BV, multinacional fundada por brasileiros que atua na produção e distribuição de produtos agropecuários. Em viagem ao exterior, ele não foi encontrado para comentar o caso.