Cabral comprou R$ 3 milhões em diamantes antes de ser preso 
Juliana Castro e Marco Grillo 
10/03/2017
 
 
MPF ainda aponta ocultação de recursos no dia em que defendeu transparência

O ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) comprou US$ 1.054.989,90 (R$ 3,3 milhões, na cotação de ontem) em diamantes apenas dois meses antes de ser preso pela Operação Calicute, desdobramento da Lava-Jato. A transação aconteceu no dia 13 de setembro de 2016 — Cabral e outros integrantes da organização criminosa foram levados para a cadeia em 17 de novembro. A investigação não encontrou recursos disponíveis na conta bancária usada para a compra (identificada como Clawson, no banco BSI, nas Bahamas), em um indício de que ela foi esvaziada para escapar de possíveis bloqueios.

A investigação aponta que esta conta foi aberta entre 2007 e 2008, quando Cabral era governador. De acordo com os doleiros Renato e Marcelo Chebar, responsáveis pela engenharia financeira, os diamantes estão dentro de um cofre em uma empresa especializada em guardar valores, localizada na zona franca do Aeroporto de Genebra, na Suíça. Os irmãos Chebar, que estão em Portugal, tornaram-se delatores e revelaram detalhes do funcionamento internacional do esquema de corrupção comandado por Cabral.

LAVAGEM DE DINHEIRO EM SÉRIE

Esta compra de diamantes é um dos 30 crimes de lavagem de dinheiro imputados ao ex-governador na mais recente denúncia do Ministério Público Federal (MPF), aceita anteontem pela Justiça. Cabral, o ex-secretário de Governo Wilson Carlos e o operador Carlos Miranda, considerados sócios do ex-governador no esquema, também viraram réus por corrupção passiva e evasão de divisas.

Em 18 de maio de 2016, seis meses antes da prisão, uma operação semelhante aconteceu. Desta vez, a compra foi de € 1.214.026,13 (R$ 4,1 milhões) em diamantes. A transferência foi realizada da conta Andrews Development, também mantida no BSI de Bahamas. Estes diamantes estão guardados em outro cofre em Genebra, próximo ao hotel New Midi.

A força-tarefa responsável pelas investigações identificou que Cabral recebeu propina e lavou dinheiro em 15 contas espalhadas por sete países, como mostrou O GLOBO ontem. Os valores existentes em cinco delas foram recuperados e depositados em uma conta judicial, em um total de US$ 85 milhões (R$ 271 milhões). Outras duas contas em que havia saldo disponível ainda não puderam ser acessadas — um dos casos, porque o banco BPA, de Andorra, por onde Cabral é acusado de receber US$ 3 milhões (R$ 9,5 milhões) da Odebrecht, está sofrendo uma intervenção de autoridades reguladoras.

O dinheiro movimentado pela organização criminosa — US$ 100 milhões (R$ 319 milhões), segundo o MPF — era disponibilizado no exterior por meio das operações financeiras conhecidas como “dólar-cabo”. Os doleiros Renato e Marcelo Chebar recebiam os valores em espécie, no Rio, e creditavam a quantia correspondente nas contas no exterior, retirando uma comissão a cada movimentação.

Ainda no período em que governava o Rio, Cabral determinou que uma transação semelhante acontecesse. Nos dias 23 e 24 de novembro de 2011, o ex-governador comprou 4,5 quilos de ouro, em um total de US$ 248 mil (R$ 791 mil), numa tentativa de, segundo o MPF, ocultar os valores recebidos de propina. O metal precioso também foi depositado no cofre de Genebra próximo ao hotel. A agenda de Cabral à frente do estado revela que, no mesmo dia em que escondeu recursos oriundos de corrupção, ele exaltou a transparência nas estatísticas da Secretaria de Segurança, então comandada por José Mariano Beltrame. Ao divulgar um relatório com informações da área, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública havia citado a existência de distorções nos dados, o que provocou a resposta do então governador.

— Vi uma ONG questionar dados que são absolutamente reais, verdadeiros, da Secretaria de Segurança. Não há Secretaria de Segurança no Brasil que dê com a exatidão, com a velocidade, e com veracidade, as informações do Estado do Rio, por intermédio do Instituto de Segurança Pública do Rio, dá. Eu duvido, desafio que haja qualquer Secretaria de Segurança no país que tenha um método melhor do que o do Estado do Rio de Janeiro. Mais transparente e mais ágil, no que pese ainda termos delegacias com problemas no sentido arcaico, mas não se compara com a média brasileira — afirmou Cabral, ao inaugurar uma delegacia em Queimados, na Baixada Fluminense.

 

O globo, n. 30531, 10/03/2017. País, p. 6