Fim da prova de resistência 
Clarissa Pains, Renata Mariz e Renato Grandelle 
10/03/2017
 
 
MEC muda as regras do Enem, que terá intervalo de uma semana entre as duas etapas

-RIO E BRASÍLIA- Depois de seguidas críticas sobre o calendário apertado, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) será aplicado, a partir deste ano, em dois domingos: 5 e 12 de novembro. Até o ano passado, a prova era realizada no sábado e no domingo de um mesmo fim de semana. As novas datas integram um pacote de mudanças apresentado ontem pelo ministro da Educação, Mendonça Filho. Seiscentas mil pessoas participaram da consulta pública que resultou nas alterações do exame, a principal porta de entrada para o ensino superior no país, com 8,3 milhões de inscritos em 2016.

A opção por manter o Enem em dois dias, conforme antecipou a coluna Panorama Político, foi a preferida de 63,7% dos participantes da consulta pública, sendo 42,3% favoráveis à aplicação em dois domingos. No entanto, 70,1% rejeitaram a proposta de que a prova fosse feita em computador. Para o governo, a realização do exame com auxílio da informática geraria economia com logística, impressão e fiscais, entre outros itens. Mendonça Filho ficou surpreso com a opinião “conservadora” dos alunos, mas destacou que a mudança acontecerá no futuro:

— É algo inevitável, não conseguimos definir daqui a quanto tempo, mas acontecerá.

Segundo o ministro, aplicar a prova em dois domingos atenderá a uma demanda dos candidatos de forma geral, que ficavam sobrecarregados com a maratona de avaliação em dias consecutivos, e também dos sabatistas, que guardam o sábado por razões religiosas.

CONTEÚDO REORGANIZADO

Outra medida tomada pelo MEC foi a reorganização do conteúdo cobrado em cada dia de prova. Agora, a redação será aplicada no primeiro domingo do exame, junto aos testes de Língua Portuguesa e Ciências Humanas. Na semana seguinte, os alunos responderão a questões de Matemática e Ciências da Natureza. A união de disciplinas afins em cada dia foi elogiada pelo diretor do grupo Eleva Educação, Fábio Oliveira.

— Faz mais sentido aproximar conteúdos parecidos. O candidato já vai para a prova com um foco. Não precisa escrever um texto e fazer conta na mesma prova. Além disso, escrever a redação logo no primeiro dia do exame deixa o aluno, em geral, menos nervoso para a etapa seguinte — avalia. — Pelo menos desde 2009 ouço os candidatos reclamarem da realização do Enem em um mesmo fim de semana. Com o novo calendário, certamente a maioria sentirá uma melhora no desempenho.

A especialista Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio, considera que o antigo cronograma do Enem transformava a avaliação em uma “prova de resistência”.

— O exame era marcado por estresse. Recomendo que os alunos descansem na segundafeira seguinte à primeira etapa, e limitem o estudo no resto da semana a apenas quatro ou cinco horas por dia, para que não cheguem desgastados ao outro domingo — aconselha a educadora, que justifica a rejeição dos estudantes à prova no computador. — Há uma desconfiança sobre a transparência no Enem, com casos de violações no gabarito e a existência de grupos que passam a resposta por aparelhos eletrônicos. A segurança digital não pode ser garantida.

Participante da consulta pública, o estudante Mauricio Ramos Silva, de 30 anos, que tentará pela segunda vez uma vaga em Medicina, avalia que a semana de intervalo será bem-vinda.

— Mesmo para um aluno bem preparado, é muito difícil não ser vencido pelo cansaço. Dá um “tilt” e deixamos passar alguma besteira — conta Mauricio, morador de Botucatu, no interior paulista. — Agora, temos uma semana para conversar com os professores.

O estudante Miguel Pereira, de 17 anos, aluno da Escola Parque que quer cursar Direito, também aprova a medida:

— A distribuição é melhor para os alunos, porque combate o cansaço. Em 2016, fiz a prova só para ver como era, e, mesmo não tendo a pressão do vestibulando, senti esse estresse.

O pacote apresentado pelo MEC também inclui um ajuste nas regras de isenção das taxas de inscrição, procedimento que favoreceu 76,8% dos inscritos no ano passado. Alunos que realizaram o ensino médio na rede pública continuarão tendo direito à gratuidade, mas outros candidatos, que buscavam o benefício alegando serem de baixa renda, precisarão comprovar que estão no Cadastro Único — base de assistência social do governo federal que inclui famílias pobres e vulneráveis, com renda familiar de até três salários mínimos ou per capita de até meio salário mínimo.

Candidatos que obtiverem a isenção de taxa e não comparecerem à prova também terão que comprovar com documentos os motivos da ausência caso queiram continuar tendo direito à gratuidade no ano seguinte. A regra de barrar a isenção aos faltantes já existe, mas bastava que o participante fizesse uma autodeclaração dos motivos que o impediram de comparecer para voltar a ter o direito. Agora, a ausência terá de ser comprovada com documentos. No ano passado, a taxa de abstenção foi de 30,4%. O Enem custou, no ano passado, R$ 798,8 milhões aos cofres públicos.

— Quase um milhão de alunos que obtiveram gratuidade não chegaram a consultar o local de prova (na internet) no ano passado, mas as provas são feitas, impressas, tem logística contratada. É um desperdício de recursos públicos — critica Maria Inês Fini, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do Enem.

Problemas de fraudes e vazamentos de provas, que levaram à abertura de um inquérito pela Polícia Federal no ano passado, também foram lembrados pelo MEC. Na nova edição do exame, o caderno de questões será personalizado, com o nome e o número de inscrição do candidato, assim como o cartão de respostas. Dessa forma, o ministério acredita ser possível rastrear a divulgação irregular dos testes.

Uma medida controversa anunciada é o fim da divulgação das notas por escola. De acordo com o ministro Mendonça Filho, alguns colégios usavam este índice para fazer “propaganda falsa”. Para ele, a melhor maneira de analisar a qualidade das instituições será um cálculo, iniciado este ano, do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica em unidades com ensino médio. A educadora Andrea Ramal ataca a nova regra: — Os pais têm o direito de saber como a escola está preparando os alunos para o Enem. Este indicador pode ser usado também para mudar o corpo docente, visando à melhoria do ensino de algumas disciplinas. Já Miguel Pereira defende a determinação. — Existem cursos que sobrecarregam os alunos, fazendo com que estudem 12 horas por dia. O objetivo do colégio não deve ser o bom resultado do Enem. A formação do cidadão é mais importante — ressalta o estudante.

AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES

NOVO CRONOGRAMA.

As provas serão realizadas em dois domingos consecutivos, dias 5 e 12 de novembro. Antes, o exame era aplicado em dias seguidos (sábado e domingo).

ORDEM DAS DISCIPLINAS.

A redação será aplicada logo no primeiro domingo do Enem e, neste dia, também haverá testes de Língua Portuguesa e Ciências Humanas. No domingo seguinte, será a vez de Matemática e Ciências da Natureza.

SEM PODER DE GRADUAÇÃO.

O Enem não atenderá mais candidatos que querem apenas obter o certificado do ensino médio. Antes, pessoas com mais de 18 anos podiam fazer o exame com este objetivo. A partir de 2017, elas usarão o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), que hoje certifica o nível fundamental e será ampliado.

FIM DA LISTA DE ESCOLAS.

Não haverá mais a divulgação de dados do exame por escola. Antes, era divulgada uma lista com as maiores notas obtidas pelas instituições de ensino. O Ministério da Educação calculará a partir deste ano o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para todas as escolas de ensino médio. Até agora, essa etapa escolar só contava com Ideb por amostragem, com índices gerais, mas não por escola.

MAIS EXIGÊNCIAS PARA GRATUIDADE.

Aumenta a rigidez para isenção da taxa de inscrição. Os candidatos que antes apenas declaravam ser de baixa renda para terem a isenção agora precisarão comprovar que estão no Cadastro Único (base de assistência social do governo federal que inclui famílias com renda familiar de até três salários mínimos ou per capita de até meio salário mínimo).

PEDIDO DE JUSTIFICATIVA.

Os candidatos que tiverem direito à isenção de taxa e não comparecerem à prova terão que comprovar com documentos os motivos da ausência para ter direito à gratuidade no ano seguinte.

INVESTIMENTO EM SEGURANÇA.

O caderno de questões virá personalizado, com o nome e número de inscrição do candidato, bem como o cartão de respostas. Dessa forma, o MEC acredita ser possível rastrear melhor o vazamento de um teste.

 

O globo, n. 30531, 10/03/2017. Sociedade, p. 28